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Lomba e ACIDI: os novos “garimpeiros”

No saldo migratório atual, as saídas de imigrantes já superam em muito as entradas, acompanhando a tendência geral. O dirigente do SOS Racismo Mamadou Ba explica porque é que as mudanças anunciadas já este ano pelo Governo vão acentuar a discriminação na política de imigração.
O Secretário de Estado Pedro Lomba diz querer captar imigrantes de "alto potencial". Foto Miguel A. Lopes/Lusa

Entre 2012 e 2013, a politica da austeridade empurrou cerca de 120 mil cidadãos nacionais para fora do país, enquanto no período homologo, só entraram “legalmente” cerca de 12.000 cidadãos estrangeiros em Portugal. Ou seja, por cada imigrante que entrava no país neste período, saiam 10 portugueses! Face a esta sangria populacional que resulta da asfixia económica e do programa de empobrecimento do país resultantes da aplicação do memorando de entendimento com a Troika do programa de assistência económica e financeira ao país, o governo português, pela voz do Secretario de Estado, Pedro Lomba, anunciou uma nova orientação política em matéria de gestão dos fluxos migratórios. Para Pedro Lomba (PL), tal orientação implica uma alteração estratégica da política da imigração e obriga a uma redefinição dos instrumentos da sua gestão, nomeadamente do ACIDI.  

Em 2007, a missão do ACIDI foi revista e especificada, ficando consolidada pelo Decreto-Lei nº 167/2007 de 3 de Maio. O Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural é um instituto público integrado na administração indirecta do Estado, dotado de autonomia administrativa. Segundo a alteração de então, “O ACIDI tem como missão colaborar na concepção, execução e avaliação das políticas públicas, transversais e sectoriais, relevantes para a integração dos imigrantes e das minorias étnicas, bem como promover o diálogo entre as diversas culturas, etnias e religiões”. Mas Pedro Lomba (PL) entende que o ACIDI, até agora vocacionado para desenhar e implementar as tais “políticas relevantes para integração dos imigrantes e das minorias étnicas”, deve transformar-se numa agência de recrutamento de mão-de-obra qualificada e barata! Diz PL que “precisamos de políticas mais integradas, que tenham em vista os que saem e os que entram” e de “identificar e captar imigração de elevado potencial ou de grande valor acrescentado.” Para tal, o nosso secretário de estado quer um ACIDI “transversal” e “pró-activo” que analisaria as “necessidades laborais a curto e médio prazo”, trataria do financiamento do “ empreendedorismo imigrante”, da “internacionalização do ensino superior” e das “vias verdes para obtenção de vistos”, etc… Mas antes de olhar para a proposta de PL, olhemos sumariamente para a realidade da imigração, sua evolução e a realidade socioeconómica do país nos últimos anos 

À semelhança do que ocorreu noutros países do Sul da Europa, tradicionalmente países de emigração, Portugal tornou-se, a partir dos meados da década 90 do século passado e, mais intensamente, no início dos anos 2000, num país de imigração e, especialmente, de imigrantes por motivos económicos. Em 2010, o número de cidadãos de países terceiros residentes no país rondava os 445,262 (perto de 4.2% da população total), o dobro do que se verificava em 2000, por exemplo. A população imigrante oficialmente residente atingiu o pico máximo de 451.742 pessoas em 2009 e está neste momento estimada em 417.042, segundo os últimos dados do SEF, ou seja, menos de 34.700 pessoas e mais do dobro das entradas de imigrantes! Portanto, o saldo entre entradas e saídas é negativo e confirma-se então a mesma tendência observada no seio da população em geral. Tal como se verifica a nível nacional, a saída em massa dos imigrantes também se verifica de forma mais intensa à partir de 2010. Em 2011 cerca de 61,1% estavam ativos e os dados do Inquérito ao Emprego do Instituto Nacional de Estatística falavam em 164.000 imigrantes em idade ativa no 3º trimestre de 2012, destes 42 mil estavam desempregados, o que representava 25,6%, muito mais que entre a população em geral, estimado em 15,8% à época. Já na altura, sentia-se uma diminuição de presença de imigrantes em território nacional porque, efectivamente, muitos imigrantes já tinham deixado Portugal, para outros destinos. É certo que nem todos regressaram aos seus países de origem como foi o caso de, nomeadamente, muitos brasileiros, angolanos, moldavos e romenos.  Segundo os dados do INE, a evolução da taxa média de desemprego no seio das comunidades imigrantes de 2006 até os dias de hoje é estonteante! De 2006 para cá, o desemprego “oficial” nos imigrantes triplicou, passou de 11,1% para quase 30%! Se olharmos para 2007 com 13%, 2008 com 11,9%, 2009 com 17,3%, 2010 com 19,0%, 2011 com 23,5%, 2012 com 29,1% e 2013 com mais 30% verificamos que, salvo o ano de 2008, a tendência desde então para cá, foi sempre a subir. Mas de facto, a intensificação do abandono massivo do país dos imigrantes e a fraca procura de Portugal como destino de novos imigrantes coincidem com a agudização da crise económica e a aplicação das receitas da austeridade. Por exemplo, nos primeiros nove meses de 2010, o número de desempregados imigrantes que se registaram nos centros de emprego aumentara 18 % comparativamente ao ano anterior e assim se vai sucedendo até aos dias de hoje. Na altura, cerca de 37.879 pessoas, na maioria do Brasil e da Europa de Leste, recorreram ao IEFP à procura de trabalho, um número que confirma a tendência com os 32.076 estrangeiros que, entre Janeiro e Outubro de 2009, estavam no desemprego. A crise, a austeridade, o racismo e a situação mais vulnerável dos imigrantes fazem com que o desemprego nos imigrantes tenha aumentado (triplicando até) acima do crescimento registado no total do desemprego desde 2008 para cá. Esta diferença notou-se, por exemplo, mais intensamente em Maio de 2010. Na altura, o número de inscritos nos centros de emprego cresceu 27,3 %, enquanto o de desempregados imigrantes aumentou quase 70% em comparação com o ano anterior. Em 2011, a taxa de desemprego da população estrangeira era de 23,5%, em 2012 de 29,1% e 2013 de mais de 30%. Porém, a partir de 2011, houve uma alteração da tendência da imigração masculina para uma maior presença de mulheres nas comunidades imigrantes, representando mais de 50% dos imigrantes. O que poderá explicar também a alteração na ordem dos sectores de actividade que passou da construção, restauração/serviços e comércio para restauração/similares, construção e comércio, com destaque para limpezas e trabalhos domésticos desempenhados por mulheres na sua grande maioria. E contrariamente ao que se diz, os imigrantes e não só, não são subsídio-dependentes, bem como, são proporcionalmente quem mais contribuiu para a criação de riqueza. Segundo dados do INE, cerca de 59% dos imigrantes dependem do seu trabalho, 19,6% estão a cargo da família, 7,1% recebem pensão ou reforma, 6,9% beneficiam de subsídios (4,75% de desempregos e 2,2% de outros) e 0,9% de apoio social. Pois na verdade, a população imigrante em idade activa é superior à da população nacional, ou seja, 82, 4% de imigrantes em idade activa contra 65, 5% de cidadãos nacionais. O que também se justifica pela circunstância de a população imigrante ser mais jovem, com uma média de 34,2 anos contra 42,1 anos para os nacionais. São dados que desmontam a falácia de que as minorias étnicas, nomeadamente os imigrantes, vivem à custa de subsídios e de custam caro ao erário público.

