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Venezuela: Supremo Tribunal limita o direito de manifestação

Caracas, Venezuela, 2/5/2014 – Ainda não se percebe na Venezuela um efeito imediato das novas restrições impostas pelo Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) ao direito de manifestação, embora especialistas e ativistas as considerem um atentado a liberdades estabelecidas na Constituição.
Se esta determinação não for cumprida, as manifestações serão dissolvidas, ainda que pacíficas, e os organizadores responderão penalmente por desobediência e eventuais danos a pessoas ou bens. Ainda não se notam as consequências, porque os que erguem barricadas nalgumas cidades nunca avisam nem solicitam autorização, e as marchas e concentrações não foram suspensas nos primeiros dias após a sentença, embora os opositores tenham vedado marchar para o centro da capital.
Líderes estudantis e de diversas organizações opositoras anunciaram que não acatarão a decisão do TSJ. “Vamos continuar na rua até alcançar a liberdade e a democracia que buscamos. Para se manifestar não é preciso autorização, mas coragem e decisão”, declarou à IPS a dirigente estudantil Gabriela Arellano, da Universidade de Los Andes.
Essa decisão judicial “suprime garantias para o exercício do direito à manifestação pacífica, aprova a repressão dos corpos armados contra os cidadãos e é parte de uma paulatina adoção da doutrina de segurança nacional por parte do Estado”, apontou à IPS o coordenador da organização humanitária Provea, Marino Alvarado.
Trata-se de um “retrocesso, não só na teoria ou na doutrina, mas sobre expressa disposição da Constituição que ordena ao Estado garantir aos cidadãos o gozo de seus direitos conforme, entre outros, o princípio da progressividade”, afirmou à IPS o jurista Carlos Ayala, ex-presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
Embora os protestos por reivindicações salariais ou de moradores por deficiências nos serviços públicos povoem há anos a paisagem venezuelana, foram os iniciados pelos estudantes universitários em fevereiro que tentaram colocar em xeque diretamente o governo de Nicolás Maduro. Nos choques entre forças de segurança e manifestantes que erguem barricadas já morreram 41 pessoas. Além disso, houve 674 feridos, 70 casos de tortura documentados e 2.500 detenções, das quais 112 pessoas continuam presas, segundo a Procuradoria Geral e o não governamental Fórum Penal Venezuelano.
O advogado Herman Escarrá, redator do pedido que deu lugar à decisão do TSJ, justificou-a dizendo que “o direito à manifestação não é absoluto, e é preciso ordenar a prática de que, com ou sem autorização, se manifeste. Já são 40 mortes, e isso deve comover a opinião nacional”. Os protestos começaram contra a criminalidade em campus universitários, e cresceram pedindo a liberdade de presos políticos, renovação dos poderes Judicial e Eleitoral, e depois para pedir a libertação dos detidos por protestarem e punição para os responsáveis de delitos ao reprimi-las.
Sobre isso, o TSJ acolheu o pedido de um prefeito de província para interpretar o Artigo 68 da Constituição de 1999 – impulsionada pelo falecido Hugo Chávez (1954-2013) – e várias normas da Lei de Partidos Políticos, Reuniões Públicas e Manifestações. O Artigo diz que os cidadãos “têm o direito de se manifestar pacificamente e sem armas, sem outros requisitos que a lei estabeleça”.
A lei diz que os organizadores de reuniões públicas ou manifestações “deverão informar com 24 horas de antecedência, no mínimo, a primeira autoridade civil da jurisdição, com indicação de lugar ou itinerário, dia, hora e objetivo”. Depois estabelece mecanismos que prefeitos e governadores devem seguir em relação ao aviso dos organizadores para velar pela segurança dos manifestantes e para que se permita o livre trânsito, entre outros direitos de terceiros.
O TSJ estabeleceu que a autoridade não só deverá autorizar o protesto mas poderá modificar o horário e o local de sua realização. O governante Partido Socialista Unido da Venezuela controla 75% das prefeituras e 20 dos 23 Estados. No Distrito Capital (Caracas oeste e central) o presidente da Câmara Jorge Rodríguez veta desde 12 de fevereiro todas as concentrações ou marchas da oposição.
Nos primeiros dias após a decisão do TSJ, estudantes e grupos de opositores radicais repetiram os seus protestos, em forma de concentrações, marchas e acampamentos em praças e ruas de bairros da classe média em Caracas e no interior. A coligação opositora Mesa de Unidade Democrática apresentou junto ao máximo tribunal recurso de oposição à sua sentença, com escassas possibilidades de vencer.
Ayala, catedrático de direito em universidades da Venezuela, Estados Unidos e Grã-Bretanha, considera possível recorrer a instâncias da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização dos Estados Americanos (OEA) para que informem, opinem e emitam recomendações. É “absurdo pretender indiciar os organizadores se uma manifestação sai do seu curso por qualquer equívoco ou pela ação de infiltrados”, destacou.
A violência de muitos protestos teve como protagonistas, em alguns casos, manifestantes e forças de segurança, em outros infiltrados e grupos de civis que, em motocicletas, se apresentavam como partidários do governo e atacavam os que protestam.
Marco Ponce, do não governamental Observatório Venezuelano de Conflito Social, que faz uma contabilidade das manifestações (4.116 entre janeiro e março, e outras mil em abril), recordou que “80% dos protestos tem uma carga social, pois as pessoas reclamam saúde, educação, alimentação, segurança e outros serviços”. Ponce pontuou à IPS que a “decisão do TSJ demonstra que os que estão no poder procuram anular as vozes críticas e os que reclamam os seus direitos. Mas as prisões continuarão recebendo gente que protesta”.
Liliana Ortega, da organização Cofavic, criada por vítimas do Caracazo (a semana de desordens, saques e repressão que deixou centenas de mortos em 1989), destacou que “os direitos humanos não são concessões dos Estados nem dádivas dos governos. São inerentes ao ser humano, irrenunciáveis, intransferíveis, integrais e imprescritíveis, e não necessitam de permissão para serem exercidos”.
Artigo de Humberto Márquez, da IPS
Envolverde/IPS
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