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Novo Banco em velha banca

O controlo público da banca é a solução para prevenir novas crises. A solução do Governo é sugestivamente muito consonante com os novos slogans do BES: 'One day you will regressar de vez'.

Muitos estão a passar pela crise BES/GES como quem vai de mãos tapando os olhos, olhando apenas pelas pequenas frinchas deixadas pelos dedos, não querendo acreditar no que a realidade lhes mostra.

Há cerca de um mês ouvíamos do Governo palavras de confiança para com a estabilidade do sistema financeiro português e escutávamos o Governador do Banco de Portugal dizer que o BES estava capitalizado e não havia qualquer risco.

Lembremos algumas afirmações: a 11 de julho, Passos Coelho garantia que tudo estava sólido no BES, dizendo mesmo não ter “nenhuma razão para pôr minimamente em dúvida a tranquilidade, que deve ser preservada ao nível do nosso sistema financeiro e bancário"; a 17 de julho foi a vez de Maria Luís Albuquerque, no Parlamento, afirmar a solidez do BES e parafrasear o BdP sobre as supostas almofadas de capital do Banco. Além disso, garantia a Ministra das Finanças: “Cabe aos privados resolver os seus problemas”.

Estas foram frases muitas vezes utilizadas: o banco está sólido, existem almofadas de capital... O Banco de Portugal até avançou a hipótese de, no caso de ser necessário alguma capitalização do BES, existirem muitos investidores interessados num aumento de capital...

As duas semanas que se seguiram desmentiram toda esse maravilhoso mundo narrativo. O buraco do BES era muito maior do que alguma vez admitido, em vez de haver investidores interessados no BES, o que existiu foi uma fuga de investidores, como foi notório com os últimos dias em Bolsa. O Governo e o Banco de Portugal que estavam em profunda crise de negação da realidade, acabaram atropelados pela mesma...

No primeiro fim de semana de agosto, extinguiu-se o BES e criou-se o Novo Banco. Afinal o que era seguro não passava de um castelo de cartas; afinal o que tinha almofadas de capital não cumprias os rácios de capital próprio, afinal os privados que tinham que resolver os seus próprios assuntos tiveram uma injeção de dinheiro público como nunca tinha acontecido. O Governo disponibilizou-se, de imediato, a entrar com 3.900 milhões de euros de dinheiro dos portugueses...

Claro que argumentaram depois que não faziam ideia de que a situação no BES seria tão má como era. Primeiro ponto: se não faziam ideia, deveriam fazer. Afinal que supervisão é essa que não sabe o que realmente acontece dentro das instituições financeiras? Segundo, é difícil de acreditar que não tivessem noção da crise do BES, mas as ações tardavam. Tanto o Governo como o BdP pareceram aturdidos, negando até à última a evidência: o BES estava podre, o modelo regulatório é uma farsa, o sistema financeiro em regime de mercado só pode provocar crises permanentes.

Compreende-se que para um Governo que pretende demonizar o Estado e culpá-lo por tudo o que de mal pode acontecer, se tenha imobilizado perante a evidência: a banca privada tem sido uma crise permanente e a resolução passa sempre pela intervenção pública.

Passos Coelho que quando fazia campanha para a liderança do PSD defendeu a privatização da Caixa Geral de Depósitos porque, garantia, o Estado não tem nada que intervir na finança, teve, afinal, que fazer uma mega intervenção, colocando no BES / Novo Banco quase 4 mil milhões de euros do dinheiro dos contribuintes...

Pelo caminho fez-se uma nacionalização a que não se chamou nacionalização. Na verdade, antes fosse uma nacionalização do banco livre de ativos tóxicos. Mas o que aconteceu foi que o Governo injetou massivamente milhares de milhões de euros para viabilizar o Novo Banco mas abdicou de qualquer controle sobre o mesmo, assumindo que tem como objetivo vendê-lo rapidamente. Ou seja, vira o disco e toca o mesmo... Entretanto, ficam as contas para pagar...

A banca deixada a atuar no chamado mercado livre é um regabofe, como se tem provado desde o BPN até ao BES. O modelo regulatório é uma farsa porque nada consegue controlar, principalmente quando a finança se especializou em engenharia financeira. A única forma de acabar com estas crises seria através do controlo público da banca, obrigando-a a regras claras e a procedimentos simplificados. Acima de tudo, submetendo a banca aos interesses públicos, nomeadamente o financiamento da economia.

O modelo que temos seguido até agora é o de permitir que os banqueiros façam o que bem lhes apetece e quando algo corre mal, o Estado está lá para assumir as perdas e pagar a fatura. Ou seja, temos seguido o modelo em que é o Estado e a população em geral que está submissa à banca. Pois é exatamente o contrário o que se deve exigir.

A solução encontrada para o BES é mais da mesma receita: submeter o país ao interesse da banca e deixar tudo como estava (o modelo regulatório de faz de conta, os bancos em roda livre, a engenharia financeira a ser a prioridade de qualquer banqueiro, o objetivo do máximo lucro no menor tempo possível, a vertigem e a loucura)... Nada se alterou com o BES: o Estado injeta dinheiro e depois devolve o banco aos privados, para que tudo venha a acontecer novamente.

O controlo público da banca é a solução para prevenir novas crises. A solução do Governo é sugestivamente muito consonante com os novos slogans do BES: 'One day you will regressar de vez'. Mantendo-se este mesmo modelo financeiro, podemos ter a certeza que estas crises vão regressar, uma vez após outra...

Sobre o/a autor(a)

Doutorando na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto e investigador do trabalho através das plataformas digitais. Dirigente do Bloco de Esquerda
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