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Gerry Adams: "A minha detenção e interrogatório foram uma tentativa de me incriminarem"

"Quatro dias de interrogatório e não há uma única prova. Isto foi um assalto perpetuado por forças sinistras ao processo" diz Gerry Adams, líder do Sinn Féin, negando qualquer envolvimento no assassinato de Jean McConville. Replicamos aqui o artigo que escreveu no The Guardian.
Foto de Sinn Feín

A minha recente detenção e interrogatório foram uma tentativa séria de me incriminarem. Foi conduzida pela principal equipa de investigação retrospetiva (Remit) do Serviço Polícia da Irlanda do Norte, baseado em Carrickfergus, no Condado de Antrim.

Contactei o Serviço de Polícia da Irlanda do Norte (PSNI) em março para lhes dizer que estaria disponível para me encontrar com eles. Isto foi logo após a euforia mediática que me tentava ligar ao assassínio de Jean McConville em 1972. Isto faz parte de uma contínua campanha maliciosa, mentirosa e sinistra que já tem muitos anos.

Na segunda-feira, o PSNI disseram que queria falar comigo. Eu fiquei preocupado com o timing da convocatória porque o Sinn Féin está envolvido numa campanha intensa e muito importante, tanto para as eleições locais como para as eleições europeias. Contudo, viajei para Antrim onde cheguei ao estabelecimento policial às 20h05.

Pelo caminho falei com o oficial da investigação. Ele insistiu que eu reunisse com ele no parque de estacionamento que se situa do outro lado do quartel do PSNI. Ele disse-me que tinha de entrar no carro de patrulha e que ele iria prender e levar-me para o quartel, e afirmou que não me podia prender dentro do quartel devido à lei.

Eu respondi que iria diretamente para o quartel por minha conta e de forma voluntária. Como se veio a confirmar não existe nenhum impedimento legal em ser preso num quartel e foi exatamente isso que me aconteceu.

eu fiquei preocupado com o timing da convocatória porque o Sinn Féin está envolvido numa campanha intensa e muito importante

O meu advogado estava presente. Fui escoltado por dois polícias do Remit para o departamento de crimes graves. Um sargento de custódia acompanhou-me durante todo o  processo e protocolo. O meu cinto, a minha gravata, o meu pente, o meu anel e os meus crachás foram todos removidos. O meu advogado fez um requerimento para que pudesse ficar com a minha caneta e que me fosse providenciado um bloco de notas, visto que estava a ser acusado de eventos que ocorreram há 42 anos. Depois de um vai-e-vem de hesitação, concederam a este pedido.

Pouco antes da primeira de 33 entrevistas gravadas recebi uma explicação prévia que me acusava de ser membro do IRA e de ter participado na conspiração do assassinato de Jean McConville. Também afirmava que o PSNI tinha novas provas materiais que me comprometiam seriamente. A entrevista começou às 22h55. Dois interrogadores – um homem e uma mulher – conduziram todos os interrogatórios e todos eles foram gravados. As minhas conversas privadas com o meu advogado, também elas foram gravadas secretamente.

Foi-me dito que os interrogatórios faziam parte de um processo de coleta de provas e que a polícia estaria a construir um caso que seria mobilizado contra mim: a acusação era que eu era membro da IRA; que tinha um papel de direção da IRA em Belfast durante o tempo de sequestro da Jean McConville e, por isso, estaria envolvido no seu assassinato. Eu desafiei os interrogadores a mostrarem essas provas. Disseram que isto  aconteceria mais tarde durante uma entrevista. Queriam que neste momento contasse a minha infância, a minha história familiar, entre outros. No seguimentos dos 4 dias tornou-se claro que o objetivo destas entrevistas era de arranjar algo que me pudesse incriminar de ser parte da IRA e, subsequentemente, ligar-me ao caso McConville. O principal objetivo era ligar-me à IRA. Eles próprios o disseram. Houve um momento em que o próprio polícia descreveu o seu plano: estavam a fazer uma “abordagem encenada” que consistia numa técnica de interrogação composta por 9 fases diferenciadas.

O principal objetivo era ligar-me à IRA. Eles próprios o disseram.

A primeira fase do interrogatório incidiu diretamente na história da minha família e o seu papel no ativismo republicano, sobre o meu envolvimento no Sinn Féin quando era um adolescente e quando o próprio Sinn Féin era uma organização clandestina. Também questionaram sobre o meu papel nos movimentos dos direitos civis no anos 60, tal como sobre os grupos de ação pela habitação em Belfast ocidental, os massacres de 1969 e o inicio dos Troubles[1].

Foi-me dito que a minha ligação com a IRA tinha sido estabelecida por associação, devido à minha família e aos meus amigos. Referiram-se a inúmeras peças de “fonte aberta” que, segundo eles, ligavam-me à IRA. Tratava-se de uma série se artigos de jornais – todos eles anónimos – de 1971 e 1972, fotografias minhas e do Martin McGuinness nos funerais republicanos e livros sobre esse mesmo período.

