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A normalidade do inaceitável

Tempos estranhos estes em que o inaceitável se apodera da normalidade dos dias. A cada momento a realidade parece dividir-nos e afastar-nos entre os que achamos que o sofrimento ou a perda não é uma consequência aceitável como normal numa sociedade, e os que simplesmente não acham, não agem, ou preferem não tomar posição na esperança que não caia sobre si qualquer penalização mais grave.

Ao longo dos anos várias vezes ouvimos falar na proibição dos despedimentos. Fomo aliás, no Bloco de Esquerda, dinamizadores desse debate de forma pública. No início de 2009, ainda os senhores da crise estavam a arregaçar as mangas, afirmámos que as empresas com lucros não deveriam poder despedir. Estávamos certos na altura.

Soubemos há poucos dias que a Microsoft vai despedir 18.000 pessoas até 2015, o que significa uma redução de 14% no quadro de pessoal. Outras empresas gigantes com lucros do tamanho do universo irão despedir: a HP irá despedir 50.000 mil dos seus 250.000 trabalhadores, a IBM dispensará 13.000 trabalhadores, e a Cisco e a Intel despedirão 5% dos trabalhadores.

Uma análise minimamente humanista destes números diria que o inaceitável para uns é a forma de vida, normal, de outros. Os acionistas, os mercados financeiros, o capital, ou talvez dito de outra forma, os ricos, acharam que a Microsoft assim vale mais. Para os ricos, os 18.000 despedimentos valem 2% de valorização na bolsa.

Essa notícia recente sublinha a justiça e atualidade da proposta do BE de proibição, em Portugal, dos despedimentos em empresas com lucros. Estávamos certos em 2009 e estaremos certos hoje.

Sabemos que para alguns poucos (ou se calhar até muitos) será inaceitável e incompreensível que se ataque a liberdade de escolha estratégica de uma grande empresa: dirão que é impossível gerir corretamente uma empresa se não for possível “ajustar” o quadro das empresas, dirão que não é possível sobreviver assim nos mercados competitivos e que os mercados irão rapidamente reagir negativamente.

Mas para nós, e para a maioria, o que nos interessa se eles acham inaceitável aquilo que consideramos que seria normal ou justo? Se achamos que a economia e as empresas têm o primeiro e inalienável dever de compromisso social, façamos com que sejam os senhores da crise a achar que a nossa normalidade é inaceitável.

Sobre o/a autor(a)

Engenheiro informático
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