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Crise, boom extrativista e a nova corrida ao ouro

O caso de Pascua Lama, no Chile, mostra claramente que as promessas de viabilidade económica, proveitos financeiros para o Estado ou de criação de postos de trabalhos estáveis associadas à extração mineira são uma farsa. Mas nos países da troika, agitam-se estas promessas na ausência de capacidade de pensar a economia fora dos interesses dos grupos económicos e financeiros. Em Portugal, Grécia e Espanha, o panorama não muda.

2002 marcou o início do boom mineiro mais largo do período do pós-guerra (2003-2012), em estreita relação com a subida do preço das matérias primas no mercado internacional. Depois de uma quebra em 2009 por efeito da crise financeira, as rendas extrativistas subiram em flecha. Elevada procura em países como a China e Índia e crescente especulação financeira são algumas das causas da subida do preço, alimentando a aquisição de largas áreas com potencial mineiro (cada vez mais escassas) ou a intensificação das minas atuais (com retornos cada vez mais decrescentes). O que antes não era atraente, agora é visto como uma oportunidade. 

O ouro ocupa um lugar especial em tempos de crise. Ao não ser uma matéria prima usada para produzir outras mercadorias, atua como reserva de valor. Ou seja, o seu valor não depende das flutuações do consumo. Pelo contrário, quanto mais a economia real se afunda, mais se espera que o valor real do ouro incremente. Por exemplo, o diferencial com o preço dos bens industriais provocou uma queda de 60% nos custos de exploração mineira desde 2008. Ou, como referido no último Fórum Europeu do Ouro, "a queda do preço (de 2013) será temporária", a "expetativa é que o ouro siga subindo e atinja novos recordes, já que, em último caso, a política monetária de todos esses países vai falhar". Investir em ouro é, assim, uma opção segura e atrativa em tempos de crise. Daí a nova corrida ao ouro. 

O interesse dos investidores permite às empresas mineiras desenvolver mais projetos e projetos mais intensivos em capital. Estas buscam capitalizar-se nos mercados financeiros especulativos, como o de Toronto, para fazer face aos elevados custos de investimento e operação e para viabilizar a sua atividade. Na última década, as quatro maiores empresas mineiras geraram 47.500 dólares em fluxos de efetivo por atividades operativas e gastaram 68.500 milhões de dólares em gastos de capital e aquisições. Para compensar o déficit, as emissões de ações cresceram 117%. Por sua vez, o maior controlo accionista por fundos de cobertura altamente especulativos, fundos de pensões e fundos mútuos orienta a atividade mineira para gerar dividendos no curto prazo. São, assim, os retornos aos accionistas que determinam a produção e não o contrário. É, por isso, que projetos como o de Pascua Lama, no Chile, se encontram provisoriamente suspensos pela empresa mineira. Mas, como refere um dos seus administradores, há a possibilidade que "se converta numa poderosa fonte de dinheiro em algum ponto". Para os accionistas, claro. E, por isso, manter o controlo territorial das minas, mesmo sem produção, é importante. 

O caso de Pascua Lama mostra claramente que as promessas de viabilidade económica, proveitos financeiros para o Estado ou de criação de postos de trabalhos estáveis são uma farsa. Mas nos países da troika, agitam-se estas promessas na ausência de capacidade de pensar a economia fora dos interesses dos grupos económicos e financeiros. Em Portugal, Grécia e Espanha, o panorama não muda. 

Vejamos Portugal. Desde o início da legislatura que o governo tem promovido a exploração mineira como saída para a crise. A fonte de legitimação típica nos tempos que correm. O resultado é a distribuição de licenças a torto e a direito e fazer tudo para atrair empresas mineiras. Além dos salários moderados, os pontos de atração são mais amplos. Revela a canadiana  Colt Resources, ativa sobretudo no ouro, que Portugal é uma "das melhores jurisdições do mundo para a exploração mineira": "relações governamentais excelentes", "baixo risco político", "país amigável", "boas infra-estruturas" (construídas com dinheiro público), "força de trabalho qualificada" e "acesso a incentivos financeiros europeus e portugueses". Curiosamente, esta empresa conta no seu conselho de administração com um ex-diretor da Direção Geral de Energia e Geologia. Dentro das facilidades oferecidas pelo governo estão as alterações ao código laboral para favorecer trabalho intensivo e a baixo custo, bem como a agilização de procedimentos administrativos. Aligeirar o controlo ambiental e alterar os planos de ordenamento territorial são um ponto forte neste processo (ver o das organização ambientalistas quanto ao projeto de ouro na Boa Fé, em Rede Natura 2000). 

Mas há uma outra lição que o caso de Pascua Lama nos oferece, assim como o caso de Rosia Montana na Roménia, de Halkidiki na Grécia ou de Corcoesto na vizinha Galiza. As lutas cidadãs contra os projetos mineiros reduzem a atratividade para os projetos mineiros e podem mesmo conseguir importantes vitórias. É o caso de Corcoesto, onde passos importantes foram dados para que se trave o projeto mineiro. O passo que falta é forçar de vez a vontade política para parar o projeto. Também em Portugal, grupos de cidadãos da Boa Fé, Évora, contra o projeto mineiro de ouro da Colt Resources estão a mobilizar-se (ver aqui e aqui). A sua luta não é única nem está só. Faz parte de um mundo de dinâmicas complexas e de resistências que nos dão pistas para pensar, em conjunto, como restruturar a economia além das promessas hipócritas tão populares em tempo de crise. Porque a economia é mais do que números. Trata-se da capacidade de decidir sobre as nossas próprias vidas, os territórios em que habitamos e o modo como nos relacionamos com o mundo social e ecológico que nos rodeia. 


Artigo publicado no blogue Inflexão

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Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda, engenheira agrónoma.
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