Tudo bons rapazes: A história do diretor do FMI condenado na Suíça

24 de December 2013 - 13:03

Jacques de Groote, ex-diretor executivo do FMI (1973-1994) e do Banco Mundial (1975-1991), na qualidade de representante da Bélgica, foi condenado em Outubro de 2013 pela justiça suíça no processo de privatização fraudulenta da principal mina de carvão da República Checa.

porEric Toussaint

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Lançado em setembro, este livro de Eric Toussaint conta em detalhe a história do homem que esteve 20 anos como diretor executivo do FMI e Banco Mundial.

Os outros co-acusados, cinco homens de negócios checos, tiveram penas entre 36 e 52 meses de prisão e multas. Os cinco checos foram dados como culpados de branqueamento agravado e burla ou cumplicidade em burla. As condenações sancionam o desvio de ativos da sociedade mineira checa MUS (Mosteck Uhelna Spolecnost), entre 1997 e 2003. Estes cinco acusados, alguns deles ex-administradores da empresa ou membros da comissão de fiscalização, tinham conseguido controlar quase 97% da sociedade MUS. Os montantes resultantes da aplicação dos dinheiros desviados foram depositados numa centena de contas bancárias na Suíça, Liechtenstein, Baamas, etc., e branqueados através de mais de 30 empresas. Segundo o diário suíço Le Temps, «Jacques de Groote participou neste gigantesco logro e arrecadou cerca de um milhão de francos suíços a título de remunerações. Atuou nos bastidores, fazendo crer que se trataria de investidores estrangeiros. Graças a ele, os cinco homens de negócios checos puderam manter-se na sombra.» |1| «Jacques de Groote tirou partido da excelente reputação de que gozava» e forneceu às autoridades e aos meios de comunicação checos informações que sabia serem «contrárias à realidade», deplorou Jean-Luc Bacher, presidente do tribunal, aquando da leitura da sentença. |2| Segundo o diário La Libre Belgique, que lhe é geralmente favorável, Jacques de Groote, após a sentença, declarou: «Vou interpor recurso contra esta decisão, para fazer valer a minha boa-fé. É da maior importância para mim pôr termo a esta sucessão de processos que já dura há mais de 10 anos e que me arruinou moralmente, financeiramente e – com os meus 86 anos – fisicamente.» |3|

Para além dos limites estritos do processo, é interessante debruçarmo-nos sobre a trajetória de Jacques de Groote, pois ele é uma figura emblemática do FMI e do Banco Mundial. Existem ligações entre o seu papel nestas instituições e os ilícitos examinados pela justiça suíça.

Cronologia

1960: Jacques de Groote participa como funcionário belga na mesa redonda que prepara a independência do Congo belga, proclamada a 30 de Junho de 1960.

14 Setembro 1960: Mobutu lidera um golpe de estado contra o presidente Joseph Kasavubu e o primeiro-ministro Patrice Lumumba. É empossado um colégio de comissários generais, tendo à cabeça Justin Bomboko.

Outubro 1960: Mobutu manda prender Patrice Lumumba.

17 Janeiro 1961: assassínio de Patrice Lumumba em Catanga. A Bélgica, Mobutu e dirigentes políticos catangueses, entre os quais Moïse Tshombé, participaram ativamente nesse atentado. A CIA, por seu turno, também tinha por missão assassinar Lumumba.

Abril 1960 a Maio 1963: J. de Groote é, em Washington, assistente do diretor executivo belga no FMI e no Banco Mundial.

1961: Mobutu entrega as rédeas do poder a Joseph Kasavabu, que o nomeia comandante-geral das forças armadas.

24 Novembro 1965: Mobutu destitui o presidente Joseph Kasavubu e toma o poder com o apoio do estado-maior das forças armadas, das autoridades belgas e dos EUA. A partir desse momento, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional apoiam ativamente o regime ditatorial de Mobutu.

De Março 1966 a Maio 1969: J. de Groote é conselheiro económico do Congo e conselheiro do governador do Banco Nacional do Congo em Kinshasa. Toma a seu cargo, entre outras coisas, a União Mineira (Gécamines).

De Maio 1969 a Novembro 1973: é conselheiro financeiro na delegação belga da OCDE em Paris.

1970: o MPR de Mobutu passa a ser «partido único». Viagem oficial do rei belga, Balduíno, e da rainha Fabíola por ocasião do 10.º aniversário da independência. A Bélgica, os EUA, a França e outras potências ocidentais apoiam militar e financeiramente o regime mobutista.

