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Reportagem: PODEMOS procura consolidar-se em Espanha

Movimento precisa de discutir dinâmicas e diretrizes do partido para as eleições de 2015, membros querem evitar estrutura política “tradicional”. Reportagem de Rafael Duque, publicada em Opera Mundi.
Ao centro, Pablo Iglesias, cabeça de lista do PODEMOS às eleições europeias.

Com 1,2 milhões de votos, o movimento político Podemos foi a grande surpresa das últimas eleições europeias em Espanha. Mas, apesar do otimismo gerado pelo resultado, a iniciativa liderada pelo professor universitário Pablo Iglesias precisa de ultrapassar alguns desafios importantes antes de se afirmar como um ator relevante no cenário político espanhol.

O primeiro passo para a consolidação do movimento será dado numa assembleia geral que ocorrerá no segundo semestre deste ano, onde os integrantes do movimento discutirão e votarão a futura estrutura do partido e as diretrizes políticas para o ano de 2015. Um conselho formado por 25 especialistas e militantes foi eleito há duas semanas e irá preparar a base dos documentos que serão debatidos na reunião.

“Em 2015, teremos eleições locais e autonómicas em maio e no final do ano, eleições gerais. O Podemos precisa de ter uma estrutura política especializada na procura de votos antes que comecem estas campanhas. E isso, agora mesmo, eles não têm. Eles precisam de ser mais parecidos com um partido”, opina Rafael Cruz, professor de História dos Movimentos Sociais e Políticos da Universidade Complutense de Madrid.

Apesar de reconhecerem a necessidade de se organizar, integrantes do movimento político rejeitam a adoção de qualquer estrutura que os identifique como um partido tradicional. “Muita gente pensa que política é algo sujo e por isso decidem não participar. [...] Podemos conseguiu aproveitar o descrédito absoluto que havia, as pessoas não acreditavam em ninguém. O Podemos, por ser algo que vinha de fora, pode canalizar melhor este descontentamento. Agora se começarmos a criar um monte de siglas e a trabalhar como outros partidos é voltar aos mesmo descrédito”, explica Mario Galvez, membro ativo do grupo.

Círculos e votações abertas

Galvez explica que o movimento funciona através de grupos de bairro, que são apelidados de círculos. Cada círculo tem autonomia para discutir e executar ações dentro da sua região sem precisar da autorização de nenhum dirigente ou organização dentro do Podemos. Um dos fundadores do círculo no bairro de La Latina, região central de Madrid, Luis Carlos Grande, conta que, depois das eleições, as reuniões do seu grupo passaram a contar com mais de 300 pessoas - um aumento exponencial, considerando que, antes do dia 25 de maio, apenas 30 militantes se reuniam semanalmente para debater os temas em cada reunião.

As decisões tomadas em cada assembleia de bairro são levadas a um grupo coordenador que tenta organizar as ações de cada região e evitar que dois círculos façam a mesma atividade. Além de organizar os trabalhos do movimento, o grupo também discute questões mais abrangentes sobre o partido, que são levadas posteriormente para uma assembleia geral, como a que será realizada no próximo outono, e votadas em eleições abertas via internet.

“Não podemos funcionar como um partido tradicional, as decisões não são tomadas por delegados e depois passadas para a base. Aqui discutimos tudo e levamos as nossas ideias e opiniões para serem debatidas e votadas por todos. Quando digo todos são todos os cidadãos, são votações abertas na internet, porque é o povo que deve decidir, também não queremos que apenas os militantes tenham voz. Nem todo mundo pode ir às reuniões, mas todos devem decidir”, explica Galvez.

Assembleias versus pragmatismo

Para Cruz, este tipo de estrutura baseada em assembleias complicará a consolidação do Podemos. “Se é sempre necessário ter uma aprovação em assembleia de todas as decisões tomadas pelos dirigentes,haverá muito conflito político. Não temos muitas experiências de movimentos que puderam manter-se com este princípio de processo”, explica o professor universitário.

Galvez concorda com Cruz sobre a inviabilidade de um movimento que dependa exclusivamente de decisões de assembleias, mas defende que é possível ser mais pragmático sem alterar muito a atual estrutura do Podemos. “Eu acho que é a eterna batalha entra a pureza democrática e o pragmatismo total. Não se pode pretender que toda a gente vá decidir absolutamente tudo. Temos que ser práticos na mesma medida em que temos que ser democráticos. Eu acho que existem ferramentas tecnológicas e nós já as utilizamos para poder balancear este dilema”, conta o militante, fazendo referencia às votações por internet que o movimento utiliza para definir candidatos em eleições ou diretrizes que afetem todos os círculos.

Novas caras

Outro grande desafio interno do Podemos é desvincular a imagem do movimento da imagem do seu líder. Para as eleições europeias, todos os cartazes do grupo político tinham a foto de Pablo Iglesias. Inclusive, o boletim de voto foi impressa com a cara do fundador do Podemos, que ganhou fama por participar em debates e mesas redondas em vários canais da televisão espanhola.

Cruz acredita que o grupo que dirige o movimento já começou a substituir Iglesias por novas caras importantes dentro de sua estrutura política. Segundo o professor da Universidade Complutense, Íñigo Errejón (chefe de campanha nas eleições europeias) e Juan Carlos Monedero (braço direito de Iglesias) devem aparecer mais e substituir Iglesias em programas de televisão e em sessões oficiais do Podemos para mostrar ao eleitorado que a iniciativa não depende exclusivamente do carisma do seu fundador.

Ataque mediático

Além dos desafios internos, o Podemos também precisará de aprender a lidar com a repercussão que desperta em parte da comunicação social espanhola. Após as eleições europeias, alguns jornais de Espanha criticaram duramente o movimento e, principalmente, Pablo Iglesias.

“Isto acontece por competição eleitoral. Também havia um enorme interesse em saber quem constituía o Podemos, era um movimento muito novo. Então, todos os meios de comunicação e o resto dos partidos viram com preocupação a aparição deste novo partido”, explica Cruz.

Uma das principais críticas feitas aos dirigentes do Podemos é a relação entre a fundação onde trabalha parte dos seus líderes e o governo da Venezuela. Segundo uma reportagem do jornal El País, o Centro de Estudos Políticos e Sociais (CEPS), que tem no seu conselho consultivo Iglesias e Errejón, prestou serviços de consultoria ao governo venezuelano durante 10 anos. Entretanto, o mesmo texto afirma que o CEPS prestou, na mesma época, serviços de consultoria ao Ministério da Defesa espanhol e para o governo autonómico de Valência, bastião do PP (Partido Popular).

“Não acho que em Espanha existam 1,2 milhões de chavistas”, brinca Galvez, que acredita que as críticas visam intimidar futuros votantes do Podemos. Já Luis Carlos acredita que, sempre que não tenham fundamento, os ataques ao movimento podem beneficiar o Podemos nas próximas eleições.

“Eu acho que é um absurdo porque moramos na Europa, que já teve muitos movimentos operários e socialistas, e dizem que nosso exemplo é a Venezuela. Nós somos conscientes do que somos capazes de fazer por nós mesmos, não precisamos de ideais que venham de outro lugar. E isto as pessoas também sabem”, explica.

Reportagem publicada em Opera Mundi. Adaptação para PT/PT por esquerda.net

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