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Perdura a crise na zona euro

É verdade que a crise na zona euro terminou? A resposta é negativa. O regresso a taxas de crescimento anémicas não pode ser interpretado como recuperação. Esses níveis de atividade denotam uma grande fragilidade e não devem disfarçar a delicada situação em que se encontram os bancos europeus. Um crescimento de 1,1 por cento não permitirá reverter a catástrofe social que hoje sofre a zona euro. Por Alejandro Nadal
Na Grécia e na Espanha a taxa de desemprego atinge 27,5 e 26 por cento, respetivamente, enquanto em Portugal e em Itália esse indicador ultrapassa 16 e 12,5 por cento, respetivamente. A magnitude do desastre percebe-se melhor ao considerar o desemprego entre os jovens: na Grécia, Espanha e Itália atinge 58, 56 e 41 por cento, respetivamente

Nos últimos meses instalou-se uma sensação peculiar sobre a crise na Europa. Apesar dos terríveis níveis de desemprego, da queda na procura agregada e de taxas de crescimento anémicas nos países da zona euro, agora predomina a impressão de que a Europa entrou numa fase de recuperação. Parece que o neoliberalismo merece salvar-se: as suas receitas para a crise teriam bom resultado.

Por todos lados aparecem sinais de que o pior da crise passou. O indicador mais apontado é a redução do superavit primário (despesa pública sem contar com as despesas financeiras) em quase todos os países membros da zona euro. No caso da Grécia e da Itália há até uma projeção para 2014 de um superavit primário equivalente a 2,35 por cento do PIB.

Outro resultado que é exibido como prova da recuperação é o da estabilidade dos mercados financeiros. Diz-se que esta é o principal resultado da decisão do BCE de intervir na compra de títulos no mercado secundário desde 2011. Mas o indicador que se considera mais robusto é o do crescimento. Segundo os prognósticos da Comissão Europeia os países da zona euro mostrarão um crescimento agregado de 1,1 por cento em 2014 (depois de cair 0,4 por cento em 2013).

O corolário deste conjunto de bons resultados é que as receitas impostas pela troika (Bruxelas, FMI e Banco Central Europeu), isto é, a austeridade e os condicionamentos impostos funcionam, como diz Ollie Rehn, comissário europeu de assuntos económicos e monetários.

É verdade que a crise na zona euro terminou? A resposta é negativa. O regresso a taxas de crescimento anémicas não pode ser interpretado como recuperação. Esses níveis de atividade denotam uma grande fragilidade e não devem disfarçar a delicada situação em que se encontram os bancos europeus. Um crescimento de 1,1 por cento não permitirá reverter a catástrofe social que hoje sofre a zona euro.

Em 2014 o desemprego permanecerá em 12,2 por cento. Na Grécia e na Espanha a taxa de desemprego atinge 27,5 e 26 por cento, respetivamente, enquanto em Portugal e em Itália esse indicador ultrapassa 16 e 12,5 por cento, respetivamente. A magnitude do desastre percebe-se melhor ao considerar o desemprego entre os jovens: na Grécia, Espanha e Itália atinge 58, 56 e 41 por cento, respetivamente.

E que se passa com os indicadores da dívida? Todos os países que aplicaram as receitas de austeridade fiscal tiveram um aumento espetacular na sua dívida em proporção do PIB. Isto é, os países que conseguiram reduzir o seu défice primário sofreram o incremento deste coeficiente dívida/PIB. Ou seja, a austeridade fiscal e as condições impostas serviram para agravar o problema da dívida pública na zona euro. O melhor exemplo é a Grécia, que tinha um coeficiente dívida/PIB de 120 por cento no início da crise e hoje esse coeficiente ultrapassa 170 por cento. O saldo de tudo isto é claro: para poder pagar essa dívida os países da periferia teriam que gerar um altíssimo superavit primário durante as próximas duas décadas. Isso significa deixar para trás os seus investimentos em matéria de saúde, educação, habitação e infraestruturas. Em síntese, a dívida é impagável.

Como interpretar tudo isto? As políticas de austeridade foram aplicadas num contexto de grande desendividamento do setor privado e das famílias. A única maneira de manter níveis adequados de atividade seria manter um forte superavit na balança comercial. O problema é que o resto do mundo não pode funcionar para a Europa como uma espécie de procura agregada substituta, porque a economia mundial também se encontra numa situação de grande fragilidade.

A arquitetura da união monetária, marcada pelos dogmas do neoliberalismo, contém vícios de origem que deverão ser reparados para que a zona euro sobreviva. A zona euro não poderá sobreviver sem mudanças significativas na arquitetura dos acordos que conduziram à união monetária.

Entre as reformas mais urgentes encontra-se a introdução de uma euro-tesouraria que permitisse ligar de novo a política fiscal com a política monetária. Isso permitiria financiar o investimento público de maneira estável, tirar o poder que hoje têm as agências de rating e proporcionar um estímulo às economias mais necessitadas da zona euro para começar a sair do marasmo no qual se encontram. Estas reformas deveriam ser acompanhadas de um forte impulso nas políticas de redistribuição do rendimento para gerar maior estabilidade na procura agregada.

Talvez a mudança mais importante seja, no entanto, reverter a tendência para expropriar a capacidade de os povos da Europa decidirem sobre o futuro das suas economias. Hoje vemos uma situação em que as faculdades soberanas dos governos europeus em matéria económica estão concentradas em organismos que não correspondem ao acordo das maiorias num processo democrático ou eleitoral.

Artigo de Alejandro Nadal, publicado em La Jornada em 13 de novembro de 2013. Tradução de Carlos Santos para esquerda.net

Sobre o/a autor(a)

Economista, professor em El Colegio do México.
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