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Agravamento dos casos de violência de género

O reconhecimento da violência doméstica como crime público, em 2000, foi um ganho de civilização. Muita coisa mudou em 14 anos, mas as mulheres continuam a morrer ou a serem obrigadas a fugir de casa para se defenderem dos agressores.

Propusemos este debate pelas 23 pessoas assassinadas desde o início do ano. 21 mulheres que morreram às mãos daqueles com quem um dia pensaram ser felizes. Fazemo-lo por todas as vítimas de violência doméstica, que lhe sobreviveram, e pelas crianças e jovens cada vez mais expostos a esta forma de violência - cerca de 18.000 em 2013 (neste ano e face ao anterior, mais 2.200 crianças foram expostas a situações inadequadas, face a 94,5% relativas a situações de violência doméstica).

O reconhecimento da violência doméstica como crime público, em 2000, foi um ganho de civilização, pelo qual nos batemos. Então, como hoje em relação ao crime de violação, tínhamos a certeza que a natureza pública destes crimes é a que permite desfazer muros de silêncio e preconceito, protegidos pela própria lei.

Recentemente, demos mais um passo com a integração das relações de namoro no quadro do crime de violência doméstica e o alargamento da vigilância eletrónica dos agressores.

Reconheçamos que muita coisa mudou em 14 anos. Derrubou-se a perversão do velho ditado, “entre marido e mulher ninguém mete a colher”, aumentaram os níveis de condenação social, mobilizaram-se associações, numa rede de intervenção e compromisso notáveis, reorientaram-se as políticas públicas, formaram-se agentes de segurança e magistrados. Mas as mulheres continuam a morrer ou a serem obrigadas a fugir de casa para se defenderem dos agressores, e os números não nos permitem ignorar.

377 mulheres foram assassinadas em Portugal desde 2004, no contexto de violência doméstica. O ano passado: 15 foram abatidas a tiro, 9 esfaqueadas, 4 espancadas, 5 asfixiadas; as restantes morreram afogadas e queimadas. Uma “realidade que a todos deve envergonhar” lê-se no mais recente relatório do Observatório de Mulheres Assassinadas da UMAR.

De facto, indicadores existem, do agravamento dos casos de violência de género e de violência doméstica. Em finais de 2013, a secretária de estado reconhecia-o: havia, então, menos queixas mas “os casos são mais graves”. Um ano depois, houve mais 640 participações de violência doméstica do que em 2012 (dados do Relatório Anual de Segurança Interna), fazendo deste um dos raros crimes cuja participação aumentou, além da coação sexual, do abuso sexual de menores, da violação. E quando a população diminui, e os homicídios também, os homicídios em contexto conjugal/passional e familiar teimam em manter-se em níveis insuportáveis.

Os últimos casos mais mediatizados dão conta da brutalidade da violência. Desde o “Palito” de Valongo, que perseguiu a mulher todos os dias nos últimos 5 anos, após a decisão de separação por violência doméstica, e que baleou mortalmente a ex-sogra, a tia, e feriu a ex-mulher e a filha de ambos, aplaudido à chegada ao tribunal como um herói por 200 populares. Desde a mulher de 39 anos, esfaqueada pelo companheiro em Felgueiras, após alertar a GNR que o mesmo tinha posse ilegal de arma, e cuja filha foi também esfaqueada enquanto tentava defender a mãe, até à advogada de Estremoz de 48 anos, assassinada por estar a tratar do divórcio de uma vítima de violência doméstica.

Este debate não se destina a ignorar o muito que foi feito, mas centra-se sobre o que continua por fazer.

As políticas de austeridade e empobrecimento favorecem a igualdade entre homens e mulheres? Não favorecem, e pior, a redução das prestações sociais, nomeadamente do RSI, é um fator de limitação da autonomização das vítimas mais pobres, quando a resposta está dirigida para os apoios às vítimas das casas abrigo. Estão as forças de segurança a fazer tudo o que é possível? No reconhecimento do que já foi feito, assuma-se que os agentes de primeira linha, os primeiros a contactar com as vítimas, ainda não têm a formação necessária. Há uma rede concertada, no plano local, entre associações, forças de segurança, autarquias, serviços de saúde? Não há, e é necessária. Está a escola a intervir na prevenção? Não está. Uma escola pública acossada e cada vez mais conservadora, que encaixotou a educação sexual e a formação para os direitos humanos, não é a resposta de que precisamos.

Este debate não se destina a apontar o dedo, antes saúda todos e todas que ao longo de anos se têm envolvido nesta luta. Do muito que foi feito, é preciso reconhecer o muito que ainda falta fazer, partindo ainda da Convenção de Istambul como compromisso renovado com o combate a todas as formas de violência contra as mulheres.

Intervenção no debate de urgência no plenário da Assembleia da República sobre “Violência de género”, proposto pelo Bloco de Esquerda – 12 de julho de 2014

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda, professora.
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