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Ucrânia: Confronto entre Bruxelas e Moscovo

A situação encaminha-se aparentemente para um impasse no qual estão envolvidas a União Europeia e a Rússia. A UE, muito marcada pela vista grossa que tem feito às práticas pouco democráticas das “oposições oficiais”, e a Rússia, onde Putin pensa acima de tudo no peso da Ucrânia para os interesses económicos e estratégicos do seu país.

A Ucrânia parece às portas de uma rutura política e a imprensa europeia apercebe-se cada vez mais de que a questão da suspensão da assinatura de um tratado de comércio livre com a União Europeia decidida pelo presidente Viktor Ianukovitch é apenas um ponto de partida para um movimento mais alargado de desencanto com o clima político no país, do qual o maior proveito está a ser tirado por movimentos nacionalistas radicais.

O presidente Viktor Ianukovich está cada vez mais isolado internamente perante as manifestações populares que ganharam grande amplitude na Praça Maidan de Kiev e também a nível internacional: recusou o tratado de comércio livre com a União Europeia devido às previsíveis consequências sociais das "reformas estruturais" que lhe eram impostas e cujos resultados estão à vista em todo o continente e confronta-se com as pressões de Moscovo relacionadas com as tarifas alfandegárias e os preços do petróleo e do gás. Assinar com a União Europeia significava enfrentar Moscovo; romper com a União Europeia significa ficar na dependência económica da Rússia, situação que gera uma profunda divisão interna.

Esta divisão tem, como em convulsões anteriores, um conteúdo étnico que, de uma forma apenas simplista, traduz o confronto entre a região ocidental onde a língua ucraniana é dominante e a região oriental, de cariz russófono.

O poder está nas mãos de um membro desta comunidade, que derrotou nas anteriores eleições, por escassa margem, a favorita da União Europeia, Yulia Timoshenko, que cumpre sete anos de prisão por corrupção. A denominada "princesa do gás" continua a ser investigada aos níveis nacional e internacional por causa das somas astronómicas que, juntamente com o seu parceiro Pavel Lazarenko, igualmente ex-primeiro ministro, fizeram sair do país para contas pessoais nos Estados Unidos, na Suíça e em Antigua-Barbuda. Lazarenko saiu em 2012 de uma prisão californiana onde cumpriu oito anos por branqueamento de capitais, fraude e extorsão.

O apuramento destes factos e o seu conhecimento interno retirou apoio a Timoshenko que, apesar de tudo, continua a ser uma referência para os dirigentes da União Europeia. Embora o seu partido Nossa Ucrânia seja ainda o segundo mais representado no Parlamento, o facto de as cores laranja da anterior revolta personificada em Timochenko terem sido substituídas pelo azul e amarelo – combinação Ucrânia/UE – é interpretado como um maior distanciamento em relação à mais conhecida figura da oposição.

O poder de Viktor Ianukovitch é igualmente encarado como uma fonte de corrupção, compadrio e ligações mafiosas, atribuídas ao chamado "clã de Donbass", a histórica bacia mineira ucraniana.

Algumas publicações ocidentais, como a agência francesa Médiapart e o diário espanhol El País, fazem eco de uma ligação ainda débil entre os dirigentes da oposição no terreno e a dinâmica da manifestação, onde os grupos nacionalistas radicais, a exemplo do que acontece em grande parte da Europa, pretendem capitalizar o descontentamento geral com a política e o modo como é praticada a democracia.

O partido de extrema direita Liberdade, de Oleg Tiagnibok, parece ser o que tem maior capacidade de manobra junto dos manifestantes, sobretudo depois de ter "moderado"» o discurso ultra e neonazi desde que chegou ao Parlamento.

Na cena política começa a ascender o ex-campeão do mundo de boxe Vitali Klitchko, que tem procurado manter uma equidistância em relação ao principais movimentos, incluindo o nacionalismo, e que, segundo fontes da comunicação ocidental, tira proveito da sua fama desportiva e também do facto de ser considerado uma figura intocada do ponto de vista da corrupção.

Klitchko emerge como a figura dominante na aliança formada agora pela oposição, a Aliança Democrática Ucraniana para a Reforma, UDAR, palavra que significa "soco" na língua ucraniana.

Esta associação no terreno entre o ex-boxeur Klitchko, o chefe nacionalista Tiagnibok e o grupo do ex-presidente do Parlamento Arseni Yasenuk parece desempenhar o anterior papel de Timoshenko no enfrentamento ao Partido das Regiões, sem maioria absoluta, do presidente Ianukovitch.

Perante o isolamento crescente, o poder admite estar disponível para uma "mesa redonda" com a oposição. Os dirigentes oposicionistas, por seu turno, apelam a um maior controlo e maior calma nas manifestações, sem a certeza de serem escutados. As forças de segurança usam e abusam do seu poder. A situação encaminha-se aparentemente para um impasse no qual estão envolvidas a União Europeia, por um lado, muito marcada pela vista grossa que tem feito às práticas pouco democráticas das “oposições oficiais” e a Rússia, pelo outro, onde Putin pensa acima de tudo no peso da Ucrânia para os interesses económicos e estratégicos do seu país.

Artigo publicado no portal do Bloco de Esquerda no Parlamento Europeu

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