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A greve

Hoje é dia de greve! Dos médicos! Podia ser uma greve dos enfermeiros também! Ou uma greve dos técnicos de saúde! Ou mesmo dos utentes! Estes dois dias de greve reivindicam muitas alterações na carreira médica ou na organização do trabalho médico! Mas vão muito mais longe!

Está é uma greve que reivindica o SNS! O SNS que construímos em liberdade e em democracia! O SNS que levou cuidados de saúde de qualidade a todos os cantos deste país! O SNS que colocou Portugal entre os melhores do mundo em oferta de saúde pública!

Aquilo que a FNAM, apoiada pela ordem dos médicos, hoje denuncia não é mais do que o plano que o ministério tem posto em marcha para desestruturar o SNS! O aumento das listas de utentes por medico de família que tornam impossível aceder a uma consulta de qualidade. A reestruturação dos serviços hospitalares cujo intuito é fechar serviços "em barda" por todo o país. As alterações que querem introduzir na formação dos médicos, para que estes se tornem cada vez mais indiferenciados e cada vez mais "mão-de-obra" barata e descartável. As enormes restrições financeiras e os orçamentos limitativos que levam à escassez de material em todos os hospitais.

Podem acusar-nos do que quiserem, corporativismo, elitismo, seja lá o que for! Podem insultar o bastonário, publicar noticias de fraude em todas as primeiras páginas dos diários ou lançar estatísticas falsas para o público! Nada disso vai encurtar os quilómetros que têm de percorrer os doentes em diálise que vivem no interior! Nem dar médico de família a tanta gente que precisa de medicação crónica! Nem inverter as tendências dos indicadores de saúde que num par de anos vão atirar o país 40 anos para trás! Nenhuma crónica enfurecida, nenhuma declaração ministerial demagógica alteram a realidade crua de tantos doentes que já hoje se vêem em dificuldades para aceder a serviços de qualidade e proximidade!

Mas o futuro será ainda pior se nada for feito! Os médicos não saem à rua felizes! Não trazem consigo esperança ou orgulho! Trazem revolta, indignação e cansaço, pois eles tal como muitos outros profissionais e utentes, acumularam nos últimos anos horas a mais, trabalho a mais e um sentimento de impotência e incapacidade perante a falta de profissionais, de material ou de apoio por parte de quem os governa. O plano para desmantelar este serviço não é só um plano constituído pelas "grandes questões" mas também pelos pequenos pormenores do dia-a-dia (o corte no salário, o aumento das listas de espera, a fuga de colegas para o exterior, o aumento de horas de trabalho) que se vão acumulando e que vão corroendo as bases do nosso SNS! Cada dia que passa sob a tutela deste governo, é mais uma estucada na nossa vontade de trabalhar, no nosso orgulho no serviço, no nosso sentido de missão com os nossos doentes!

Os médicos saem à rua não para reivindicar apenas a sua carreira ou condições de trabalho condignas! Saem à rua na esperança de portarem a voz de todo um pais que vê o seu melhor serviço público e o mais fundamental ser desarticulado, desorganizado, desmantelado até à machadada final! É tempo de urgência, é tempo de ação, é tempo de radicalizar a luta pelo SNS, ou será tarde demais! Ainda bem que hoje é dia de greve!

Sobre o/a autor(a)

Médico neurologista, ativista pela legalização da cannabis e da morte assistida
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