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Contra a alternância
Um posicionamento político responsável na sociedade portuguesa de hoje exige uma resposta clara a duas perguntas. A primeira é: por onde passa a linha divisória essencial da sociedade portuguesa neste momento? E a segunda é: quais são os melhores instrumentos para, com eficácia, mudar a relação de forças entre o campo adversário e o nosso campo? A primeira pergunta tem uma formulação simples - de que lado estamos? - mas a realidade de que ela trata é muito mais complexa porque o traçado da fronteira entre os "lados" é tudo menos inequívoco. A segunda pergunta tem sido respondida de duas maneiras simples - o Governo e o protesto - mas esse binómio é pobre porque esconde a questão essencial dos conteúdos políticos de um e de outro.
Três anos de massacre social e económico impõem que a linha de divisão das águas na política portuguesa seja repensada. Mantê-la na diferença de princípio entre uma esquerda e uma direita definidas a partir de abstrações é um procedimento que faz correr o risco de equívocos paralisantes. Basta, aliás, lembrar que chegámos onde chegámos antes mesmo destes três anos. Antes deles houve mais de trinta anos de governos que, sendo de alternância ao centro, foram de convergência no serviço aos grupos económicos (por alguma razão é consensual a classificação do Grupo Espírito Santo como pilar "do regime"), que com eles fizeram todos os negócios - negócios de centro-direita e negócios de centro-esquerda, claro está... - desde as parcerias público-privado na saúde e nas estradas até às privatizações, passando pela abundante legislação fiscal à medida. Foram trinta e tal anos de consenso alternante sobre a política europeia, nas suas vertentes de liberalização dos mercados, de perda de controlo democrático das variáveis macroeconómicas, de diminuição da espessura da democracia e do espaço da cidadania e de inclusão obediente na ordem militar chefiada pela NATO.
A omnipresença do bloco central na tessitura de tudo isto torna ilusória uma linha de divisão da política portuguesa entre o PS e o PSD. Colocá-la aí para depois assumir um lado é algo que passa ao lado desta constante pesada da democracia portuguesa. A divisão é, creio, outra e ela põe de um lado as forças que, no mínimo, são complacentes com este regime de governação indireta por quem se alimenta de rendas chorudas e, do outro, quem quer dar voz democrática aos que vêm sempre depois da garantia dos negócios de quem manda e que pagam sempre sem nunca terem dividendos.
O memorando da troika e o tratado orçamental são as marcas de água desse consenso de regime apontado a uma governação para as próximas décadas.
Os últimos três anos tornaram ainda mais óbvia a falta de alternativas na alternância ao centro. O memorando da troika e o tratado orçamental são as marcas de água desse consenso de regime apontado a uma governação para as próximas décadas. Eles são a constituição material do bloco central.
E esta constatação ilumina a resposta à segunda pergunta essencial: evita-se o bloco central partilhando o Governo com o PS? A minha resposta é: pode até evitar-se o bloco central mas não se evitará o centrismo. A convicção de que se puxará a política do PS para o campo da alternativa exprimindo disponibilidade para integrar com ele o campo da alternância tem um longo historial de fracassos em Portugal. Todos os que se dispuseram a isso, com convicção sincera, acabaram a legitimar um PS de alternância sem nunca ser de alternativa. Agora, dadas as circunstâncias de amarração assumida ao tratado orçamental, não creio que possa ser diferente, muito pelo contrário. O povo socialista sabe-o bem e pensar uma alternativa sem ele é o equívoco simétrico.
A construção de uma alternativa supõe, em minha opinião, uma lúcida noção da força que tem o campo que quer a perpetuação da simples alternância, não fingindo que ele é mais fraco e vulnerável do que na verdade é. E a grandeza de juntar todos os que, sem transigências, se opõem, em nome de uma democracia de alternativas, à perpetuação da alternância.
