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A recessão persistente nos EUA

Os dados sobre o crescimento para o primeiro trimestre de 2014 da economia norte-americana indicam que o PIB caiu 2,9 por cento (em relação ao trimestre anterior), o que significa a pior contração num trimestre nos últimos cinco anos. Que aconteceu? Por Alejandro Nadal
Pelo aumento do salário mínimo de 15 dólares/hora, 1º de Maio de 2014 em Chicago – Foto de peoplesworld/flickr

A grande recessão nos Estados Unidos terminou oficialmente no verão de 2009. Em julho, os dados indicaram um crescimento positivo que interrompeu o caminho de queda iniciado com a crise financeira de 2008. O governo, a Reserva federal e a imprensa de negócios anunciaram que assim começava a recuperação. A bolsa de valores começou um período de auge que também foi apresentado como sinal claro de que o pior tinha passado.

O crescimento da economia norte-americana tem sido medíocre a partir de 2009, no entanto os dados sempre foram apresentados como correspondentes a uma recuperação. Mas este ano o comboio das boas notícias descarrilou.

Os dados sobre o crescimento para o primeiro trimestre de 2014 indicam que o PIB caiu 2,9 por cento (em relação ao trimestre anterior), o que significa a pior contração num trimestre nos últimos cinco anos. Que aconteceu?

A maior parte dos analistas e observadores esperava uma redução, mas não desta magnitude. Esta foi a pior queda no PIB fora de períodos de recessão desde a segunda guerra mundial. Em termos de valor, esta contração num único trimestre é equivalente às perdas da recessão de 2001, de modo que as perguntas sobre as causas subjacentes são importantes.

Existem distorções estruturais na economia norte-americana que explicam o seu comportamento medíocre. Duas dessas distorções encontram-se intimamente relacionadas. A primeira é o tamanho desmedido do setor financeiro. A outra é a que constitui a base para a grande crise de 2008: trata-se do nível salarial que se mantém deprimido e que explica não só a desigualdade, mas também o sobre-endividamento

Para os analistas oficiais, a queda do PIB é produto de dois fatores centrais. O primeiro é o inverno de 2013-14, um dos mais severos dos últimos cem anos. E seguramente as baixas temperaturas desempenharam um papel, ainda que não se possa determinar que proporção da queda do PIB é diretamente atribuível ao inverno rigoroso. A despesa total dos consumidores (que explica dois terços do crescimento do PIB dos Estados Unidos) aumentou só um ponto percentual, quando se esperava que cresceria pelo menos 3 por cento, mas nem tudo isso se pode atribuir ao frio. Numa economia robusta, nem o inverno mais forte provoca uma queda desta magnitude.

Muitos opositores do governo dos EUA têm assinalado que a causa principal da contração do PIB é a reforma do sistema de saúde introduzida por Obama. Em torno desta questão existe uma verdadeira campanha de desinformação que vaticinou ao longo de 2013 a queda drástica no número de empregos de tempo completo. A razão seria que as empresas procurariam cortar o número de horas trabalhadas para menos de 30 horas semanais com o fim de evitarem o custo de terem que outorgar prestações em matéria de saúde aos seus empregados. A realidade é diferente: o departamento de estatísticas laborais dos Estados Unidos revelou que a partir de abril de 2013 aumentou o emprego a tempo completo e foram eliminados 230 mil empregos a tempo parcial. Isto indica que as reformas do setor da saúde não podem estar por detrás do colapso do PIB.

Na atualidade nos Estados Unidos o nível de remunerações do trabalho (não diretivo) está nos níveis de 1970. Isso torna quase impossível que o ritmo da economia possa assentar algum dia numa procura sã baseada em empregos de boa qualidade

O outro fator que joga um papel chave no mau desempenho da economia norte-americana é o das exportações. Estas contraíram-se em mais de 9 por cento, quando o prognóstico era que só caíssem 6 por cento. Esta é a consequência direta da persistente crise na Europa e da perda de dinamismo em economias como Brasil, China e Índia. Isto é, a economia mundial ainda está a sofrer com a crise global.

Há cinco anos terminou oficialmente a recessão no país que detonou a crise financeira e económica global. Desde então, a economia norte-americana cresceu a um ritmo muito abaixo do que teve noutras “recuperações”. Claramente, esta recessão e a sua “recuperação” não tem sido como outras.

A realidade é que existem distorções estruturais na economia norte-americana que explicam este comportamento medíocre. Duas dessas distorções encontram-se intimamente relacionadas. A primeira é o tamanho desmedido do setor financeiro. A outra é a que constitui a base para a grande crise de 2008: trata-se do nível salarial que se mantém deprimido e que explica não só a desigualdade, mas também o sobre-endividamento.

Por que estão deprimidos os salários? Porque os poderes estabelecidos triunfaram de maneira espetacular na sua ofensiva contra os trabalhadores, os seus sindicatos e tudo o que cheire a cultura operária e camponesa

Na atualidade nos Estados Unidos o nível de remunerações do trabalho (não diretivo) está nos níveis de 1970. Isso torna quase impossível que o ritmo da economia possa assentar algum dia numa procura sã baseada em empregos de boa qualidade.

Por que estão deprimidos os salários? Porque os poderes estabelecidos triunfaram de maneira espetacular na sua ofensiva contra os trabalhadores, os seus sindicatos e tudo o que cheire a cultura operária e camponesa. Por isso hoje continuamos a observar aumentos de produtividade e salários que não crescem. Isso significa que alguém está a ficar com os ganhos.

Diz-se que são precisos dois trimestres consecutivos com crescimento negativo para poder falar de recessão. É possível que o próximo trimestre mostre um crescimento positivo e as autoridades possam evitar o emprego dessa palavra. Mas recessão ou não, tudo anuncia que o tom medíocre do desempenho económico nos Estados Unidos vai permanecer longos anos. Não será uma surpresa, é o que se pode esperar do capital na sua fase neoliberal.

Artigo publicado no jornal mexicano La Jornada

Sobre o/a autor(a)

Economista, professor em El Colegio do México.
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