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Escritor Gabriel García Márquez morre aos 87 anos

Prémio Nobel da Literatura de 1982, jornalista apaixonado e argumentista de cinema, Gabo foi um dos melhores escritores do século XX, autor de obras que milhões de leitores nunca esquecerão.
Além de escritor, era um jornalista de boa cepa, daqueles que vibra com o cheiro da notícia. Foto de Festival Internacional de Cine en Guadalajara
Além de escritor, era um jornalista de boa cepa, daqueles que vibra com o cheiro da notícia. Foto de Festival Internacional de Cine en Guadalajara

O escritor e jornalista colombiano Gabriel García Marquez, Prémio Nobel da Literatura de 1982, morreu esta quinta-feira, vítima de pneumonia, segundo a agência AP.

Foi um dos maiores escritores do século XX, autor de obras que marcaram os seus leitores, geração após geração. “Cem anos de solidão”, a mais admirada, mas também “Crónica de Uma Morte anunciada”, “O amor nos tempos de cólera”, “O Outono do Patriarca” e tantas outras.

Além de escritor, era um jornalista de boa cepa, daqueles que vibra com o cheiro da notícia. “O jornalismo é uma paixão insaciável que só pode ser digerida e humanizada no confronto descarnado com a realidade. Quem não tiver nascido para isto, quem não estiver disposto a viver exclusivamente para isto, jamais poderá permanecer neste ofício incompreensível e voraz”, disse numa entrevista.

Também brilhava como argumentista de cinema, orientando workshops de guião para cinema em Cuba, cujas transcrições foram publicadas em português em duas oportunidades, para alegria dos inúmeros interessados em acompanhar como o escritor orientava a discussão de cada proposta que vinha dos participantes, por vezes transformando ideias fracas ou aparentemente tontas, em histórias interessantes que certamente dariam bons filmes.

Também brilhava como argumentista de cinema, orientando workshops de guião para cinema em Cuba, cujas transcrições foram publicadas em português em duas oportunidades.

Um honroso pacto com a solidão

Sabíamos que Gabo – como era chamado pelos amigos – estava mal, que a sua morte era iminente. Anunciada, como num dos seus mais brilhantes livros. Mas, tal como acontece nesta obra que começa pelo final – a tal morte – para depois explicar, num inusitado suspense, o caminho inexorável que a ela conduziu, nós, seus leitores e admiradores, esperávamos que não ocorresse. Foi anunciada há três dias pela imprensa colombiana e pelo El País. Mas fora uma precipitação.

Afinal, pensámos nós, esta crónica da morte anunciada de García Márquez é diferente da do livro, não é inexorável, quem sabe ele ainda vive muitos e bons.

Infelizmente, desta vez é verdade. García Márquez deixou-nos.

De certa forma, já nos deixara antes, há dois anos, quando o irmão anunciou que ele sofria de senilidade e já não escreveria mais.

Cumpriu-se a profecia que fizera: “O segredo de uma velhice agradável consiste apenas na assinatura de um honroso pacto com a solidão”.

Abriu de par em par as portas de um continente

García Márquez em 1984

García Márquez em 1984. Foto de F3rn4nd0, creative commons

Para o escritor chileno Luís Sepúlveda, Gabriel García Márquez foi “o escritor colombiano, latino-americano, universal que, com a publicação de 'Cem Anos de Solidão', abriu de par em par as portas de um continente para que o mundo entrasse e conhecesse a força de uma imaginação sem limites, de uma imaginação revolucionária que reinventava a história romanceando-a e por isso mesmo enchendo-a de riqueza”.

Para Sepúlveda, a dívida de gratidão com García Márquez, “com esse Gabo para os amigos e que escrevia sem ambições académicas nem pensando em reconhecimentos, mas sim para que os seus amigos gostassem mais dele, é infinita”. O escritor colombiano “criou escritores a partir da sua força imaginativa, criou jornalistas da sua ótica impecável e da sua maneira de contar o importante, criou milhões de leitores que com o prazer das suas páginas ficaram viciados ao prazer descomunal da leitura, e criou também consciências éticas na barricada da sua decência mantida até o fim.”

