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Movimento grevista de 74 “foi o 25 de Abril, tomado em mãos pelos trabalhadores”

A propósito da inauguração da exposição sobre “os 40 anos das greves contra a corrente", esquerda.net entrevistou o historiador João Madeira que afirma também que “evocar essa vaga de greves, através de uma exposição e de um conjunto de colóquios” é “resgatar a memória, que é parcela insubstituível daquilo que também foi o próprio 25 de Abril”. A inauguração é nesta segunda-feira, às 18 h, na Associação José Afonso em Lisboa (na rua de S. Bento 170, em frente à AR).
Fotografia do Plenário de Trabalhadores da Estação Central dos Correios de Lisboa, em Maio de 1974 - Foto publicada por Jofre Alves no blogue abril-de-novo.blogspot.pt

A Cultra tomou a iniciativa de apresentar uma exposição com o tema “O futuro era agora – nos 40 anos das greves contra a corrente (maio – setembro de 1974)" e promover um conjunto de colóquios sobre o tema.

O esquerda.net perguntou ao historiador João Madeira quais os objetivos destas iniciativas, o que se procura mostrar com elas e o que têm estas realizações a ver com o quotidiano das pessoas que vivem em Portugal em 2014.

Porquê uma exposição sobre as greves no período maio/setembro 74?

Quarenta anos depois, quisemos na Cultra, fora da lógica oficial e do discurso dominante, evocar essa vaga de greves, através de uma exposição e de um conjunto de colóquios, para resgatar a memória, que é parcela insubstituível daquilo que também foi o próprio 25 de Abril e que muitos nunca quiseram que fosse evocada. Cumprimos desse modo um dever cívico, em homenagem aos operários e trabalhadores que, espontaneamente, ergueram a bandeira dos seus direitos, contribuindo assim, para selar esses tempos empolgantes, e decisivos, onde, como dizemos, o futuro era agora!

Este foi o 25 de Abril, tomado em mãos pelos trabalhadores, sem esperar por ninguém, nem por sindicatos, nem por partidos nem por militares

Esta vaga de greves de Maio, foi, passado o Verão, como que coroada com a grande manifestação dos trabalhadores da Lisnave de 12 de Setembro de 1974, em que milhares de operários em fato de trabalho e capacete, vindos dos estaleiros da Margueira, engrossando já em Lisboa com os seus camaradas dos estaleiros da Rocha, atravessaram a cidade em filas cerradas até ao Ministério do Trabalho, na Praça de Londres, exigindo o saneamento dos lacaios dos patrões e do fascismo e contestando as novas leis da greve e do lock-out. E, mais, vencendo o dispositivo militar montado para a reprimir. Era uma poderosa manifestação de afirmação independente do proletariado no processo revolucionário que irrompeu com o 25 de Abril.

Este foi o 25 de Abril, tomado em mãos pelos trabalhadores, sem esperar por ninguém, nem por sindicatos, nem por partidos nem por militares, incluindo a Intersindical, o Partido Comunista ou o MFA, e que foi, por isso mesmo, não só combatido e caluniado, como quiseram mesmo reprimido.

O que a exposição procura mostrar? Têm fotos e documentos da época?

A exposição mostra justamente esse período. Refere-se aos ritmos de alastramento das greves, às empresas envolvidas, à sua localização, assim como às reivindicações dos operários, sublinhando como a par de reivindicações económicas se foram levantando reivindicações políticas, ligadas designadamente ao saneamento nas fábricas e empresas.

A exposição é um trabalho coletivo, com vários camaradas envolvidos, de gerações diferentes, tendo uns vivido e outros estudado e pesquisado os factos, em que memória e História se entrelaçaram, julgo que fecundamente

Mas a exposição procura ainda contextualizar esse ciclo espontâneo de greves, ligando-as à vaga de greves ocorrida ainda antes do 25 de Abril, entre Setembro de 1973 e Abril seguinte, não só por essa espontaneidade como por muitas das próprias reivindicações quanto a salários, horário de trabalho ou pagamento do 13º mês; mas agora já num novo quadro político, derrubada que tinha sido a ditadura e como que impulsionadas também por esse grandioso 1º de Maio em liberdade, em que centenas de milhar de homens e mulheres, muitos jovens, encheram e transbordaram ruas e avenidas,

Trata-se efetivamente de uma exposição documental, em que, para melhor iluminar os acontecimentos, recorremos a fotografias, jornais e documentos da época, alguns simples e artesanais, a que acrescentámos mapas e gráficos, para uma melhor ilustração de conjunto.

Tratou-se de um trabalho coletivo, com vários camaradas envolvidos, de gerações diferentes, tendo uns vivido e outros estudado e pesquisado os factos, em que memória e História se entrelaçaram, julgo que fecundamente.

Na tua opinião, a exposição tem alguma importância para o quotidiano das pessoas em 2014?

... aquele período foi demasiadamente vibrante, pródigo em exemplos de iniciativa, determinação, empenho, ensinamentos, também simbolismo, para que não encerre em si como que uma espécie de semente de futuro

Também foi com essa intenção que concebemos a iniciativa. Não quisemos uma visão meramente passadista ou nostálgica dos acontecimentos. Sabemos que a História não se repete tal e qual, mas aquele período foi demasiadamente vibrante, pródigo em exemplos de iniciativa, determinação, empenho, ensinamentos, também simbolismo, se quiseres, para que não encerre em si como que uma espécie de semente de futuro.

Assim é, particularmente em tempos como os que vivemos, de desvalorização do trabalho, de atentado aos direitos económicos e sociais dos trabalhadores, de empobrecimento de largas camadas laboriosas, de regressão civilizacional, porque é disso que se trata; reclamando as novas conjunturas e as novas realidades do presente respostas igualmente ousadas e combativas. É a memória de um exemplo que evocamos, a querer projetar-se no futuro, pois claro.

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