Face a este quadro sumário, percebemos que a proposta do Governo que PL nos apresenta, qual um qualquer vendedor de lotaria, não só não responde ao essencial como traduz uma continuidade política de uma opção ideológica de regresso ao passado e de reforço da mercantilização da migração. Na verdade, não se trata de novidade nenhuma do ponto de vista da orientação política que presidiu à linha deste governo sobre as questões da imigração. Trata-se basicamente de dar corpo e maior consistência ao iniciado na alteração da lei de imigração (a Lei 20/2012) e já consolidado nos Despachos conjuntos (n.º 11820-A/2012 de 4 de setembro 2012 e n.º 1661-A/2013 de 28 de janeiro 2013) de Paulo Portas e Miguel Macedo sobre uma nova orientação política para implementar uma imigração selectiva. Os sucessivos governos tinham-nos habituado a uma peculiar prática jurídica nas questões da imigração, em que, a regra era quase sempre uma excepção. Agora passamos a ter o que seria uma excepção como sendo a regra principal. 

Esta pretensa novidade de Pedro Lomba, no fundo, procura tornar a ARI (autorização de residência para investimento, com o tal “Cartão Azul UE” ou “Gold”) o instrumento essencial da política de imigração do país. Criar um regime selectivo para cidadãos que exerçam actividades altamente qualificadas ou de investimento em Portugal e consagrar um conjunto de direitos apenas para estes cidadãos, em função do seu grau de formação e qualificação e sua capacidade económica. Na verdade, Pedro Lomba reafirma com esta proposta, uma posição ideológica que tem caracterizado o governo que ele integra, o ódio ao pobre e ao cidadão humilde através da perseguição ao trabalhador. É uma linha política que usa a discriminação como forma de regulação dos fluxos migratórios, admitindo ostensivamente a possibilidade dos mesmos direitos não serem reconhecidos aos demais cidadãos estrangeiros que residam em território nacional. E apesar de nem sempre serem os menos qualificados, os imigrantes são quase sempre forçados a aceitar trabalhos abaixo das suas reais competências, com remunerações abaixo do salário real correspondente ao seu trabalho. Isto porque a sua precariedade se tornou o motor da sacrossanta «flexibilidade laboral»; por outras palavras, os trabalhadores imigrantes foram transformados na arma de arremesso do patronato e dos governos para erigir a precariedade laboral como a regra de (des)regulação laboral.  A política de imigração deste governo legitimou a ideia da mercantilização da mobilidade e a de que a imigração não é um direito mas sim negócio. 

A ideia de pôr o ACIDI a “identificar e captar imigração de elevado potencial ou de grande valor acrescentado” assenta num paradigma esclavagista e colonial. A cena é esta: estamos aflitos, vamos importar uns bons e valiosos tipos a custo zero – como no tempo da escravatura-, como se de mercadorias se tratassem, para resolver os nossos problemas financeiros! O governo português, aliás tal como os governos europeus, constroem as suas políticas de imigração dentro de uma lógica de continuidade histórica e ideológica de coisificação das pessoas, sobretudo quando elas não são europeias!

Na verdade, a nova linha de imigração do governo, com esta orientação é um enorme embuste político e representa a consolidação de uma opção ideológica de mercantilizar os direitos de escolher ir e vir, instalar-se e viver livremente onde se quiser.


Artigo de Mamadou Ba, dirigente do SOS Racismo.

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