De 1973 a 1994: J. de Groote ocupa em Washington o posto de diretor executivo do FMI em representação da Bélgica, que preside um grupo de países com 5 % dos votos (ou seja, mais do que a França, a Grã-Bretanha, a China ou a Índia). De 1973 a 1991, é também diretor executivo do Banco Mundial. No fim do seu mandato, o grupo a que presidia era composto pela Bélgica, República Checa, Eslováquia, Eslovénia, Áustria, Luxemburgo, Turquia, Bielorrússia, Hungria e Cazaquistão.

Maio 1978: intervenção de tropas belgas e francesas em Kolwezi para apoiar Mobutu contra uma rebelião anti-mobutista.

De 1980 a 1989: J. de Groote é membro do júri da Fundação Rei Balduíno que «luta contra a pobreza e o subdesenvolvimento».

Início dos anos 1980: segundo J. de Groote, as autoridades ruandesas ter-lhe-iam pedido que as representasse no Banco Mundial. J. de Groote intervém a favor duma depreciação do franco ruandês, o que serve nomeadamente os interesses da mina Géomines do barão Van den Branden, que logo de seguida convence o banco belga Nagelmaekers a fazer um empréstimo a J. de Groote. Estes factos são denunciados mais tarde pelo Wall Street Journal. Em entrevista ao jornal Le Soir, J. de Groote responde às acusações: «… não tenho culpa de ter um amigo que tinha uma mina no Ruanda. E se solicitei um empréstimo por seu intermedio, foi porque quis evitar pedi-lo a bancos com os quais eu tinha laços familiares.» |4|

No início dos anos oitenta, quando rebentou a crise da dívida no Terceiro Mundo, o Ruanda (tal como o seu vizinho Burundi) estava muito pouco endividado. Nessa época, o Banco Mundial e o FMI abandonavam a sua política ativa de empréstimos e pregavam a abstinência noutros países, no entanto, adoptaram uma atitude completamente diferente em relação ao Ruanda e ao Zaire de Mobutu, ao qual emprestaram massivamente. A dívida externa do Ruanda aumentou assim vinte vezes entre 1976 e 1994.

1982: o Relatório Blumenthal, redigido a pedido do FMI, é tornado público. Nele é denunciada a corrupção sistemática do regime de Mobutu. Apesar disso, o Banco Mundial e o FMI aumentam os créditos concedidos a esse regime.

Segundo o Wall Street Journal, J. de Groote interveio para informar as autoridades de Kinshasa do que esperava delas a missão do FMI, que se preparava para visitar o país em 1982. Estava em jogo um empréstimo de 246 milhões de dólares, por intermédio do FMI.

1986: segundo o Wall Street Journal, J. de Groote visita Mobutu na sua casa de campo no Sul da França, em Agosto de 1986.

1989-1991: queda do Muro de Berlim e implosão da União Soviética; o regime de Mobutu deixa de ser útil às potências ocidentais, ao Banco Mundial e ao FMI.

Dezembro 1990: o Wall Street Journal publica os resultados duma longa investigação feita pela sua redacção a propósito de Jacques de Groote. O jornal conclui que De Groote se serviu sistematicamente da sua influência no seio do FMI e do Banco Mundial em favor dos interesses do ditador Mobutu. A redacção considera que existe um conflito de interesses: De Groote teria tirado proveitos financeiros da sua função. O diário financeiro afirma igualmente que De Groote obteve benefícios provenientes da sua atuação no seio do Banco Mundial e do FMI no que diz respeito ao Ruanda.

Finais de 1990: Jacques de Groote e Alain Aboudarham iniciam uma colaboração. O primeiro presta serviços ao segundo, ajudando a empresa de A. Aboudarham a aliviar a sua carga fiscal na República Checa e a obter um contrato para a construção de um oleoduto na Índia.

1991: fim do mandato de J. de Groote no Banco Mundial.

Em 1991: o FMI rompe relações com o Zaire. O Banco Mundial fará o mesmo em 1993. Privado de novos fluxos de fundos estrangeiros, o Zaire de Mobutu deixa de dispor de liquidez suficiente para satisfazer o reembolso da sua dívida e suspende o respetivo serviço em 1994.

1992-1994: Alain Aboudarham escreve: «O trabalho de aconselhamento fornecido por M. de Groote à minha sociedade, só no período de 1992 a 1994, permitiu-lhe encaixar comissões na ordem dos 1.292.902 $.»

1994: fim do mandato de J. de Groote no FMI.

