You are here

O SNP não pode fugir para sempre ao debate sobre a monarquia

Será interessante a resposta dos membros do SNP às possibilidades constitucionais abertas pela independência. Vão acomodar-se à monarquia pragmática dos seus dirigentes ou exigir uma alternativa mais radical e genuinamente democrática? Artigo de James Maxwell.
Material de propaganda da Radical Independence Campaign

Sempre olhei para o SNP como para um partido republicano com uma liderança monárquica. Não tenho esta opinião por causa de uma investigação concreta (ainda que o livro que James Mitchell publicou em 2012, Transition to Power demonstre até que ponto o sentimento republicano está implantado nas bases nacionalistas). Tenho esta opinião, sim, porque nunca conheci um único militante do SNP que quisesse a Rainha como chefe de estado de uma Escócia independente.

Há uns anos, por curiosidade, assisti a uma reunião da secção de Londres do SNP, em que falava um dos representantes do grupo de pressão anti-monárquico. No fim do debate, fez-se uma votação: monarquia - sim ou não? Só uma das vinte e tal pessoas presentes, um senhor com uma grande barba, se opunha à ideia de uma república escocesa independente e isso era porque ainda se estava a guardar para a restauração dos Stuarts.

Não há nada melhor para a campanha Better Together (uma organização que tem como base a premissa conservadora de que a mudança, por mais modesta que seja, envolve demasiados riscos desnecessários) do que a oportunidade de acusar os nacionalistas de estarem a planear correr com a Rainha depois de um voto no “Sim”.

Diz-se que os dirigentes do SNP têm tido pouca pressão interna na história do partido para deixar de apoiar a Rainha. Mesmo os socialistas do 79 Group, ativo no princípio dos anos 80, hesitavam em forçar a questão, uma vez que alguns dos seus líderes (entre eles o meu pai, secretário do grupo), temiam a associação do nacionalismo escocês ao republicanismo irlandês. Por isso, foi sem surpresa que Nicola Sturgeon pode, na semana passada, revelar a proposta do SNP para uma “constituição provisória” de uma Escócia independente que reafirma o compromisso do partido com uma monarquia constitucional, sem uma palavra de protesto das bases.

Do ponto de vista estratégico, o SNP tem razão ao querer ser arrastado para um debate sobre o futuro da Coroa. Por toda a Grã-Bretanha, incluindo na Escócia, os republicanos estão em minoria e a monarquia ainda é popular. Em vésperas do referendo, a campanha do SIM prefere falar de pobreza infantil e de desigualdade de salários em vez de se atolar numa batalha pública nas páginas da imprensa de direita sobre aquilo que é, para a maior parte da população, uma característica relativamente estabelecida e pouco controversa da vida britânica. Além disso, não há nada melhor para a campanha Better Together (uma organização que tem como base a premissa conservadora de que a mudança, por mais modesta que seja, envolve demasiados riscos desnecessários) do que a oportunidade de acusar os nacionalistas de estarem a planear correr com a Rainha depois de um voto no “Sim”.

Ainda assim, como Ian Bell escreveu este fim de semana, a ideia de monarquia não assenta bem com o princípio de soberania popular. Se a constituição temporária de Sturgeon diz que “todo o poder e autoridade do estado decorre… da vontade soberana do povo”, por que precisa a Escócia de um soberano real, a não ser para uns quantos rituais anacrónicos? Também não é claro se os líderes do SNP são capazes de conciliar a sua oposição à Câmara dos Lordes “datada e que não foi eleita” com a sua espécie de entusiasmo pela família real, também ela datada e que não foi eleita. Não são estas duas instituições parte da mesma estrutura constitucional enferrujada de que a Escócia precisa, tão desesperadamente, de escapar?

No entanto, a aproximação reverencial do SNP à monarquia significa pouco mais do que um posicionamento pré-referendo. Em 2011, o partido fez campanha para que a responsabilidade sobre as operações na Escócia da Crown Estate Commission [CEC, organização independente que gere a propriedade da Coroa] fossem transferidas para Holyrood, com o argumento razoável de que “permitiria uma gestão apropriada dos ativos marítimos escoceses e asseguraria que as comunidades locais beneficiariam de energias renováveis do mar”. Claro está que o governo do Reino Unido não estava para aí virado. Então, tal como Andy Wightman sublinhou na altura, George Osborne decidiu vincular o valor da subvenção soberana - a quantia anual dada pelo estado à família real para “manutenção das suas propriedades - a uma percentagem dos lucros da CEC, criando assim um “obstáculo” a qualquer transferência de poder. A despudorada manobra política de Osborne funcionou. O SNP não a contestou e tem, desde então, mantido as duas exigências de transferência da CEC relativamente silenciosas.

