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Resgatar a Europa do neoliberalismo

É necessário politizar o debate sobre a resposta à crise. O colapso económico na Europa é um engenho do neoliberalismo. A recuperação não pode basear-se na salvação do modelo que originou a crise.

A União Europeia está hoje mais desunida do que nunca. A crise segue o seu curso, agravada pela obsessão da austeridade fiscal. A desigualdade e o ressentimento destroem os fundamentos da união. A situação económica lamentável destacou uma questão fundamental: O que a União Europeia traz para os valores fundamentais da esquerda democrática no continente europeu? Contribuiu para o reforço dos princípios da democracia republicana com um compromisso social ou é uma máquina para destruir esses valores? Todas as medidas aprovadas pelo Conselho, a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu desde que estalou a crise têm estado comprometidas acima de tudo com o modelo neoliberal, os bancos e o sistema financeiro. Os habitantes da Europa aparecem muito atrás na lista de prioridades. A pergunta é se os privilégios outorgados às grandes corporações e ao sistema financeiro são o que define a União Europeia, ou se é a democracia republicana e os seus valores sociais.

 A verdade é que a integração europeia não foi moldada pela participação cidadã. O órgão mais importante da União Europeia é o Conselho e esse órgão é uma organização intergovernamental. A influência da cidadania europeia sobre o Conselho é mediada pelos resultados das eleições nacionais. No melhor dos casos, é de índole indireta. É certo que se submeteram a referendo algumas iniciativas importantes. Mas os detalhes foram moldados nas instâncias tecnocráticas nas quais as prioridades são as dos grandes grupos corporativos. Essa captura ideológica transmitiu à integração europeia as prioridades estratégicas de uma direita subordinada ao capital financeiro.

O Parlamento Europeu poderia ser o único contrapeso nesta estrutura. Mas, apesar deste órgão legislativo e de supervisão ter ganho terreno, continua a estar submetido ao direito de veto que o Conselho tem sobre as suas decisões. Em síntese, não existe na atualidade um organismo que permita orientar o processo de integração em função das prioridades dos cidadãos europeus.

Para isso será necessário politizar o debate sobre a resposta à crise. O colapso económico na Europa é um engenho do neoliberalismo. A recuperação não pode basear-se na salvação do modelo que originou a crise. 

Insiste-se hoje na Europa que a recuperação já começou e que se irá fortalecer gradualmente. Diz-se que a estratégia de curto prazo (quer dizer, a austeridade) está a começar a dar frutos. É verdade?

A volatilidade nos mercados financeiros e nos diferenciais de taxas de juros sobre a dívida soberana diminuíram sensivelmente. E isso deve-se à estratégia do Banco Central Europeu (BCE) desde que Mario Draghi anunciou em 2012 que o banco faria tudo o que fosse necessário para assegurar a sobrevivência do euro. Só que uma estratégia que se baseia na promessa de realizar compras massivas de dívida soberana nos mercados secundários não é credível a longo prazo e tem dois defeitos importantes. Primeiro, só trabalha em torno dos sintomas, e não da doença. Se gera alguma estabilidade financeira, não é acompanhada de crescimento e bem-estar. Além disso, qualquer intervenção do BCE deve ser acompanhada de fortes medidas de condicionalidade (sob supervisão da troika) que atuarão como um travão sobre o crescimento. Segundo, existem várias ameaças de choques externos que podem causar volatilidade nos mercados financeiros europeus (por exemplo, se a Reserva Federal altera a sua postura de política monetária mais fácil e aumenta a sua taxa de juros pode provocar um choque maior).

Os sinais sobre uma pretendida “recuperação” não se reduzem aos indicadores sobre diferenciais de taxas de juros. Em quase todas as áreas, o desempenho das economias europeias é dececionante. O que não é surpreendente: o efeito da política de austeridade afeta em primeiro lugar as  taxas de juros e gera desemprego, e a contração económica atinge as receitas fiscais e agrava o défice público.

Além disso, os níveis de endividamento continuaram a aumentar: na zona euro a dívida pública com respeito ao PIB passou de 62 para 85 por cento entre 2008 e 2012. Os prognósticos independentes sobre crescimento do PIB na eurozona não trazem boas notícias: o crescimento em 2014 e 2015 será um raquítico 1.0 e 1.5 por cento respetivamente. Finalmente, a desigualdade na Europa converteu-se num dos problemas que marcaram o futuro da Europa.

O neoliberalismo construiu um castelo de cartas sobre os ossos e as vidas da classe trabalhadora na Europa. As autoridades do projeto neoliberal na Europa mantêm firme a subordinação a esse paradigma. As eleições do Parlamento Europeu serão decisivas para começar a mudar este estado de coisas: oxalá permitam politizar o debate sobre a saída da crise e as suas implicações para a integração europeia.

Sobre o/a autor(a)

Economista, professor em El Colegio do México.
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