Abril-Junho 1994: genocídio no Ruanda; mais de 900.000 tutsis e opositores hutus são assassinados. A França intervém militarmente para apoiar o regime genocida e encaminhar os genocidas para o Congo-Kinshasa. O CADTM pôs em causa o Banco Mundial e o FMI, que ditaram ao Ruanda políticas socialmente nefastas e apoiaram a ditadura do general Habyarimana até 1993.

1997: queda do regime de Mobutu.

1998: começa a privatização fraudulenta da mina MUS na República Checa.

Em 1998-1999: J. de Groote torna-se presidente do Appian Group, uma sociedade suíça com sede em Friburgo, especializada em investimentos nas empresas privatizadas na Europa Central e de Leste, em particular na República Checa. Segundo o Financial Times, em 2004 o Appian Group empregava 15.000 trabalhadores e possuía, além da mina MUS (adquirida em 1998), o grupo Skoda (também ele privatizado).

2000: um empréstimo de 500.000 dólares concedido a Jacques de Groote por Alain Aboudarham dá para o torto. Deterioram-se as relações entre ambos.

2002: Alain Aboudarham exerce pressão sobre Jacques de Groote e seus associados checos para recuperar o seu dinheiro, sem sucesso.

Dezembro 2004: Alain Aboudarham escreve à justiça suíça para «fazer rebentar o escândalo».

Junho 2005: Alain Aboudarham é chamado a tribunal para apresentar os pormenores da sua denúncia. Pouco depois o Ministério Público da Confederação Helvética (MPC) abre um inquérito.

Entre 2004 e 2006: nos EUA vários tribunais julgam o litígio entre Alain Aboudarham e Jacques de Groote.

2006: o CADTM, informado acerca dos processos nos EUA, interroga Gino Alzetta, diretor executivo do grupo presidido pela Bélgica no Banco Mundial, a propósito do comportamento de J. de Groote. Gino Alzetta afirma que não via nada de repreensível no comportamento de J. de Groote.

Janeiro-Março 2008: no decorrer dum «inquérito internacional financeiro complexo», as autoridades suíças ordenam o congelamento de 660 milhões de francos suíços numa centena de contas bancárias na Suíça.

21 Outubro 2011: o MPC envia um libelo acusatório ao Tribunal Penal Federal, acusando Jacques de Groote e seis arguidos checos de, entre outras coisas, branqueamento de capitais agravado e burla.

13 Maio 2013: é aberto um processo em Bellinzona, no Tecino suíço. J. de Groote recusa comparecer e declara-se totalmente inocente.

Maio 2013: pela segunda vez, o CADTM interpela Gino Alzetta, representante da Bélgica no Banco Mundial, em relação aos factos de que é acusado J. de Groote. Gino Alzetta reitera o seu apoio a J. de Groote.

Julho 2013: o Ministério Público da Confederação Helvética (MPC) requer uma pena de dois anos de prisão prorrogáveis e o pagamento de 162.000 euros (200.000 francos suíços) contra Jacques de Groote.

Outubro 2013: Jacques de Groote é condenado pela justiça suíça por burla. Os cinco checos que organizaram a fraude são condenados a penas de prisão. Os fundos congelados (660 milhões de francos suíços) serão devolvidos às vítimas checas da fraude que teve lugar aquando da privatização.

 


Tradução: Rui Viana Pereira. Revisão: Teresa Xavier. Publicado no site do Comité para a Anulação da Dívida do Terceiro Mundo

Fontes: Biography: Dr. Jacques De Groote http://www.zoominfo.com/p/Jacques-D... ; Le Temps, Wall Street Journal, Le Soir e pesquisas do autor.

Notas

|1| Le Temps, «CH/TPF: épilogue d’une escroquerie au préjudice de l’Etat tchèque»,

http://www.letemps.ch/Page/Uuid/0fc...

|2| Le Temps, «Les six accusés de l’affaire MUS sont déclarés coupables»,http://www.letemps.ch/Page/Uuid/474...

|3| La Libre Belgique, «Jacques de Groote condamné à une amende avec sursis», 11-10-2013http://www.lalibre.be/economie/jacq...

|4| Béatrice Delvaux, « Jacques de Groote s’explique », Le Soir, 2 janeiro 1991http://archives.lesoir.be/jacques-d...

Eric Toussaint
Sobre o/a autor(a)

Eric Toussaint

Politólogo. Presidente do Comité para a Anulação da Dívida do Terceiro Mundo