Comments
Nem Seguro é homem para fazer
Nem Seguro é homem para fazer a rotura, nem o PS alguma vez deixará que isso aconteça, como se prova com a antecipação de Costa, não vá o diabo tecê-las. A questão afinal está do lado do eleitorado do PS que na sua grande maioria, convencido que vota nos valores de Abril não faz mais do que alimentar esta máquina destruidora da democracia que há mais de trinta anos rouba os sonhos de quem trabalha. A máquina política do PS é de longe aquela que mais tem beneficiado deste desvario. Ao contrário de qualquer outra força política onde de tempos a tempos existem fissuras mais ou menos importantes refletindo as diferentes sensibilidades, normais em agrupamentos elevados, o PS tem sido o aglutinador de todas as fissuras, à sua esquerda e à sua direita já que, sem rumo próprio vai na onda, acomodando-se aqui e ali submetendo-se sempre ao poder vigente, o do grande capital. Como é que a esquerda pode sequer pensar em desviar o PS deste rumo, se isso representaria o fim do seu próprio sustento. O PS em termos políticos não é reciclável. De João Cravinho a Ferro Rodrigues, na hora da verdade não vacilam em dar o seu apoio às políticas que nos têm trazido até aqui. Não me lembro de alguma vez, algumas das vozes que de tempos a outros parecem ser discordantes com o caminho que o PS tem optado para o país, virem sequer a ameaçar com cissões. Se alguma vez alguém no PS tiver a coragem de o fazer, poderá então contar com toda a esquerda para políticas alternativas. E isso sim, seria um grande favor à democracia.
Eu até concordo em linhas
Eu até concordo em linhas gerais com isto.
Não acho é que rejeições apriorísticas sejam boa ideia. Longe disso. Também tenho as maiores dúvidas de que o PS seja reciclável, mas rejeitá-lo sem mais e à partida parece-me um erro enorme. Porque pode dar-se o caso de estar enganado.
Afinal, eles também nos acham uns tipos tolos e insensatos, que só estão interessados em barafustar e não têm nada de válido, realista ou construtivo a oferecer ao país. E nós sabemos que não somos nada disso.
Num momento em que até já se veem dirigentes da CGTP e da CIP a dizer as mesmas coisas à saída de reuniões com o governo, isso mostra que há impensáveis que acontecem mesmo. É impensável que o PS vire à esquerda? Bastante, sim. Mas basta que seja possível para que se deva manter aberta a possibilidade de conversar.
Note-se: conversar é muito diferente de concordar. Pode-se conversar e discordar. Acontece (e seria o mais provável). Pelo menos conversou-se. E mesmo que se discorde em pontos essenciais, o suficiente para impedir acordos globais, nada deve impedir uma colaboração honesta nas coisas em que se concorde. Já ultrapassa o ridículo a velha política de "hoje vou votar contra porque foste tu a propor mas amanhã proponho a mesma coisa e aí voto a favor". E sim, isto é muito mais uma crítica ao PS do que ao Bloco.
Embora pense que este é
Embora pense que este é realmente o grande dilema da esquerda, não tenho intensão de fazer aqui esse debate. Venho apenas lembrar que há décadas que a verdadeira esquerda tenta evitar que as políticas que nos trouxeram até aqui não fossem adotadas pelas consequências que estão à vista, e da parte do PS, o maior responsável pela atual situação quer como autor quer como coautor, a resposta era e é ainda que deste lado estamos ultrapassados que precisamos de nos modernizar ou seja, abandonar a luta. Isto não é rejeitar o PS prioristicamente. Por outro lado quando vemos CGTP e CIP a dizer a mesma coisa não significa nada a não ser que em determinada altura pensam a mesma coisa. Não é difícil isso acontecer por exemplo quando se fala do aumento faseado do salário mínimo que uns e outros concordaram há alguns anos atrás e que hoje ainda é inferior aos quinhentos euros que José Sócrates transformou em 485 e que desde então não foi mexido. Sabendo nós ainda assim que a concordância da CIP neste aspeto tem muito a ver com as contrapartidas propostas pelo governo a propósito por exemplo da contratação coletiva.
Dito isto convém aqui lembrar que a esquerda não rejeita o PS porque é o PS, a esquerda tem obrigação de rejeitar todos quantos não rejeitarem estas políticas de submissão ao grande capital que nos trouxeram até aqui, e mais além prevejo eu. Nesta altura do campeonato a bola está do lado do PS e a charneira está nas suas posições ao memorando da troika, o tratado orçamental e a reestruturação da divida publica.
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