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Desigualdade racial: os estádios brancos do Brasil

Estamos numa antiga fábrica ao norte de São Paulo. Hoje joga a seleção e dezenas de famílias vieram ver o jogo por de um projetor.
Os cânticos de incentivo à equipa sucedem-se durante todo o jogo. Apenas duas circunstâncias os interrompem: quando se aproxima uma ocasião de golo, a harmonia nos coros degenera em pura gritaria de emoção. Quando a televisão foca os espetadores nas bancadas, o cântico também se apaga, mas desta vez para se transformar num triste murmúrio.
Para muitos brasileiros, observar as imagens das bancadas significa estar diante da desigualdade racial tão quotidiana nesta sociedade.
É que, para muitos brasileiros, observar as imagens das bancadas significa estar diante da desigualdade racial tão quotidiana nesta sociedade.
Num país onde 56% dos habitantes se declara negro ou mulato, é difícil encontrar alguém que não seja branco nas bancadas. Segundo uma sondagem realizada pela Folha de S. Paulo num dos jogos do Brasil, 86% dos espetadores tinha concluído estudos superiores. Entre a população geral, essa média mal chega aos 16%. ? “Faz a experiência. Aposto que podes contar mais negros no campo que nas bancadas”, dizia-me um amigo há nuns dias.
“Em sentido estrito, não se trata de discriminação racial. Seria discriminação racial se a FIFA não vendesse entradas aos negros e isso é o que a ocorrido. Mas a maioria dos negros são pobres e os bilhetes são demasiado caras. Mas, por que os negros são pobres? Porque existe uma terrível discriminação na sociedade brasileira?” (Carlos Ribeiro, sociólogo na Universidade Estatal de Rio de Janeiro).
Que as elites ocuparam as bancadas do Mundial ficou claro desde o jogo inaugural, o único que contou com a assistência de Dilma Rousseff. Depois do golo de Neymar, que punha o Brasil a ganhar, o estádio levantou-se para cantar “Ei Dilma vai tomar no cu”. Aquele cântico gerou um debate nacional que ocupou durante dias as colunas dos jornais. Muitos brasileiros consideraram-no um ataque da classe alta ao Partido dos Trabalhadores.
Segundo o discurso oficial, o Brasil é a nação da mistura, o país que superou as raças. Na realidade, e apesar dos avanços da última década, o Brasil foi o último país ocidental a abolir a escravatura, e a desigualdade económica corre paralela à desigualdade racial.
Termina o jogo. O Brasil ganhou nos penaltis. Nesta fábrica ao norte de São Paulo, as famílias abraçam-se. Compartilham as suas lágrimas de emoção com as do guarda-redes Júlio César, projetado na tela.
Publicado no Público.es
Tradução de Luis Leiria para o Esquerda.net
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A percentagem de negros no Brasil
A percentagem de negros no Brasil é de longe bem menos metade da população. Uma grande parte de brasileiros são mestiços, no entanto destes 50% de mestiços, muitos possuem a pele clara e traços europeus (fenotipo) porque durante muito tempo houve uma entrada de imigrantes no Brasil e miscigenação (intencionalmente planeada nos séculos passados).
No entanto geneticamente o DNA de mais de 60% dos brasileiros é miscigenado.
No brasil cerca de 10-15% são negros, que infelizmente sofrem um preconceito diário baseado neste fenótipo, outros que se auto-intitulam pardos possuem pele clara e traços europeus.
Já vivi no Brasil e nas ruas, escolas, lojas era basicamente 50-60% de pessoas mesmo brancas, um número elevado de pessoas mestiças claras e escuras e uma parte bem pequena de negras (regra que é diferente no Rio de Janeiro e Nordeste daquele país).
Por isso, antes da espera de um estádio miscigenado, os media internacional e mesmo brasileiro deveriam por estudar a composição étnica brasileira baseada não só nos censos de um país (que reflecte apenas uma opinião do cidadão relativamente a sua etnia e não o que de facto ele representa) , mas também a observação ponderada do interlocutor sobre o que vê quando anda pelas cidades de um país
Você tem razão em certos
Você tem razão em certos pontos, mas é fato que negros e pardos que correspondem mais de 50% da população não estavam representados proporcionalmente nos estádios, nesses ambientes a proporção era de maioria esmagadora de brancos, evidenciando uma exclusão social ainda predominante, mesmo depois de avanços sociais.
Isso inclusive intrigou a chamada "elite branca", as mídias conservadoras tiveram que dar o braço a torcer, veja:
http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/06/1478120-brancos-e-ricos-sao-m...
Vi os jogos de Salvador
Vi os jogos de Salvador (Bahia) e metade do publico era negro ou mulato, enquanto em Curitiba (Paraná), São Paulo as pessoas eram brancas, por que? Por que nessas regiões do Brasil a maioria é branco, simples.
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