A sociedade americana corre grandes perigos

03 de November 2013 - 20:23

O grave enfraquecimento das liberdades civis e dos direitos à privacidade do povo americano pelas administrações Bush e Obama transformou em doze anos, os Estados Unidos num Estado de Vigilância global. Por Jack A. Smith

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Uma pessoa pode ter um voto, mas um multimilionário – em virtude de financiar certos candidatos – tem o equivalente a milhares de votos no dia das eleições, defende Jack Smith.

De toda a desgastante confusão e gritaria política que emana de Washington nestes dias, há verdadeiramente pouco para além do que se tornou virtualmente numa rotineira paralisia política.

Nenhuma das diferenças chave que são esgrimidas pelos políticos parecem relacionar-se directamente com estas cinco questões específicas verdadeiramente cruciais e ameaçadoras com que o povo americano se confronta:

1. A erosão da democracia americana por um sistema político flagrantemente dominado pela grande riqueza, as grandes corporações, Wall Street e os grandes bancos. Uma pessoa pode ter um voto, mas um multimilionário – em virtude de financiar certos candidatos – tem o equivalente a milhares de votos no dia das eleições, nas legislaturas federais e dos estados e consequentemente nos gabinetes executivos. Isto parece-se muito mais com uma oligarquia (domínio de um pequeno grupo de poderosos e de interesses) do que com genuína democracia.

2. O grave enfraquecimento das liberdades civis e dos direitos à privacidade do povo americano pelas administrações Bush e Obama transformaram em doze anos, os Estados Unidos num Estado de Vigilância global. O que aconteceu às “investigações e equilíbrios” que era suposto existir no sistema político dos E.U.A. para proteger as pessoas de tais abusos? O nosso correio, o email, a internet, os telefones e outros aparelhos electrónicos estão agora a ser ilegalmente acedidos à vontade pelo governo dos Estados Unidos e por muitas agências de espionagem. Algures nos Estados Unidos, um potencial regime do Big Brother está pacientemente nos bastidores a aguardar pelas condições para amadurecer. O aparelho está preparado.

Em ligação com isto, o Washington Post denunciou a 5 de Outubro: “David Sanger, o repórter do New York Times que passou duas décadas a dar informações a partir de Washington, diz que a administração Obama é a “administração mais fechada e controladora que ele cobriu até agora. Essa crítica vem de uma notícia sobre liberdade de imprensa nos Estados Unidos escrita pelo anterior editor do Washington Post Leonard Downie Jr., na qual ele afirma que os repórteres sobre segurança nacional enfrentam “desafios vastos e sem precedentes” em resultado da vigilância governamental, secretismo e “controlo sofisticado” do acesso dos media às notícias do governo.”

3. A rapidamente crescente desigualdade económica atingiu um ponto em que cerca de metade da população tem baixos salários ou é pobre, enquanto a classe média está a ficar depauperada e a elite de 1% a 5% vive como a realeza. Entretanto, o desemprego e os despejos continuam elevados enquanto os programas sociais que beneficiam as pessoas estão na tábua de cortar. Como pode haver uma democracia saudável se não existe sequer uma semelhança com a democracia económica para os pobres, a classe trabalhadora, a classe média baixa e agora também largos sectores da classe média?

4. As alterações climáticas já estão em cima de nós e contudo – apesar de alguns recentes balbucios da Casa Branca em baixar as emissões de gás com efeito de estufa – os Estados Unidos vão dentro em breve tornar-se o maior produtor de petróleo bruto e de gás natural, graças às políticas da administração Obama. Washington sempre exige ser reconhecido como líder mundial, se necessário pela força, e agora está a conduzir o mundo para um desastre ao ignorar a crise climática por medo de perturbar os lucros das corporações e da finança.

5. O governo dos Estados Unidos está determinado em permanecer como a superpotência militar mundial, gastando para cima de $600 mil milhões por ano no Pentágono e uma igual quantia em vários empreendimentos de “segurança nacional”  - ao todo mais do que $1.2 biliões por ano. O Presidente Obama mantém guerras no terreno ou com war drones no Afeganistão, Paquistão Ocidental, Iémen e Somália enquanto continua a aumentar os preparativos militares contra a China. Ao mesmo tempo, Obama envia forças militares especiais do Comando de Operações Especiais Conjuntas (JSOC) para montes de países em todo o globo para assegurar interesses dos Estados Unidos – e a maior parte dos Americanos não tem sequer ideia de que isto está a acontecer.

Obviamente que de uma perspetiva de esquerda, o principal perigo são os Republicanos – a extrema-direita, os reacionários do Tea Party, a maior parte dos grandes negócios e da finança, os libertários, os moderados receosos, os fundamentalistas da Bíblia e os racistas que sobram. Eles são habitualmente contra o direito ao aborto e negam o aquecimento global. Muitos querem “encolher” o governo federal para eliminar a Segurança Social e todos os programas sociais que beneficiam as pessoas, destruir todas as medidas reguladoras dos grandes negócios e erigir barreiras quase inacessíveis contra o movimento dos trabalhadores.

Contudo, as cinco questões-chave acima referidas são o produto quer do Partido Republicano, quer do Partido Democrata. Os libertários e o Tea Party opõem-se fortemente à erosão das liberdades civis. Os libertários são lealmente contra a guerra imperialista. Na verdade, a maior parte dos Democratas parece desvalorizar as duas questões quando o seu partido ocupa a Sala Oval.

O Partido Democrata é um perigo secundário (ou um mal menor, se se preferir). Apesar de controlar a Casa Branca e o Senado há cinco anos e a Casa há dois desses anos – provou ser incapaz de montar um contra ataque efectivo contra a ideologia da direita desenfreada, não porque os Democratas de centro direita tenham a orientação política ou a vontade para servir adequadamente as necessidades das famílias trabalhadoras americanas. Ambos os partidos estão casados num sistema de empresas privadas totalmente baseado na desigualdade económica em casa e nas guerras imperialistas no estrangeiro. Pode isto honestamente ser objecto de dúvidas por parte dos liberais e dos progressistas, mesmo se estes, sem margem para dúvida, puxarem a alavanca para Hillary Clinton e mais do mesmo em 2016?

O que fez o Partido Democrata para parar a erosão da democracia americana?  O que fez para reforçar as liberdades civis? O que fez (nos últimos 50 anos) para inverter o fosso da desigualdade crescente entre ricos e pobres? O que fez para acabar com as guerras e para reduzir substancialmente os gordos orçamentos militar/segurança nacional de modo a investir em programas sociais? O que fez para dar passos significativos para converter os combustíveis fósseis em fontes de energia renovável? Não fez nada de significativo.

A nossa sociedade americana está a mudar rapidamente para o pior. Todos nós podemos ver isso. Ainda tem um caminho a fazer que pode ser parado e invertido antes que o impulso direitista se torne incontrolável. Para fazer isso, é absolutamente necessária uma nova política progressista de esquerda. A marcha da direita tem de ser detida e obrigada a fazer marcha atrás. A marcha da esquerda (não o mal menor do centro direita) tem de arrancar. Tudo o resto, em nossa opinião, não passa de ilusões.

Jack A. Smith é editor da Activist Newsletter e editor fundador do semanário de esquerda Guardian (EUA).

Tradução de Almerinda Bento para o Esquerda.Net

Artigo publicado no portal americano de esquerda Dissident Voice