Há, evidentemente, imensas pessoas na campanha alargada do SIM que não suportam a monarquia e que se ressentem do facto de o SNP a apoiar. No domingo, Patrick Harvie, dos Verdes, disse que via o processo de escrita de uma constituição escocesa permanente como uma oportunidade para “defender um chefe de estado eleito”, uma opinião partilhada por Robin McAlpine, da Fundação Jimmy Reid, e por (ainda que em termos menos diplomáticos, por Colin Fox do SSP.

Mas já sabemos a opinião da esquerda socialista. Interessante será a resposta dos membros do SNP às possibilidades constitucionais abertas pela independência. Vão acomodar-se à monarquia pragmática dos seus dirigentes ou exigir uma alternativa mais radical e genuinamente democrática? Desconfio que os apelos por uma república escocesa se ouvirão mais alto a seguir a um voto pelo SIM em setembro. Mas por outro lado, o SNP cresceu também por causa da sua extraordinária disciplina. De uma coisa estou certo: os Stuarts não voltarão num futuro próximo.


James Maxwell é jornalista político freelancer e um dos editores do portal Bella Caledonia.
Publicado inicialmente no New Statesman, a 25/06/2014. Traduzido por Mariana Vieira.

(...)

Neste dossier:

Referendo na Escócia: o fim do Império?

A poucos dias do referendo de 18 de setembro, o poder político de Londres treme ante a subida das intenções de voto do Sim à independência da Escócia. No meio da austeridade que nos últimos anos tem cortado nos salários, pensões e serviços públicos, a população escocesa atreveu-se a imaginar um país novo e mais justo e a discutir as opções do seu futuro. Dossier organizado por Mariana Vieira.

A Escócia já ganhou

O referendo de 18 de Setembro trouxe para o quotidiano discussões sobre história, política e economia, sobre o que foi o passado e o que se quer do futuro. Quase ninguém responde agora “ah, eu não falo dessas coisas”. E já não era sem tempo! Artigo de Mariana Vieira, em Edimburgo.

Por que passei a dizer SIM à Independência da Escócia

Podemos dizer que da União não sobra muito, a não ser sentimento, história e família. Algumas das razões pragmáticas para a subsistência da União, que emergiram nos séculos XVIII e XIX, desapareceram. Artigo do historiador Tom Devine, a principal referência do estudo da Escócia moderna .

Quem irá escrever a Constituição da Escócia?

Se a Escócia votar pela independência teremos de enfrentar importantes perguntas na área constitucional: Qual será a relação entre os cidadãos e os Estado? Quem escreverá a Constituição? Poderá o escocês comum a contribuir para esse processo? E como poderemos todos nós ser incluídos nele? O modelo islandês é um exemplo a seguir? Artigo de Jamie Mann.

A Economia e a Independência

O principal argumento do Better Together, de que as maiores economias são mais resistentes e flexíveis, ainda está por escrutinar. As pequenas economias do Norte, geograficamente semelhantes à Escócia, mantiveram as suas moedas independentes, mais estáveis do que a libra esterlina. Artigo de James Foley e Pete Ramand.

O voto no SIM na Escócia soltaria a mais perigosa das coisas: a esperança

O mito da apatia foi já destruído pelo movimento tumultuoso a norte da fronteira. Assim que há uma coisa pela qual vale a pena votar, as pessoas fazem filas pela noite fora para ter o nome no caderno eleitoral. A pouca participação nas eleições para Westminster reflete não a falta de interesse, mas a falta de esperança. Artigo de George Monbiot.

Petróleo do Mar do Norte: o que importa não é se vai haver um “boom” mas a quem pertence o petróleo

A única forma de diminuir o deficit e retomar os serviços públicos depois dos cortes da coligação, bem como de conseguir ter dinheiro para investir e reconstruir a economia escocesa será nacionalizar o petróleo do Mar do Norte. Artigo de Ralph Blake.

Cronologia da Independência

Momentos importantes da história da Escócia e das suas várias conquistas e sucessivas perdas de independência através dos séculos. Mais informação sobre cada época pode ser consultada, por exemplo, aqui.

Glossário do referendo

Quem é quem nesta campanha do referendo à independência? Quais os sites e blogs que defendem a campanha do Sim e têm tentado furar o bloqueio dos grandes meios de comunicação a favor do Não? Reunimos aqui alguma informação básica para acompanhar melhor esta campanha.

O SNP não pode fugir para sempre ao debate sobre a monarquia

Será interessante a resposta dos membros do SNP às possibilidades constitucionais abertas pela independência. Vão acomodar-se à monarquia pragmática dos seus dirigentes ou exigir uma alternativa mais radical e genuinamente democrática? Artigo de James Maxwell.

O Left Unity e o debate da Independência

Por explicarem o quadro geral das duas posições opostas, publicamos aqui dois textos do debate em curso no Left Unity, novo partido que pretende ser um agregador da esquerda por todo o Reino Unido. Até à data, o partido escolheu não tomar posição oficial, apesar de os seus membros participarem activamente nas campanhas respectivas. Alan Mackinnon defende o NÃO; Allan Armstrong responde-lhe pelo SIM.

