You are here

5 lições cruciais para a esquerda do novo livro de Naomi Klein

Não se pode combater as mudanças climáticas sem combater o capitalismo, argumenta Klein em This Changes Everything.
"Agora só os movimentos sociais de massas nos podem salvar. Porque sabemos para onde vai o sistema atual, se não for contido".

Nos seus livros anteriores, A Doutrina do choque: a ascensão do capitalismo de desastre[1] (2007) e Sem logo : a tirania das marcas em um planeta vendido (2000), Naomi Klein, escritora canadiana e ativista, pegou em temas como a "terapia de choque" neoliberal, o consumismo, a globalização e o "capitalismo de desastre," documentando extensivamente as forças que estão por trás do aumento dramático da desigualdade económica e da degradação ambiental nos últimos 50 anos. Mas no seu novo livro, This Changes Everything: Capitalism vs. the Climate [Isto altera tudo: o capitalismo contra o  clima] (à venda a 16 de setembro), Klein lança o olhar para o futuro, argumentando que os perigos das alterações climáticas exigem ação radical agora para se afastar a catástrofe. Certamente não estará só ao apontar para a urgência da ameaça, mas o que diferencia Klein é o argumento de que o capitalismo — e não o carbono — é que está na origem das alterações climáticas que, em busca do lucro, nos conduzem inexoravelmente para um Armaggedon ambiental. This Changes Everything vale bem uma leitura (ou duas) na íntegra, mas apuramos alguns dos seus principais pontos aqui.

1. As soluções Penso-Rápido não funcionam

"Agora só os movimentos sociais de massas nos podem salvar. Porque sabemos para onde vai o sistema atual, se não for contido".

Muita da conversa em torno das alterações climáticas está focada no que Klein rejeita como sendo "Soluções Penso-Rápido": consertos orientados para o lucro tais como inovações tecnológicas bombásticas, esquemas de mercado de carbono e alternativas supostamente "limpas" como o gás natural. Para Klein, tais estratégias são demasiado pouco demais, demasiado tarde. Na sua elaborada crítica ao envolvimento das corporações na prevenção das alterações climáticas, ela demonstra como "soluções" rentáveis, avançadas por muitos think tanks[2] (e seus apoiantes corporativos) realmente acabam por piorar o problema. Por exemplo, Klein argumenta que os programas de troca de carbono criam incentivos perversos, permitindo que os fabricantes produzam mais gases de efeito estufa nocivos, justamente sendo pagos para os reduzir. Nesse processo, os esquemas de comércio de carbono têm ajudado as corporações a fazer milhares de milhões — permitindo-lhes lucrar diretamente com a degradação do planeta. Em vez disso, argumenta Klein, precisamos libertar-nos do fundamentalismo de mercado e implementar um planeamento a longo prazo, uma legislação rigorosa das empresas, mais impostos, mais despesa do governo e reverter privatizações para devolver a infraestrutura chave ao controle público.

2. Precisamos de conserto nós, não o mundo

"A Terra não é nosso prisioneiro, nem paciente, nem máquina, nem, de facto, um monstro nosso. É todo o nosso mundo. E a solução para o aquecimento global não é consertar o mundo, é consertar-nos a nós mesmos."

Klein dedica um capítulo completo do livro à geoengenharia: este campo de investigação, defendido por um grupo de nicho de cientistas, financiadores e figuras da comunicação social que visa combater o aquecimento global alterando a própria terra — por exemplo, cobrindo desertos com material refletor para reenviar a luz solar para o espaço ou mesmo para reduzir a luz do sol para diminuir a quantidade de calor que atinge o planeta. Contudo, políticos e grande parte do público global levantaram preocupações ambientais, de saúde e éticas em relação às propostas experiências científicas com o planeta e Klein adverte para as consequências desconhecidas de se criar "um mundo Frankenstein" em que vários países lançam projetos simultaneamente. Em vez de restaurar o equilíbrio ambiental, Klein afirma que estes "tecno-consertos" irão apenas perturbar ainda mais o equilíbrio da terra, cada um criando uma série de novos problemas, exigindo uma cadeia sem fim de mais "consertos". "A Terra — o nosso sistema de apoio vital — estaria ela mesma dependente de máquinas de apoio vital, ligadas em permanência, para impedir que se tornasse a toda a velocidade um monstro para nós", escreve ela.

3. Não podemos confiar num financiamento empresarial "bem intencionado"

"Um grande número de progressistas decidiu abandonar o debate sobre as alterações climáticas em parte porque pensou que os grupos Big Green[3], por onde escorreram dólares filantrópicos, tinham essa questão assegurada. Ora isso foi afinal um grave erro".

