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As pessoas são ingratas

Ingrata que sou e me assumo, não quero mais este remédio, que não cura mas mata.

José Gomes Ferreira, comentador da SIC, teve a coragem de afirmar dia 14, no Primeiro Jornal, que «as pessoas são ingratas». Isto enquanto explicava que o FMI nos tinha ajudado a sobreviver durante dois anos e meio.

Desde ontem, altura em que ouvi essa frase, que não consigo deixar de pensar nela. E nem sei por onde começar a agradecer estes dois anos que passaram… e os muitos que estão para vir, de planeada austeridade eterna. Realmente, as pessoas são muito ingratas, e só assim se explica que não entendam o que o governo tem tentado explicar: tudo isto é para o nosso bem!

Atropela-se a Constituição, rasgam-se acordos de trabalho, despede-se sem escrúpulos, corta-se na saúde e na educação: temos austeridade para sempre, para um povo que se quer manso. As pessoas são muito ingratas!

Enchem-se as salas de aula de crianças, corta-se nos professores, corta-se no material (os pais que levem), arranjam-se voluntários para trabalhar de graça nas escolas (desde quando é que se pode esperar um salário… só porque se trabalha?!), e avaliam-se todos, desde pequeninos, para ver se passam no teste desta gloriosa nova vida pós-austeridade eterna e pró-troika. As pessoas são mesmo ingratas!

E quem não quer ver que isto é tudo para seu próprio bem, tem bom remédio: que emigre, como fizeram mais de duzentas mil pessoas nos últimos dois anos, deixando para trás as negras estatísticas dos anos 60. As pessoas são realmente ingratas!

Querem reduzir-nos a humanidade ao prato de sopa que engana a fome, gratos e calados; mas eu, que sou mesmo e realmente muito ingrata, quero muito, muito mais. Sobretudo quando é cada vez mais óbvio que a propaganda diária dos media, para vender, desesperadamente, a ideia de que estamos no «bom caminho», é falsa. Até o mesmo FMI, o tal que proclama a austeridade eterna, http://visao.sapo.pt/fmi-quer-que-cortes-previstos-para-2014-sejam-permanentes=f757311 e a quem José Gomes Ferreira acha que temos de agradecer, voltou a reconhecer que falhou nas previsões http://www.ionline.pt/artigos/dinheiro/fmi-admite-falhou-mais-nas-previsoes-portugal.

Ingrata que sou e me assumo, não quero mais este remédio, que não cura mas mata. Todos os que queremos mais do que mentiras, porrada e mau-viver, e ainda exigimos igualdade de oportunidades, um verdadeiro estado social, direito ao trabalho, à reforma, à educação, à cultura, seremos eternamente ingratos. Até porque não há regresso aos mercados que valha uma vida sem dignidade.

Troika Rua!


 

Sobre o/a autor(a)

Docente de Técnica Especializada, Profissionalizada no grupo 600
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