Os socialistas e o SIM

Apoiar o direito democrático de nações como a Escócia à autodeterminação não faz de ti um nacionalista escocês, faz ti um democrata. Artigo de Colin Fox, porta-voz do Scottish Socialist Party.

Como se aproximam os sindicatos da independência?

O princípio da devolução e da transferência de controlo para Edimburgo de, entre outras, políticas de transportes, saúde e educação, criou uma nova camada de poder do estado com as quais as secções escocesas dos sindicatos britânicos passaram a ter de negociar, reduzindo a sua dependência nas estruturas mais alargadas, de todo o Reino Unido. Artigo de James Maxwell.

Quem são os donos da Escócia?

John Glen, o diretor executivo de Buccleuch Estates diz que os membros da Scottish and Land Estates “gerem um razoável volume de recursos naturais”. E tem razão: entre eles, os 2.500 membros devem ser proprietários de três quartos do território escocês. Artigo de Peter Geoghegan.

Tariq Ali: "A separação da Escócia desmantela o estado britânico"

Nesta entrevista conduzida por James Foley, o escritor, realizador e editor da New Left Review explica o seu apoio à independência da Escócia e fala das consequências do voto Sim neste referendo.

Ken Loach: Escócia independente poderá ser a "ameaça do bom exemplo"

O cineasta e fundador do partido Left Unity defende que a independência não resolve todos os problemas da Escócia, mas abre a possibilidade de criar uma sociedade mais justa.

O direito a sonhar

Votar Não significa votar sim a um estado para quem a defesa e a política internacional passam por fingir que não fazem parte da Europa. Fingir que vivemos numa espécie de isolamento glorioso com os nossos “amigos” Estados Unidos. Artigo de Jo Clifford.

O Modelo Nórdico

Na sequência da carta aberta de 17 escritores e jornalistas escandinavos que apoiam a campanha do SIM, Pete Ramand e James Foley, cofundadores da Campanha Radical pela Independência e autores de Yes: The Radical Case for Independence, defendem a tese de que uma Escócia Independente deveria abandonar o capitalismo Anglo-Americano em favor de uma social democracia Nórdica.

Um salva-vidas para as pessoas com deficiência que se afundam neste mar de cortes orçamentais

O Livro Branco sobre a independência lançado pelo Governo promete mudanças no regime de apoios sociais. Ao invés, o Labour só garante que a austeridade e os cortes vão continuar. Artigo de John McArdle.

Votar SIM é a única maneira de salvar da privatização o Serviço Nacional de Saúde

Enquanto o Serviço Nacional de Saúde Inglês está a ser privatizado, o Escocês regressou à filosofia tradicional do serviço unificado e de fundos públicos. Artigo de Philippa Whitford.

A negatividade do SIM

É também enquanto socialista que recuso acreditar que os nossos irmãos e irmãs sejam uma causa perdida. Para mim, um voto SIM soa a desistência e eu acredito que a única forma de ser socialista é manter viva a ideia de que venceremos, num dia distante, talvez, mas venceremos. Artigo de Juan Pablo Lewis Jr.

A Guerra e as Mulheres

A independência é a maior ameaça ao Reino Unido enquanto potência mundial desde a descolonização, fornecendo a uma Escócia independente a oportunidade de adoptar uma política estrangeira independente e justa. Artigo de Cat Boyd e Jenny Morrison.

Imigração na Escócia pós-referendo

A diferença das necessidades demográficas e de migração da Escócia significam que a atual política de imigração do Reino Unido não contemplou as prioridades escocesas no campo da migração. Excerto do Livro Branco do governo escocês, “Scotland’s Future”.

Separando os factos da ficção - o que significa a Grã-Bretanha?

David Cameron e o seu lacaio Michael Gove querem introduzir “Valores Britânicos” na escolas britânicas. Querem ensinar à nossas crianças o que é ‘liberdade’, ‘tolerância’, ‘respeito pelas leis e pelo direito’, ‘crença na responsabilidade pessoal e social’ e ‘respeito pelas instituições britânicas’. Peguemos esta hipocrisia pelos cornos. Artigo de Suki Sangha.

Os planos A, B, C, D, E, F… da moeda Irlandesa desde a independência

Se a libra esterlina passar em 2020 por uma crise como a dos anos 70, o governo da Escócia independente, SNP ou outro qualquer, fará o que fez a Irlanda: vai abandonar a libra esterlina sem hesitar e usar a libra escocesa, mantendo-a dentro dos limites estabelecidos com as moedas dos seus parceiros de mercado, por exemplo, a Zona Euro, os EUA, a Noruega, etc. Artigo de Sean O’Dowd.