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Fadiga de austeridade

Algumas notícias e relatórios, menos boçais que os da troika, assinalam que em Portugal existe uma situação de “fadiga de austeridade”. E, de facto, a expressão sublinha algo de importante.

O governo fala em melhorias para 2014 e Paulo Portas apressa-se até a pré-anunciar a saída da “recessão técnica”, como lhe chamou. Contraditoriamente, o OE para 2014 é assumidamente ainda mais recessivo do que o de 2013.

O governo anuncia de novo a “luz ao fundo do túnel” para quando daqui a meses “terminar” o programa do memorando. Para, logo de seguida, falar na necessidade de um “programa cautelar”. O segundo resgate mudou de nome, nas palavras do governo e da troika, agora é “programa cautelar”. Qualquer cidadão mediano percebe que, afinal, a “luz ao fundo do túnel” do governo é mais um comboio de austeridade que aí vem.

E, quem se lembrar de Vítor Gaspar percebe que... está igualmente tudo bem, como quando ele estrondosamente se demitiu, divulgando uma carta onde desmentia o que antes afirmara.

A repetição destas situações e mentirolas, com agravamento constante da austeridade e das condições de vida das pessoas dá fadiga de austeridade.

E, este cansaço nota-se em tudo na vida social, no quotidiano de cada um de nós.

Todos os dias sentimos que vivemos pior, todos os dias somos, cada vez mais, abordados por pessoas de qualquer sexo e de todas as idades, que nos pedem esmola para sobreviver.

Pensar que a situação nos aquieta, nos acalma, é esquecer a realidade que vivemos.

Na verdade, estamos mesmo cansados de estar fartos! E a fadiga chega até ao protesto.

Mas engana-se quem pensar que a repetição de doses agravadas de cortes e de austeridade provoca a conhecida reação: “primeiro estranha-se e depois entranha-se”.

O descontentamento cresce com a vida, com a miséria, com a política governamental,com a austeridade continuamente piorada. A fadiga da austeridade é esse cansaço de descontentamento, que procura saída para a mudança.

E inevitavelmente essa alteração vai acontecer. O que se está a passar é uma deslocação lenta, mas profunda nas relações sociais e políticas - uma recomposição de forças.

O descontentamento pode vir até a manifestar-se em falsas e enganosas saídas. Como a aposta no mal-menor da austeridade “adocicada” à moda de Seguro, que só abrirá portas a um desastre, como vemos com Hollande em França. A vitória de Rui Moreira no Porto, nas últimas eleições autárquicas, deve no entanto alertar-nos para algo bem mais vasto do que uma mera alternância de partidos.

Cabe à esquerda apresentar propostas, para disputar com força a deslocação social que vai acontecendo. Certamente que é indispensável continuar a resistir aos cortes e prosseguir a oposição à troika e ao seu governo. Mas é preciso bem mais.

Resposta política ao austericídio, que dê continuidade e reforce a exigência de demissão do governo, em rotura com o memorando da troika.

Saídas para a luta inovadoras, amplas e que somem forças, prosseguindo e renovando o combate necessário à nefasta política de austeridade.

Diversificação de agendas, para permitir a renovação dos protestos e das forças.

E, sobretudo, mais e mais participação, que alimenta o ânimo e acumula energias.

Afinal, o oposto do programa da troika.

Sobre o/a autor(a)

Editor do esquerda.net Ativista do Bloco de Esquerda.
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