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O triunfo dos oligarcas e das desigualdades

Dois factos foram nestas últimas semanas tornados bastante evidentes: o do aumento das desigualdades de rendimentos, e o triunfo global dos oligarcas. Apesar de não serem absolutamente novidade, quer uma quer outra são ambas péssimas notícias.

Fora da lei e do alcance de todos, as comunidades offshore dos oligarcas do mundo. © The Seasteading Institute

Sobre a desigualdade em Portugal, o Inquérito do INE às "Condições de Vida e Rendimento" (2013) revela um aumento significativo da pobreza no nosso país. Com a entrada da “troika” e com o governo PSD/CDS, o número de portugueses no limiar da pobreza têm aumentado de uma forma contínua, representando 18,7% da população total, o que significa que 1.961.100 portugueses vivem já na miséria (dados relativos a 2012). A taxa de risco de pobreza das famílias com crianças dependentes foi de 22,2%, aumentando novamente a desvantagem relativa face ao valor para o total da população residente. A assimetria na distribuição dos rendimentos entre os grupos da população com maiores e menores recursos manteve a tendência de crescimento verificada nos últimos anos, ou seja, os ricos cada vez mais ricos continuam a acumular os rendimentos e o capital, e os pobres cada vez mais pobres reúnem mais fome e mais miséria.

Ao nível global os processos de acumulação de capital e a dominação económica pelas elites, vêm sendo investigados e postos a nu por diversos autores. São exemplos disso, a nova obra de David Harvey Seventeen Contradictions and the End of Capitalism; o livro Capital in the Twenty-First Century do economista Thomas Piketty e um estudo Testing Theories of American Politics realizado por Martin Gilens and Benjamin Page (journal Perspectives on Politics). Em comum estas publicações demonstram que a premissa We are the 99% dos Occupy está correta no que respeita a uma maior concentração da riqueza pelos 1% dos mais ricos e poderosos do planeta, os oligarcas.

A investigação conduzida por Gilens e Page evidenciam que o regime político dos E.U.A dificilmente pode ser denominado como democracia, pois as diversas tipologias de análise usadas no estudo apontam para que seja uma minoritária elite dominante quem influencia os atos de governo, ou seja, estamos perante uma oligarquia. Nas suas conclusões os autores afirmam de forma perentória: “Acreditamos que se a política é dominada por poderosas corporações e por um pequeno número de americanos ricos, então as reivindicações para que os Estados Unidos sejam uma sociedade democrática estão seriamente ameaçadas.” (tradução nossa, p. 24).

Thomas Piketty demonstra idêntica preocupação com a sobrevivência da democracia nos países capitalistas avançados do mundo ocidental. Pois, as graves consequências do desequilíbrio na redistribuição de riqueza sob a égide do que ele denomina como "capitalismo patrimonialista", constituído essencialmente por transmissão de herança em famílias de multimilionários cujo poder financeiro assenta na especulação rentista, resultam na expansão do poder das oligarquias financeiras a uma escala planetária.

Também a revista Visão publicou um texto1 da jornalista Francesa Dominique Nora sobre aqueles que “desestabilizaram setores económicos inteiros, arrecadaram biliões, controlaram os nossos dados e imiscuem-se cada vez mais na nossa vida quotidiana...”. O plano louco dos novos senhores do mundo é o de se evadirem das contingências jurídicas, fiscais e sociais do mundo, construindo para isso comunidades offshore (ver imagem 3D acima), onde não se pagam impostos e idolatra a ideologia liberal radical que renega o Estado e a democracia. Peter Thiel, um dos Tecno-Oligarcas oriundos de um grupo de magnatas da economia digital e principal mecenas do projeto The Floating City Project do Seasteading Institute, chega ao ponto de afirmar que “a liberdade não é compatível com a democracia”.

Na verdade já há muito sabemos que há Donos de Portugal, mas ainda só suspeitávamos e mal conhecemos os Donos do Mundo, mas é tempo de aceitar que esta aparente ficção é mais real do que a realidade. E agora? Como lidar com os “tecnofascistas 2.0” e restantes oligarcas do mundo financeiro, que, por exemplo, nos usam e espiam abusivamente como fonte do seu lucro através daquilo que fazemos com os seus produtos online?

Diversas ideias e soluções têm sido propostas sem que no entanto haja interesse político em promovê-las – eis o nó górdio da democracia sob ataque feroz dos oligarcas-, tais como a reestruturação da dívida pública; a Taxa Tobin sobre as transações financeiras especulativas; uma taxa global sobre o capital sugerida e explicada por Thomas Piketty ou a recusa do tratado orçamental na união europeia, tal como defendida pelo Bloco de Esquerda.

Algo que parece inevitável num futuro próximo é um sério antagonismo multi-escala, da micro-política à macro-contestação, mas a batalha é complexa e acontece nos vários planos, desde o virtual e psicológico ao atual e materialmente concreto. A fome e a miséria não param de aumentar, e as nossas mentalidades individuais e coletivas são intensamente condicionadas pelos poderosos meios do tittytainment (o pão e circo dos média) e das psicotecnologias num contexto de capitalismo semiótico e cognitivo. Basta ver que hoje quem não se assumir identitariamente (nem que seja enquanto marketing pessoal) como “empreendedor” e “criativo” é quase visto como um homo-sacer.

1«Tecno-utopias. O plano louco dos novos senhores do mundo». Nº 1102 – 17 a 23 de abril 2014.P. 80.

Sobre o/a autor(a)

Investigador e docente universitário
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