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Os bancos privados aproveitam-se escandalosamente do monopólio do crédito ao setor público

É interdito ao BCE e aos bancos centrais que fazem parte do euro-sistema concederem crédito às administrações públicas. Os governos da Zona Euro podem contornar parcialmente esta proibição, pedindo empréstimos aos bancos públicos (nos países em que estes ainda existam) mas até hoje sempre recusaram pôr em prática essa possibilidade.

Ora os bancos privados financiam-se principalmente, desde 2008, recorrendo a entidades dependentes do poder público (o BCE e os bancos centrais dos países do euro-sistema), a taxas de juro extremamente vantajosas. Desde junho de 2014, pedem empréstimos ao BCE a uma taxa de 0,15 % (quando a taxa de inflação foi em 2013 da ordem dos 0,8 % na Zona Euro, isto significa que os bancos pagam uma taxa de juro inferior à inflação, ou seja, uma taxa real de juro negativa). A 4 de setembro 2014 o BCE voltou a baixar a taxa, que é agora de 0,05 %. A seguir, esses mesmos bancos emprestam dinheiro aos países europeus da Periferia (Espanha, Itália, Portugal, Grécia, Irlanda, Chipre e aos países de Leste membros da Zona Euro), exigindo taxas de juro nitidamente mais altas, para não dizer exorbitantes (entre 3 e 7 %, no caso das taxas aplicadas em junho de 2014). Emprestam à França, à Bélgica e à Holanda a taxas ligeiramente inferiores a 2 % e à Alemanha a 1,6 % (taxas praticadas em junho de 2014). Em setembro-2014 os bancos emprestaram a Portugal com uma taxa de juro ligeiramente superior a 3 %, quando já estavam a ter crédito do BCE a 0,05 %! Belo negócio para os bancos!

O Banco Central Europeu

Criado em 1998 com base no modelo do Bundesbank alemão e instalado em Frankfurt, na Alemanha, o Banco Central Europeu (BCE) é a instituição responsável pela aplicação da política monetária nos países que adotaram o euro como moeda comum i. Os bancos centrais nacionais dos países da Zona Euro transferiram para o BCE as suas competências em matéria monetária. Previsto no Tratado de Maastricht de 1992, o BCE tem como missões fundamentais, em virtude do artigo 105º, parágrafo 2º, do tratado que instituiu a Comunidade Europeia:

- definir e pôr em prática a política monetária da Zona Euro;
- conduzir as operações de câmbio;
- guardar e gerir as reservas oficiais de câmbios dos países da Zona Euro;
- promover o bom funcionamento dos sistemas de pagamento.

O seu objetivo principal, bem como o dos bancos centrais nacionais dos países da Zona Euro, é o de «manter a estabilidade dos preços» ii, apontando para uma inflação anual de 2 %.

Proclamado como independente, o BCE é dirigido por banqueiros segundo uma pura lógica de banqueiro. Se os povos europeus exigissem democraticamente outras escolhas monetárias, o BCE poderia recusar e prosseguir os seus dogmas ao serviço dos indivíduos mais ricos e das grandes empresas. Ora esta independência não é mais do que uma hábil encenação para fazer crer que não é possível questionar as escolhas feitas pelo BCE. Na realidade, o BCE é completamente permeável às exigências das instituições financeiras no seu conjunto, bem como às dos dirigentes europeus, que organizam a submissão dos povos graças às políticas neoliberais. Embora as políticas respeitantes ao mercado de trabalho não façam parte das competências do BCE, ele intervém sistematicamente neste domínio em favor do aumento da precarização dos trabalhadores e em favor dos interesses particulares dos patrões.

Recordemos que o BCE não compra diretamente aos Estados os títulos da dívida pública, que eles emitem para se financiarem iii. Os governos que criaram o BCE pretendiam reservar ao setor privado o monopólio do crédito em relação aos poderes públicos. Desde 2010 que o BCE compra títulos da dívida pública no mercado secundário: não os compra diretamente aos Estados, mas sim aos bancos, que os adquiriram no mercado primário e que não têm como se desembaraçar deles. Este é outro método utilizado pelo BCE para financiar os bancos. Se o BCE comprasse títulos públicos no mercado primário, forneceria diretamente os Estados de meios financeiros.

Convém também notar que o BCE apenas compra no mercado secundário os títulos de dívida pública de países que se submetem às brutais políticas de austeridade.

Os estatutos do BCE, assim como o Tratado de Lisboa, proíbem-no, assim como aos bancos centrais da União Europeia, de emprestar diretamente aos Estados. O BCE empresta, portanto, aos bancos privados, que, por seu turno, emprestam aos Estados a uma taxa mais elevada. O artigo 101º do Tratado de Maastricht, inteiramente confirmado no Tratado de Lisboa, no seu artigo 123º, acrescenta: «É proibido ao BCE e aos bancos centrais dos Estados-membros […] conceder empréstimos a descoberto ou qualquer outro tipo de crédito às instituições ou organismos da Comunidade, às administrações centrais, às autoridades regionais, ou a outras autoridades públicas». Esta é uma das razões pelas quais é necessário anular este tratado e refundar democraticamente a UE.

Artigo da série “Os Estados ao serviço dos bancos sob o pretexto 'Too big to fail'” (parte 3) publicado em http://cadtm.org/Os-bancos-privados-aproveitam-se

Sobre o/a autor(a)

Politólogo. Presidente do Comité para a Anulação da Dívida do Terceiro Mundo
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