You are here

Armadilha europeia

Como defender a Europa de si própria? É uma das perguntas que vão marcar as eleições europeias de maio do próximo ano.

Numa Europa de plano inclinado à direita e no auge da austeridade, esta será provavelmente a disputa eleitoral europeia mais importante dos últimos anos. Não apenas porque nela se testará a nossa capacidade de resistência ao crime de empobrecimento organizado, mas principalmente porque não seremos os únicos em campanha contra o institucionalismo europeu: a extrema-direita avança sobre a Europa lembrando que há fantasmas persistentes.

Não é só em Portugal e nos restantes países intervencionados que a austeridade marca o ritmo da luta de classes. Em todo o continente, estas eleições dão-se no quadro de uma profunda crise económica e de um enorme ataque aos direitos sociais e políticos. Uma das caricaturas desta Europa em plano inclinado é a França de Hollande, onde as expectativas de uma "austeridade inteligente" esbarraram na impossibilidade da quadratura do círculo. Apesar das eventuais diferenças políticas, há uma realidade comum que marca a Europa: em todos os países são os salários que estão a pagar o resgate financeiro dos bancos. Estamos mesmo a pagar a crise deles com as privatizações que nos expropriam de recursos públicos estratégicos, com a destruição do Estado Social e dos serviços públicos, com os cortes nas reformas e nos salários que são transferidos diretamente para os mercados através da dívida pública. Com altas taxas de desemprego e miséria que permitem um exército de mão de obra barata porque faminta.

E por isso esta é a Europa que não se consegue defender de si mesma. A União Europeia não só não foi capaz de responder à crise, como foi ela instrumento ativo do maior ataque alguma vez feito aos salários e ao estado social. Sucessivos tratados e sobretudo o de Lisboa, as regras do Banco Central Europeu e do próprio Euro, e o Tratado Orçamental construíram a UE como um instrumento na mão do capitalismo financeiro que, em tempos de austeridade, se transformou numa violenta arma contra os povos.

Merkel é a porta-voz desses interesses. Ela é a protagonista de uma Europa conservadora em que as pressões nacionalistas, por um lado, e autoritarismo do federalismo orçamental, por outro, forçam a desagregação e rompem qualquer resquício de solidariedade. Numa Europa desenhada para sacrificar o trabalho no altar da finança, as regras alemãs são as que permitem o máximo do abuso e da exploração.

A verdade é que a pergunta inicial deste artigo será feita na cabeça de milhões de trabalhadores europeus de maneira diferente: como defender-nos da Europa? A esquerda recusa a saída conservadora ultra-nacionalista da extrema direita que culpa os emigrantes, os estrangeiros, a democracia. Mas não podemos ignorar que essa é pergunta que fará também o povo deste país: que Europa é esta que nos condena à pobreza, ao desemprego e aos salários baixos? Que Europa é esta que impõe a privatização e a destruição da economia e só dá em troca miséria e mal viver?

A resposta só pode ser clara: esta não é a nossa Europa. Não defenderemos a Europa do capital. Temos clareza sobre o inimigo, vamos apontar o dedo aos responsáveis por fazer da austeridade e do empobrecimento razão de Estado, de Merkel a Cavaco, representantes terrenos de um deus-todo-poderoso financeiro.

Temos clareza sobre a rejeição da chantagem da dívida que justifica a austeridade, e também sobre a rejeição do autoritarismo federalista orçamental. Não nos confundimos sobre de que lado estamos e por isso não queremos disputar com o Partido Socialista sobre quem tem a melhor proposta para consertar esta Europa, queremos enfrentar diretamente todos os projetos federais que nos amarram à austeridade.

Qualquer ideia de que é possível consertar a Europa dos tratados desarma-nos para o combate essencial que nos espera: combater a política da troika sem troika. A Europa da Troika é a Europa do Tratado de Lisboa, e a política da Troika é o Tratado Orçamental que o PSD, o CDS e o PS aprovaram e com o qual querem inscrever a austeridade como valor constitucional.

Nas próximas eleições europeias bater-nos-emos, em primeiro lugar, contra o pacto centrista que ataca os direitos sociais e as garantias democráticas constitucionais. E combatendo a pobreza, combateremos a extrema-direita. O desafio é imenso, porque a História do fascismo repetir-se-à, sim, sempre que a democracia se puser no caminho do lucro, mas só se não tivermos força para o travar. Travemos a austeridade para mudar a história.

Sobre o/a autor(a)

Deputada e dirigente do Bloco de Esquerda, licenciada em relações internacionais.
(...)