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O fingimento da besta

À bestialidade apregoada só se responde defendendo recuperação económica com base na justiça social. O Bloco continuará por isso a bater-se pelo aumento do Salário Mínimo Nacional.

Há quem nunca consiga esconder a cegueira de ser a voz do dono. Mesmo quando para isso é preciso insultar a maioria da população, falsear dados, e augurar-se do academismo para fazer afirmações que mais não passam do que barbaridades insustentáveis. Ontem fomos brindados com mais uma destas cenas, numa entrevista abominável, que ecoou nas redes sociais. Já tardava até que alguém viesse a palco e usasse da sua verve reacionária, para a todo custo tentar devolver algum crédito ao guião dos cortes do estado. Para sustentar que “os cortes nos salários e nas pensões são o caminho”, diz-nos esta sumidade, antigo assessor económico de Cavaco, que "a maior parte dos pensionistas não são pobres, estão apenas a fingir que o são". Na mesma linha, sustenta que "aumentar o salário mínimo é criminoso". Com salários baixos ou de miséria é que isto está bem, e recomenda-se.

Fingir a pobreza. É esta a acusação com que pretende sustentar a teoria de que temos todos de empobrecer para que o país seja economicamente viável. Em democracia é possível dizer-se todo o tipo de aberrações com todo o cinismo. Mas é com objetividade e números claros que se combatem as teorias absurdas. Atualmente cerca de 66% dos pensionistas (da Segurança Social e CGA) ganham menos de 500 euros. 77% ganham abaixo de 750 euros. Só 6% dos reformados da Segurança Social ganham mais de 1.000 euros. Dos reformados do sistema público (que representa 1 quinto do total de pensionistas), só perto de 30 por cento ganha acima de 1.500 euros. Na verdade e feitas as contas a maioria dos reformados nem sequer poderia fingir que é pobre, se o quisesse. Não há fingimento possível. Há pobreza.

A pobreza não é um critério vago, com o qual se pode brincar, é um número real. Como os salários baixos e indignos. Portugal é hoje um dos países com maior desigualdade salarial da União Europeia e onde existe uma maior percentagem de trabalhadores/as pobres ou em risco de pobreza. Mais de um milhão e duzentos mil trabalhadores são pobres devido ao trabalho precário e parcial, subemprego, e também à desvalorização do próprio salário mínimo nacional (SMN), congelado desde 2011. Não há virtude económica ou social nos salários baixos, que não garantem aos trabalhadores que os auferem um rendimento justo nem uma vida em condições de dignidade humana. Não há criação de emprego com salários de miséria. O SMN baixo é bitola com que se pressiona a baixa geral dos salários e não põe a economia a crescer, não nos tira do buraco. Ao invés, a procura interna, motor da economia, poderia respirar, já que um pequeno aumento no rendimento dos trabalhadores tem impacto direto na economia, pois será utilizado no consumo de bens e serviços, e daí resulta na criação de emprego. Impedir a subida do SMN, que significaria um acréscimo de custos marginal na estrutura de custos de qualquer empresa, apenas tem como consequência perpetuar a recessão e o desemprego.

O Bloco continuará por isso a bater-se pelo aumento do SMN, repetindo este compromisso já em sede de OE 2014. À bestialidade apregoada só se responde defendendo recuperação económica com base na justiça social. Bom era que esta besta fosse a fingir. E não me refiro à pobreza, nem aos salários baixos.

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Jornalista
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