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Futebol ao sol e à sombra

Calor abrasador não é único problema em realizar a Taça do Mundo de 2022 no Qatar. A Confederação Sindical Internacional (CSI) estimou que o auge da construção precedendo o Mundial de 2022 no Qatar possa levar à morte de 4000 ou mais trabalhadores migrantes. Artigo de Bashkar Sunkara
Estes trabalhadores braçais não se limitam a passar 90 minutos sobre um alcatrão sufocante — trabalham em turnos de 12 horas por dia, todos os dias da semana.
Estes trabalhadores braçais não se limitam a passar 90 minutos sobre um alcatrão sufocante — trabalham em turnos de 12 horas por dia, todos os dias da semana.

Futebol não é para ser jogado em 50 graus de temperatura. Esse é o potencial problema laboral com que as chefias da FIFA têm estado a lidar na preparação do campeoanto do mundo de 2022. Os jogos estão programados para se realizarem no Qatar, um pequeno estado do Golfo com um clima de verão sufocante, onde em média a máxima diária em julho é de 41° C.

Os executivos têm uma solução para o problema: estádios com ar condicionado e, possivelmente, mudar o evento para o inverno. O que tem sido menos discutido é quem ao certo vai construir os estádios e em que condições. Tal como a maioria dos estados do Golfo, o Qatar é dependente de uma base de trabalhadores hiper-explorados, a maioria dos quais são migrantes do Sul da Ásia. Estes trabalhadores braçais não se limitam a passar 90 minutos sobre um alcatrão sufocante — trabalham em turnos de 12 horas por dia, todos os dias da semana.

Um novo relatório da Amnistia Internacional vai ao ponto de dizer que as práticas laborais do Qatar “constituem trabalho forçado.” Milhões de trabalhadores migrantes de toda a região estão amarrados ao sistema de kafala que dá aos empregadores que os tutelam controle completo sobre os vistos e o estatuto legal dos trabalhadores. Ao chegarem ao país, é costume a gerência apoderar-se ilegalmente de passaportes e identificação. Os que tentarem partir antecipadamente, antes do fim do contrato, são sugados por uma grande alcavala ou forçados a desistir de salários por pagar apenas para conseguir a documentação para regressar a casa.

Aos trabalhadores migrantes não é permitido aderir a um sindicato — um direito constitucionalmente garantido aos naturais do Qatar— e eles trabalham sem equipamento adequado em condições perigosas. Em 2010, 191 trabalhadores do Nepal morreram no emprego, e mais 163 em 2011. Foram todos considerados medicamente sãos quando deixaram o seu país devido às exigências estritas dos vistos de trabalho do Qatar.

A situação dos inúmeros trabalhadores domésticos no Golfo, na sua maior parte mulheres, é ainda mais ameaçadora. A Fundação para Combater o Tráfico Humano do Qatar recebe entre 200 e 300 pedidos de ajuda de trabalhadores domésticos por mês que não têm mais para onde se virar. Ao contrário dos trabalhadores da construção, as trabalhadoras domésticas (com  um número de aproximadamente 132 000 em 2012) não estão sequer formalmente protegidas pela lei do trabalho do Qatar porque são tuteladas mais por indivíduos do que por companhias. O delas, é um trabalho de amor, assume-se na lei, cuja recompensa é muitas vezes o abuso verbal, sexual e físico que sai impune.

Os que de facto são pagos não estão a receber o suficiente para economizar e viver confortavelmente nos seus países de origem. Os trabalhadores domésticos ganham menos de 30 por cento do salário médio no Qatar e estão muito mais isolados dos seus colegas trabalhadores, tornando a organização impossível.

O sistema kafala, contudo, provou ser útil aos capitalistas num Golfo próspero. O Qatar tem a concentração mais alta de milionários do mundo - mais de 14 por cento das famílias da muito pequena monarquia detêm um milhão ou mais de dólares em bens. Com uma das maiores reservas de gás natural e petróleo do mundo, a nação de 250 000 pessoas dificilmente poderia ela própria extrair aqueles recursos. Os 1,5 milhões de emigrantes não são apenas uma fonte de trabalho produtivo durante os anos de auge como, quando pressionados, são facilmente dispensáveis. Milhares de trabalhadores foram enviados para casa durante a crise económica recente, deslocando o fardo do desemprego para os seus países de origem e mantendo a intranquilidade política interna contida.

Esta situação política presta-se a poucas respostas. A curto prazo, algumas das reformas que a Amnistia Internacional sugere seriam um passo no sentido certo. O sistema de tutelagem, por exemplo, tem de ser eliminado, o que levaria a que trabalhadores obtivessem novos empregos ou deixassem o país sem a permissão dos seus empregadores atuais. Mas o sistema político do Qatar demonstrou que aqueles trabalhadores migrantes não terão possibilidade de caminhar através da lei e da litigação em direção a um salário justo e a condições de trabalho seguras. Antes e de forma radical, será necessária a auto-organização dos trabalhadores e a sua mobilização como atores políticos independentes para combater o racismo e empurrar a classe governante do Golfo no sentido de compartilhar a prosperidade imensa da região com aqueles que a criam.

Enquanto uma maior atenção de críticos ocidentais é bem-vinda, o futuro é mais árido do que nunca. A Confederação Sindical Internacional (CSI) estimou que o auge da construção precedendo o Mundial de 2022 no Qatar possa levar à morte de 4000 ou mais trabalhadores migrantes. Isto é um preço demasiado alto a pagar pelo “belo jogo”.

Tradução de Paula Sequeiros para esquerda.net

Artigo publicado em In These Times.

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