Klein critica fortemente as parcerias entre grandes empresas e os principais grupos ambientais, juntamente com as tentativas de "bilionários verdes", como Bill Gates e Richard Branson do grupo Virgin, de usar o capitalismo para combater as alterações climáticas. Se o próprio capitalismo é uma causa principal das alterações climáticas, Klein argumenta, não faz sentido esperar que corporações e bilionários ponham o planeta à frente do lucro. Por exemplo, embora a Fundação Gates financie muitos dos destacados grupos ambientais dedicados ao combate às alterações climáticas, à data de dezembro de 2013 tinha investido pelo menos 1,2 milhares de milhões de dólares na BP e na ExxonMobil. Além do mais, quando os Big Green se tornam dependentes de financiamento corporativo, começam a fazer avançar a agenda corporativa. Por exemplo, organizações como a Nature Conservancy e o Environmental Defense Fund, que têm tomado milhões de dólares de financiadores corporativos pró-fracking[4], tais como a Shell, a Chevron e o JP Morgan, estão a impulsionar o gás natural como alternativa mais limpa que o petróleo ou o carvão.

4. Precisamos de desinvestimento e reinvestimento

"O principal poder do desinvestimento não é prejudicar financeiramente a curto prazo a Shell e a Chevron, mas  corroer a licença social das companhias de combustíveis fósseis e criar pressão nos políticos para que  introduzam reduções de emissões generalizadas".

Os críticos do movimento de desinvestimento no carbono afirmam muitas vezes que esse desinvestimento terá um impacto mínimo sobre as questões de fundo dos poluidores. Mas Klein argumenta que esta linha de raciocínio falha a questão, citando a argumentação do canadiano Cameron Fenton, ativista do desinvestimento, de que "ninguém está a pensar que vamos levar companhias de combustíveis fósseis à falência. Mas o que podemos fazer é levar à falência a sua reputação e tirar-lhes poder político". E mais importante ainda, o desinvestimento abre a porta ao reinvestimento. Alguns milhões de dólares fora das mãos da ExxonMobil ou da BP é libertar dinheiro que pode então ser gasto a desenvolver infraestruturas verdes ou a empoderar as comunidades para tornarem a sua economia localizada. Em algumas faculdades, organizações não lucrativas, fundos de pensões e municípios já perceberam a mensagem: Klein reporta que 13 faculdades e universidades dos EUA, 25 cidades norte-americanas, cerca de 40 instituições religiosas e várias grandes fundações se comprometeram em desinvestir as suas doações em ações e títulos de combustíveis fósseis.

5. Enfrentar a mudança climática é uma oportunidade para abordar outras questões sociais, económicas e políticas

"Quando os negacionistas das alterações climáticas afirmam que o aquecimento global é um complô para redistribuir a riqueza, não é (só) por serem paranoicos. É também por estarem atentos."

Em A doutrina do choque, Klein explicou como as corporações têm explorado as crises à volta do mundo pelo lucro. Em This Changes Everything, ela argumenta que a crise das mudanças climáticas pode servir de despertar para a ação democrática generalizada. Por exemplo, quando um tornado destruiu em 2007 a maior parte de Greensburg, Kansas, a cidade rejeitou as abordagens de cima para baixo para a recuperação em favor de esforços para a reconstrução baseados na comunidade que aumentaram a participação democrática e criaram novos edifícios públicos respeitadores do ambiente. Hoje em dia Greensburg é uma das cidades mais verdes nos Estados Unidos. Para Klein este exemplo ilustra como as pessoas podem usar as mudanças climáticas para se unirem e construirem uma sociedade mais verde. Também pode, e deve certamente, estimular uma transformação radical da nossa economia: menos consumo, menos comércio internacional (o que faz parte da relocalização da economia) e menos investimento privado e muito mais despesa governamental para criar as infraestruturas de que precisamos para uma economia verde. "Implícita em tudo isto", escreve Klein, "está muito mais redistribuição, para que mais de entre nós possam viver confortavelmente dentro das capacidades do planeta".

 


Artigo de Jessica Corbett e Ethan Corey, publicado em In These Times.

Tradução de Paula Sequeiros para esquerda.net

[1]NT: As datas entre parênteses referem-se às edições originais em inglês, em que se mantiveram as hiperligações usadas pela autoria; para títulos com traduções portuguesas, as hiperligações reenviam para informação bibliográfica completa do catálogo coletivo internacional WorldCat

[2]Ver definição na Wikipedia

[3]Grandes grupos ambientalistas que têm sido acusados de excessiva proximidade do poder político central e de dependência do financiamento por grandes empresas, distanciando-se do ativismo ambientalista local e de base; ver mais por exº aqui

[4]definição de fracking ou fratura hidrálica na Wikipedia

Artigos relacionados: 

Termos relacionados Cultura
Comentários (1)