Foi fundadora da primeira associação lésbica em Portugal, a clube Safo, pode-nos falar dessa experiência?
Eu gosto de participar e intervir socialmente, por isso senti essa necessidade, juntamente com outras mulheres, de fundarmos uma associação que defendesse especificamente os direitos das lésbicas em Portugal. Foi uma experiência muito enriquecedora, quer em termos intelectuais, quer em termos pessoais.
O ativismo, o associativismo, são experiências de vida essenciais para o crescimento individual. Eu, hoje, sou a pessoa que sou, a mulher que sou, devido a essa experiência realizada no ativismo gay e lésbico em Portugal. E, olhando para trás, para um percurso de quase vinte anos, sinto-me bastante orgulhosa de ter podido contribuir, de uma maneira muito pequenina, para algumas das profundas transformações sociais que a sociedade portuguesa tem tido relativamente às questões gays e lésbicas em Portugal.
Olhando para trás, para um percurso de quase vinte anos, sinto-me bastante orgulhosa de ter podido contribuir, de uma maneira muito pequenina, para algumas das profundas transformações sociais que a sociedade portuguesa tem tido relativamente às questões gays e lésbicas em Portugal.
O Clube Safo foi fundado em 1996, que só mais tarde foi legalizado, durante alguns anos existiu informalmente. Tinha como principais objetivos juntar as lésbicas para a promoção e a criação de uma identidade lésbica positiva, contrariando o sistema heterossexista e profundamente homofóbico que existia na altura e que de alguma maneira ainda existe.
O objetivo principal era de facto começar de uma perspetiva mais pessoal de consciencialização e de desenvolvimento pessoal, para, numa segunda fase, de intervenção social e política e de alteração da estrutura social e de promoção e defesa especificamente das lésbicas.
PSD e CDS chumbaram recentemente um projeto de lei que pretendia legalizar a coadoção por casais do mesmo sexo, depois da sua aprovação na generalidade em maio de 2013. Como um dos rostos desta luta, como viste todo este processo?
Eu penso que o caso da coadoção foi muito paradigmático e exemplificativo do heterossexismo profundo que ainda existe em Portugal. Ou seja, como é que a sociedade e o Estado, as leis portuguesas, continuam a achar que apenas determinado tipo de orientação sexual, apenas determinadas famílias são legítimas, válidas e corretas, e, todas as outras que escapam a esta norma não devem ser reconhecidas pelo Estado.
Apenas algumas famílias são consideradas legítimas pelo Estado português, ou seja, temos crianças que estão a ser desprotegidas em função da orientação sexual dos seus pais.
Penso que foi uma situação que exemplificou bem esse heterossexismo e, aquilo que foi, uma situação de cobardia política. Eu penso que não ouve coragem política para resolver, aquando da aprovação do casamento, as situações da parentalidade, devia, imediatamente, ter-se resolvido esse assunto. Quando se aprovou a lei do casamento em Portugal, essa leia devia incluir direitos de parentalidade, devia incluir o reconhecimento de todas as famílias em Portugal e não apenas de algumas.
Essa cobardia política trouxe-nos até à situação que temos atualmente, apenas algumas famílias são consideradas legítimas pelo Estado português, ou seja, temos crianças que estão a ser desprotegidas em função da orientação sexual dos seus pais.
A lei da coadoção pretendia resolver algumas destas situações, não resolver a situação toda. Eu, como ativista e como mãe, senti-me impelida a intervir, senti que era minha obrigação cívica intervir, dar o meu testemunho pessoal e procurar, dessa maneira, contribuir para a aprovação de uma lei que, ainda insuficiente, seria um passo, um passo inicial para o reconhecimento de todas as famílias neste país.
Participei, dei o meu contributo e sinto-me extremamente desgostosa, triste, desapontada e mesmo desperançada pela situação como ela está neste país. A não aprovação daquela lei foi um momento triste, um momento até, talvez, vergonhoso da democracia portuguesa, que eu espero que no futuro se saiba remendar e resolver de uma outra maneira.
O que a levou a integrar a lista do Bloco ao Parlamento Europeu?
A minha participação nas listas do Bloco de Esquerda para as eleições europeias é um ato de cidadania, de intervenção e de reforço dessa estratégia de reconhecimento de direitos por inteiro para gays, lésbicas, bissexuais e transsexuais.
Eu penso que o Bloco é o único partido que tem assumido a defesa dos direitos por inteiro, dos direitos de gays, lésbicas, bissexuais e transsexuais por inteiro, de maneira plena. Já fez isso relativamente ao casamento e à adoção, fez isso agora relativamente à coração. Penso que é uma atitude corajosa do Bloco, com a qual me identifico e à qual me associo.
A minha participação nas listas do Bloco de Esquerda para as eleições europeias é um ato de cidadania, de intervenção e de reforço dessa estratégia de reconhecimento de direitos por inteiro para gays, lésbicas, bissexuais e transsexuais. Não só no país, mas também a nível das estruturas europeias, tendo em conta a importância que elas têm na defesa de uma cidadania plena a nível europeu.
Por que devem as pessoas votar no Bloco no próximo dia 25 de maio?
A eleição de homens e mulheres pelas listas do Bloco de Esquerda é essencial para recuperar a Europa das mãos deste sistema burocrático, deste domínio da alta finança, desta lógica da austeridade.
É necessário eleger homens e mulheres que, no Parlamento Europeu, defendam uma Europa para os cidadãos, uma Europa de direitos, de liberdades, de igualdade plena para todos os cidadãos, independentemente da sua orientação sexual.
Só reforçando a presença do Bloco de Esquerda no Parlamento Europeu conseguiremos efetivamente uma Europa mais livre, que valorize a diversidade, que trate de igual modo todos os seus cidadãos, nomeadamente gays, lésbicas, bissexuais e transsexuais.
É claro que não será esta a única preocupação dos deputados do Bloco de Esquerda, os deputados do Bloco de Esquerda, certamente, continuarão a lutar e a fazer um trabalho meritório na defesa de muitas outras políticas anti-austeridade, anti-penalização dos trabalhadores, por uma Europa de trabalho, paz e esperança.
Votar Bloco de Esquerda é uma boa maneira de combater o avanço do conservadorismo na Europa e de garantir uma Europa que defenda as liberdades, os direitos sociais e, nomeadamente, os direitos sexuais e reprodutivos.
Ao votar do Bloco de Esquerda temos a certeza que eles não se esquecerão de quando falamos de cidadãos e cidadãs também estamos a falar de gays, lésbicas, bissexuais e transsexuais, de cada uma destas pessoas e das suas famílias.
Penso que o reconhecimento dos direitos sexuais e reprodutivos é essencial para combater esta linha de conservadorismo que tem avançado na Europa, quase cavalgando esta onda de austeridade. À conta da austeridade, da pretensa crise, têm também vindo a ser veiculados um conjunto de valores conservadores que se estão a tentar instalar.
Votar Bloco de Esquerda é uma boa maneira de combater o avanço do conservadorismo na Europa e de garantir uma Europa que defenda as liberdades, os direitos sociais e, nomeadamente, os direitos sexuais e reprodutivos.
Entrevista de Fabian Figueiredo