Se qualquer uma destas fontes dissesse que eu era da IRA, então, para os meus interrogadores, isso era prova de que de facto eu era da IRA. Falaram muitas vezes de que tinha o habito de chamar os meus amigos de “camaradas” e que isto era prova de que era membro da IRA. Chegaram mesmo a dizer que, durante um interrogatório em 1972 em Belfast, eu me tinha tornado num agente do MI5! Falaram das negociações de paz em 1972 e dos meus períodos de aprisionamento em Long Kesh, disseram que era “prova do meu mau carácter”.

Falaram muitas vezes de que tinha o habito de chamar os meus amigos de “camaradas” e disseram que isto era prova de que era membro da IRA.

Grande parte dos interrogatórios incidiam no chamado “Belfast Project” da Faculdade de Boston, concebida por Paul Bew – um professor universitário e um antigo conselheiro do líder unionista David Trimble – e dirigido por Ed Moloney e Anthony McIntyre.

Moloney e McIntyre opunham-se à liderança e à estratégia do Sinn Féin e chegaram a entrevistar antigos republicanos. Estes antigos republicanos acusaram-nos de traição e disseram que nós devíamos ser executados por termos apoiado o Good Friday Agreement [Acordo de Belfast] e o policiamento.

A alegação de conspirar no assassínio da Sra. McConville tem como base supostos rumores de supostos entrevistados que não têm nome, todos eles da Faculdade de Boston, e com os testemunhos dos já falecidos Dolours Price e Brendan Hughes. Outros supostos entrevistados foram identificados por uma letra do alfabeto, por exemplo, o entrevistado R ou Y. Foi alegado pelo Ministério Público no tribunal que um destes era o Ivor Bell, embora os interrogadores me tenham informado que o próprio Ivor Bell negou isto.

Eu rejeito todas as alegações que são feitas e que agora foram totalmente desacreditadas. Historiadores da faculdade de Boston já vieram a público dizer que “nunca houve um projeto do departamento de história da faculdade”. O porta-voz desta mesma faculdade confirmou que estaria disposto a devolver as entrevistas dos envolvidos.

Estou inocente de qualquer envolvimento no sequestro, assassinato ou enterro da Sr. McConville, ou de ser membro da IRA. Eu nunca me dissociei da IRA e nunca o farei, mas não sou acrítico das ações da IRA, especialmente da terrível injustiça infligida à Sr. McConville e à sua família. Lamento muito o que aconteceu e compreendo a antipatia que sentem pelos republicanos.

Estou inocente de qualquer envolvimento no sequestro, assassinato ou enterro da Sr. McConville, ou de ser membro da IRA. Eu nunca me dissociei da IRA e nunca o farei, mas não sou acrítico das ações da IRA

Este caso levanta de forma gritante os problemas que herdamos do passado, serem abordados de uma forma centrada nas vítimas. O Sinn Féin está comprometido em lidar com o passado, inclusive com a  questão das vítimas e das suas famílias. Apresentámos as nossas propostas para um processo internacional independente de recuperação da verdade, que ambos os governos têm rejeitado. Também subscrevemos as propostas de compromisso apresentadas pelos enviados dos Estados Unidos Richard Haass e Meghan O'Sullivan. Os dois partidos unionistas e o governo britânico ainda não o fizeram.

O Sinn Féin é a favor do policiamento. Não temos dúvidas sobre isto. Um serviço de policiamento público, cívico e responsável. Mas ainda não se conseguiu atingir isto.

Durante o meu interrogatório, nenhum material probatório, na realidade, nenhuma prova de qualquer espécie foi produzida. Quando eu estava a ser liberto fiz uma queixa formal sobre aspectos do meu interrogatório. O meu aprisionamento é uma tentativa muito séria para me acusar de adesão à IRA e é prejudicial para o processo de paz e para as instituições políticas.

Há apenas um caminho para a nossa sociedade percorrer e esta é de seguir em frente. Eu sou um irlandês que quer uma Irlanda unida. Quero viver numa sociedade que é centrada – e tenha como base - os direitos dos cidadãos. Existe uma maneira pacífica e democrática para alcançar este objectivo. Os dois governos que são os fiadores do acordo de Belfast falharam nesta responsabilidade. O futuro pertence a todos. Então, assim como os governos britânico e irlandês, a sociedade civil, líderes religiosos, sindicatos, os meios de comunicação, académicos e cidadãos devem encontrar uma maneira de fornecer uma liderança positiva.

O acordo de Belfast é o acordo das pessoas. Ele não pertence às elites. Ele deve ser defendido, implementado e promovido.

O acordo de Belfast é o acordo das pessoas. Ele não pertence às elites. Ele deve ser defendido, implementado e promovido.

Sim, lidar com o passado. Sim, lidar com vítimas. Mas o foco deve ser no futuro. Haverá solavancos nesta estrada. Haverá desvios. Há poderosos interesses instalados que não querem o processo de paz. Obstáculos serão erguidos, mas temos de construir a paz e derrotar estas forças sinistras que se opõem à igualdade e justiça para toda gente.

Artigo originalmente publicado no The Guardian.


[1]Nomenclatura dada ao conflito na Irlanda do Norte 

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