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O Portugal daí explicado aqui
O primeiro passo para fora do nosso país é também o primeiro passo para o desejado regresso. Partimos em busca de oportunidades, de sonhos, de esperança, mas por cima do ombro, em tantos instantes do dia-a-dia, espreitamos o país que deixamos para trás; olhamos sem olhar, gritamos saudades em silêncio, sentimos, ainda que por instantes, o cheiro a maresia, o sol quente na face, o fado que arrepia a alma e a saudade que faz palpitar o coração.
A saudade do coração transporta-se para as palavras, e diariamente Portugal está na boca e no pensamento dos que partiram. Olhamos à distância, e procuramos ao longe explicar o país que vemos. Explicamo-lo a nós mesmos, procurando entender o incompreensível, explicamo-lo aos curiosos, intrigados com a debandada de milhares de um país que desistiu dos seus.
Explicar Portugal é explicar os salários baixos, é explicar o desajuste do rendimento mínimo, quando é fácil de constatar que a visita ao mercado ou à superfície comercial para abastecer as dispensas custa o mesmo em todos os países. Explico o incompreensível, numa qualquer fila de supermercado, onde não mudam os preços, mas sim o recheio das carteiras e o ar desesperado dos pais que em Portugal tantas escolhas difíceis têm de fazer, na hora de deixar compras para trás.
Explicar Portugal é explicar que existe trabalho, mas que se desistiu de trabalhar com direitos; é explicar que o cancro da precariedade arrasta consigo toda a réstia de esperança, consumindo regalias, segurança e dignidade. É explicar que as oportunidades são somente para quem se despir de sonhos e ambições para se remeter a uma escravatura de ameaça constante.
É tentar fazer entender os cortes nos salários, despropositados, exagerados, criminosos, explicando depois a aplicação de tamanha poupança; sacrificam-se famílias, perspectivas de vidas, para resgatar banco após banco, falidos uma e outra vez, para pagar a dispendiosa factura que é a ambição desmedida e ganância de alguns.
Retratar Portugal é pincelar a impunidade dos claramente culpados e o castigo dos inocentes. Os patrões fora da lei, os banqueiros que jogam Monopólio com o dinheiro dos pensionistas, dos trabalhadores, dos fundos de Protecção Social. É explicar, no caso da Saúde24, porque continuam sorridentes e impunes administradores e gestores, insistindo na contratação ilegal e na escravatura de enfermeiros. Seria longa a explicação, que não esqueceria a protecção da maioria que (des)governa Portugal, bem como a inércia de um Sindicato que esqueceu que a luta laboral se trava ao lado dos trabalhadores e não ao lado dos patrões.
Esmiuçar Portugal é explicar o abandono da protecção social, o abandono negligente do sistema nacional de saúde, utilizando os bolsos vazios de reformados e desempregados para sustentar hospitais à beira da ruptura; com cada vez menos profissionais (em debandada acelerada do País) e sem condições mínimas, pouca restará aos Hospitais que se tornarem as imagens dantescas dos Hospitais de Campanha de há séculos atrás.
Abordar Portugal é deixar claro o ataque feroz às oportunidades de qualquer criança que ambicione estudar, delapidando a escola pública de condições, perseguindo ferozmente os professores, transmitindo a inequívoca ideia de que educação digna é um privilégio apenas para alguns, regredindo para uma feudalismo medieval que tanto apraz aos poucos, mas cada vez mais ricos, de Portugal.
Explicar Portugal é também explicar a apatia perante o crime evidente de quem despedaça todo e qualquer vestígio de esperança. A demissão do povo de decidir, remetido a uma dor que esconde, conduz à singularidade entre uma Europa que há muito castiga os partidos do “centrão” que os governa; PS's e PSD's têm sido trucidados eleitoralmente Europa fora, enquanto em Portugal ainda se veem neles as melhores soluções, comprovadamente erradas após 40 anos de democracia.
Explicar Portugal é explicar a passividade perante um poder político promíscuo, interesseiro, aceitando sem expressão o jogo de cadeiras entre políticos, bancos e empresas públicas, que custam milhões a quem trabalha, a quem trabalhou, a quem quer trabalhar.
Explicar Portugal é, no entanto e orgulhosamente, explicar uma alma sem fim, de coragem adormecida em alguns, mas tão viva em tantos, que dia após dia, deixam impressa toda a sã alma nas lutas que travam. Explicar Portugal é explicar a revolta do povo de Abril que um dia ressurgirá, é enaltecer a coragem de homens e mulheres que se debatem por cada milímetro de liberdade e de direitos, sem desistir, sem vacilar. Explicar Portugal é explicar todos os que esquecem os seus próprios recibos verdes lutando pelos outros, que se esquecem do seu diminuto vencimento lutando contra os cortes alheios.
O Portugal daí não se entende aqui. Entende quem explica, quem sonha um dia voltar. Afinal o Portugal daí também é dos Portugueses daqui, os que não desistem, os que daqui gritam para ai, tentando também se fazer ouvir.
Comments
Felizmente ainda lemos muita
Felizmente ainda lemos muita coisa boa. De vez em quando, por esta ou aquela razão ouvimos dizer que com algum distanciamento, conseguimos enxergar melhor. Aposto que não foi o caso, mas explica com muita clareza o Portugal de hoje. À distância, os nossos talentos são valorizados, as belezas naturais são quadros gravados na memória que se vêm e revêm a cada dia e a emoção acontece quando tentamos mostrar aos outros aquilo que deixámos para trás. Infelizmente fora daqui é possível ver as diferenças e olhar no nosso próprio umbigo e compreender que como sociedade não valemos muito. Somos um povo humilhado, maltratado, achincalhado que não reage senão individualmente e quando já está na última, porque entretanto as contas que fazia era de poder humilhar, maltratar e achincalhar o parceiro do lado. Os portugueses têm vergonha da sua condição e por isso a luta é feita por tão poucos. Tomam como inimigos (políticos) os da sua condição porque se sentem bem olhando para baixo mesmo que já não consigam ver os que têm por cima. Os votos no centrão e o estado atual do país refletem isto mesmo. Obrigado por se fazer ouvir.
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