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Um debate, uma suspeita num cenário azul

Neste grande hemiciclo azul, transformado num estúdio televisivo, os candidatos à presidência da Comissão Europeia estiveram pela primeira vez num debate, com o candidato Tsipras a triunfar, através do seu apelo à democratização, nas redes sociais (no Twitter teve 18.470 tweets). Porque queremos correr com a “catastroika”, passando pelo “consenso e pela consulta pública” para reforçar, desta forma, a democracia. Por Sofia Amaro

O debate ficou marcado pelo apelo dos candidatos aos chefes de estado para respeitar as convenções, sendo que o futuro presidente da Comissão está naquela sala, como mencionou Martin Schulz. Um aviso feito à chanceler alemã Angela Merkel e aos seus homólogos para evitar escolher outro candidato que não os propostos legitimamente. A ironia marcou a frase de Monica Maggioni, a jornalista da estação italiana RAI: “Talvez nenhum de vocês seja o próximo presidente da Comissão Europeia”. Se tal acontecer será feito à margem de todos os processos institucionais. Se os Estados-membros escolherem outro candidato, essa decisão será um duro golpe no Tratado de Lisboa e na democracia, sendo previsto que o Conselho Europeu respeite este tratado.

Consequentemente, a insipiência aumenta, as surpresas temem-se, os contornos auguram-se dramáticos em torno de um certo secretismo. Apesar desta questão, o debate fez-se sem grandes tumultos, com um cronómetro gigante como pano de fundo, com o propósito de circunscrever a possibilidade de um eventual confronto. Foi discutida a questão da Grécia, com a interpelação do candidato Tsipras a Jean-Claude Juncker sobre a coação imposta ao seu governo em 2011, para impossibilitar um referendo sobre os programas de resgate, aprovando a crueldade dos programas de austeridade nos países intervencionados pela troika. Já se sabe que Martin Schulz e Guy Verhofstadt representam o poder instalado até aqui, sem nenhuma surpresa quanto ao rigor, mas com a antífrase da diferença presente no discurso do candidato belga. A candidata ecologista alemã, Ska Keller, para além de reforçar a sua intervenção em torno da economia sustentável e da dependência energética, defendeu também o direito da Catalunha e da Escócia à sua autodeterminação.

Questões importantes e fraturantes como a liberdade religiosa, a catástrofe das políticas migratórias (que têm transformado as nossas fronteiras marítimas, do Atlântico ao Mediterrâneo, do estreito de Gibraltar até ao mar Egeu, em autênticos cemitérios humanos), a austeridade e as suas incongruências, a situação na Ucrânia, a regulação bancária, a corrupção e os lóbis, que representam milhões de euros pagos para influenciar legisladores. Corrupção, que segundo Tsipras é também “estrutural e sistémica, principalmente nos países do sul”. Inevitavelmente, falou-se no Tratado Transatlântico que deixou um rasto de violência, esta quinta-feira nas ruas de Bruxelas, com 240 detidos, três deles deputados, numa manifestação pacífica, e devidamente autorizada, contra a “Conferência Europeia dos Negócios” que negoceia este tratado.

Neste contexto compreende-se que o alastrar do euroceticismo seja um facto incontornável, quando diariamente os europeus se veem confrontados com uma Europa demasiado real. Sem reforçar os laços democráticos e reestruturar as fundações europeias, passando pelos tratados, será impossível falarmos de um sonho outrora europeu. O décor azul será sempre um pequeno detalhe de um problema maior, que se traduz num desencanto e na falta de transparência democrática que arrasa as nossas instituições. É, por isso, importante votar, porque o problema passou a ser nosso. Só assim podemos evitar que o presságio, anunciado nos corredores, se transforme numa realidade e o nosso futuro passe a estar comprometido uma vez mais.

Sobre o/a autor(a)

Jornalista e escritora a residir em Bruxelas. Candidata independente do Bloco de Esquerda ao Parlamento Europeu
Termos relacionados Europeias 2014, Política
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