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Alerta! Alerta!

Para qualquer pessoa que tem aspirações a uma sociedade de igualdade, solidariedade, respeito, democracia e qualidade de vida, só há uma conclusão sobre estas eleições: perdemos.

Perdemos retumbantemente. A ideia de que havia progressismo e que as coisas poderiam melhorar, de que os campos a favor e contra a austeridade se definiriam ou que uma União Europeia que pudesse ser sede ou potencial projeto de reconciliação, solidariedade entre os povos ou outras aspirações positivas faleceu com os seguintes resultados: Front Nacional 25% (1º lugar em França, 25 eurodeputados); UKIP 28,5% (1º lugar no Reino Unido, 23 eurodeputados), Danish’s People Party 27% (1º lugar na Dinamarca, 4 eurodeputados), Jobbik 15% (2º lugar na Hungria, 3 eurodeputados), FPO 20,1% (3º na Áustria), True Finns 12,9% (3º lugar na Finlândia, 2 eurodeputados), Aurora Dourada 9,4% (3º lugar na Grécia, 3 eurodeputados). Acrescem o NPD na Alemanha, o Partido da Liberdade na Holanda e a Lega Nord em Itália, que elegeram eurodeputados. A extrema-direita tornou-se uma força com mais votos do que o GUE/NGL. A extrema-direita é a terceira maior força política no Parlamento Europeu. Os partidos mais votados em França e no Reino Unido foram partidos de extrema-direita. E o partido europeu mais votado (Partido Popular Europeu) é de direita. Uma circunstância como esta não ocorreu nem sequer antes da 2ª Guerra Mundial. Este é o facto mais relevante das eleições europeias e das últimas décadas: a mais tenebrosa política conhecida do mundo moderno voltou, e em força. E isso só nos pode fazer perguntar: o que fazer? O capitalismo utilizará todas as armas para fazer regressar as suas taxas de lucro e o fim da política e da democracia é uma excelente maneira de se continuar a transferir a riqueza de quem trabalha para a banca e a finança. Que a austeridade nada queria com a democracia era uma certeza, mas que se daria tão bem e tão rápido com a extrema-direita é uma novidade. A sua ascensão em outras paragens servirá em Portugal para que o centrão apele a um voto de defesa, tudo a puxar para um centro cada vez mais à direita, para que haja austeridade sem autoritarismo oficial, pois que sem austeridade não se poderá ficar.

O Partido Popular Europeu e os Sociais e Democratas elegeram 398 de 751 eurodeputados, 53% dos votos expressos. Os eleitores da Europa pronunciaram-se a favor da austeridade. Os 57% de eleitores da Europa que não votaram (com um recorde de 87% de abstenção na Eslováquia) seguem aquilo que os outros decidiram: austeridade e extrema-direita. As pequenas bolsas de resistência dão, claro, muito alento: a Syriza, na Grécia mostra que é possível ganhar ao fim da política com política pura e dura, com ruptura contra a hegemonia política e económica. A IU e o Podemos, em Espanha, subiram estrondosamente perante o desmoronamento do centrão (que perde 17 eurodeputados e 5 milhões de votos), a Euskal Herria Bildu ganhou no País Basco e a Esquerda Republicana na Catalunha. O Sinn Fein, na Irlanda, subiu até ao 3º lugar (tendo vencido as eleições locais).

Em Portugal os maiores protestos realizados nas últimas décadas não tiveram qualquer manifestação eleitoral, já que o campo anti-austeridade não aumentou a sua votação tendo, pelo contrário, perdido dezenas de milhares de votos. De 800 mil votos em 2009 para 650 mil em 2014, (720 mil se contarmos com o Livre), enquanto o centrão não perdeu sequer 150 mil votos após o maior massacre social e laboral de que há memória viva. A vitória do PCP, com uma subida de 35 mil votos, serve de pequeno consolo e deve resultar principalmente de transferências dentro do mesmo campo anti-austeridade. Um movimento social débil, uma cultura de sectarismo permanente, um movimento sindical demasiado preso e fossilizado e a dispersão da resistência ao capitalismo e à austeridade em dezenas e centenas de pequenas seitas de matiz política pós-moderna sem qualquer perspetiva de poder ou sequer relevância serviram apenas para fazer fraca a muita força que se conseguiu unir em vários momentos nos últimos anos. A derrota não se distribui igualmente entre todos. Há quem, como o Bloco, saia muito mais derrotado do que outros. Há também quem tenha arriscado muito mais do que os outros e quem se tenha saído bem ou mal com isso. Interessa pouco. Perante o cenário que a Europa apresenta, saída deste escrutínio europeu, todos perdem. A nova linha que divide a política é mais difusa, mas a austeridade enquanto política única defendida pela social-democracia e a burguesia europeia mantém-se no núcleo. A ascensão da extrema-direita não é uma miragem longínqua, é uma realidade de papel passado. Servirá principalmente para manter a austeridade, começando a descartar sem preocupações a democracia. Os mercados abriram hoje com subidas por toda a Europa. Como diz um estratega da Ava Trade, Naeem Aslam, "os investidores estão obviamente confortáveis com os resultados das eleições europeias, que foram muito melhores do que se esperava".

O resultado destas eleições é uma hecatombe política e geostratégica da maior importância para o futuro da Europa onde vivemos. Com a extrema-direita aí, todos os cenários estão em cima da mesa, e os horrores do século XX poderão voltar a fazer parte da sórdida história do capitalismo, agora versão XXI. Para seguirmos em frente precisamos olhar para o passado longínquo e recente: a morte da política é a morte da democracia.

Sobre o/a autor(a)

Investigador em Alterações Climáticas. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
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