E conclui Sepúlveda, em nota publicada no Facebook: “Perdemos o Homem que nos narrou e nos ensinou a narrar, o escritor que nos gravou na pele a força da imaginação latino-americana para mudar tudo”.

Adolescência marcada pelos livros

Gabriel García Márquez nasceu em 6 de março de 1927 na cidade de Aracataca, Colômbia. Em janeiro de 1929, os pais mudaram-se para Barranquilla, mas o filho Gabriel ficou em Aracataca, tendo sido criado pelos avós maternos e só voltaria a viver com os pais aos oito anos, quando o avô morreu. A adolescência de Gabriel foi marcada por livros, em especial “A Metamorfose”, de Franz Kafka. Em 1947, mudou-se para Bogotá para estudar direito e ciências políticas na universidade nacional da Colômbia, mas abandonou o curso antes da licenciatura e começou a trabalhar como jornalista.

Começou no El Universal, passou pelo El Heraldo, e em 1954 passa a trabalhar no El Espectador como repórter e crítico. No ano seguinte foi para a Europa, como correspondente internacional, e ao voltar para a Colômbia casou-se com Mercedes Barcha com quem teve dois filhos, Rodrigo e Gonzalo. Em 1961 foi de novo para o exterior como correspondente, desta vez para Nova York para trabalhar como correspondente internacional, mas as suas críticas a exilados cubanos e as suas ligações com Fidel Castro tornaram-no alvo da CIA e e levaram-no a mudar-se para o México.

“Cem anos de solidão”

O seu primeiro romance, “La Hojarasca", foi publicado em 1955. Em 1961 publicou "Ninguém escreve ao coronel".

Mas a obra que o catapultaria para a fama é de 1967 e chama-se “Cem Anos de Solidão”.

García Márquez começou a escrevê-la aos 38 anos: "Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo" – esta é a primeira frase do livro.

Não deixou de escrever um só dia durante 18 meses até que terminou o livro. Mais tarde diria que não sabia como sobreviveram sua mulher, Mercedes Barcha, e ele durante o tempo que durou o processo de composição, mas "não faltou nem um dia comida na casa". Diria desse ano e meio, numa carta ao escritor mexicano Carlos Fuentes: "Jamais trabalhei em solidão comparável (...), sofro como um condenado pondo a raia a retórica, buscando tanto as leis como os limites do arbitrário, surpreendendo a poesia quando a poesia se distrai, brigando com as palavras".

"Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo" – esta é a primeira frase de "Cem Anos de Solidão"

O livro narra a história da família Buendía na cidade fictícia de Macondo, desde a sua fundação até a sétima geração, e foi considerado um marco da literatura latino-americana, fundando o "Realismo Fantástico".

Depois do tremendo sucesso da obra, García Márquez sentiu o peso da responsabilidade e teve dificuldade para escrever a obra seguinte. Sentia que todas lhe saíam versões de “Cem Anos de Solidão”. Até que escreveu “O Outono do Patriarca”, livro com um estilo totalmente diferente, em que a pontuação emerge como "um simples alívio respiratório" e os tempos e pessoas do verbo mudam na mesma frase, consoante passa para outras bocas o monólogo de que é feito. Também, representou, segundo o autor, num esforço de síntese: "O mundo do ditador eterno, escrito no estilo dos livros anteriores, teria dado não menos de duas mil páginas."

Foi um choque para a crítica e para os leitores que ansiavam por mais "Cem Anos de Solidão", que queriam "mais do mesmo", como conta García Márquez que, pelo contrário, apenas ansiava não se repetir.

Seguiram-se obras como “Crónica de Uma Morte Anunciada”, um incrível livro que, apesar de começar pelo fim, mantém o interesse e a atenção do leitor da primeira à última página, e “O Amor em Tempos de Cólera”.

Em 2002 publicou sua autobiografia Viver para contar, logo após ter sido diagnosticado um câncro linfático.

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