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Brutalidade policial, saúde mental e o “modelo de Memphis”

Hawa Bah chamou o 112 para pedir assistência médica para o seu filho, Mohamed. Em lugar de receber assistência médica, Mohamed teve de enfrentar o Departamento de Polícia da Cidade de Nova York. Horas mais tarde morreu no seu apartamento às mãos da polícia, com oito disparos, um deles na cabeça.

Esta semana, Elsa Cruz interpôs um processo num tribunal federal de Nova York, meses depois de a polícia ter disparado e matado o seu esposo. Em maio deste ano, Cruz chamou o 112 para pedir ajuda para o seu esposo, Samuel. Temia que ele não tivesse tomado a medicação enquanto ela estivera de férias no seu país de origem, Filipinas. Quase oito meses antes da morte de Cruz, não muito longe, em Harlem, Hawa Bah chamou o 112 para pedir assistência médica para o seu filho, Mohamed. Em lugar de receber assistência médica, Mohamed teve de enfrentar o Departamento de Polícia da Cidade de Nova York. Horas mais tarde também morreu no seu apartamento às mãos da polícia, com oito disparos, um deles na cabeça. A sua irmã, Oumou Bah, iniciou um processo contra a Cidade de Nova York e contra vários oficiais de polícia. Se bem que nenhum dos julgamentos devolva a vida às vítimas, eles poderão evitar outras mortes ao obrigar os Departamentos de Polícia de New Rochelle e de Nova York a adotar uma prática policial cada vez mais reconhecida para lidar com pessoas em situação de stress emocional, denominada “modelo de Memphis”.

Na passada terça-feira no programa de notícias “DemocracyNow!”, tive a oportunidade de entrevistar em exclusivo Hawa Bah e Elsa Cruz. Elas não se conheciam. Viram-se pela primeira vez no nosso estúdio.

Hawa Bah viajava todos os anos da Guiné, em África, para Nova York afim de ver o seu filho Mohamed. Na sua última visita, a deterioração do estado de saúde do seu filho surpreendeu-a. Tinha perdido muito peso e tinha um corte por cima do olho. Agia de forma errática. Suspeitou que ele estava deprimido e quis levá-lo ao hospital. Como não conseguiu convencê-lo para que fosse ao hospital, pediu ajuda aos seus amigos, que lhe sugeriram que chamasse o 112. Hawa disse-me: “Quando vi a patrulha, olhei para eles e disse-lhes: 'Eu não chamei a polícia, chamei uma ambulância'. E eles disseram-me: 'Não se preocupe, senhora. Aqui, em Nova York, quando chama uma ambulância, nós chegamos antes. Vemos a pessoa e chamamos a ambulância'. Disseram-me ainda: 'Não se preocupe, o seu filho ficará bem'”.

Os oficiais do Departamento de Polícia de Nova York nunca disseram a Mohamed Bah que estavam ali porque a sua mãe os tinha chamado. Hawa Bah continuou: “Bateram à porta e não disseram a Mohamed: 'A tua mãe diz que deves ir ao hospital'. Disseram-lhe simplesmente: 'Abre a porta, Mohamed. Viemos procurar-te'”.

Hawa Bah suplicou à polícia que a deixassem falar com o seu filho, mas não lho permitiram. Também não disseram a Mohamed que a sua mãe estava com eles. O seu advogado, Randolph McLaughlin, explicou o que sucedeu a seguir: “Após mais de uma hora de gritaria, de pancadas na porta, de passagem de coisas por baixo da porta, como uma espécie de espelho, derrubaram a porta, dispararam com uma pistola paralisante, aplicaram-lhe choques elétricos nos testículos e dispararam oito vezes. A última bala foi diretamente à cabeça. O tipo de ferida que tinha à volta do orifício indica que dispararam de uma distância muito curta”.

A 26 de maio, Samuel Cruz, tal como Mohamed Bah, estava a comportar-se de forma estranha. Elsa chamou o 112. Contou-me o que disse à operadora: “Não sei que se passa com o meu esposo. Precisa de ajuda. Poderá, por favor, enviar alguém para que me ajude a levá-lo ao hospital? A operadora respondeu-me: 'O seu esposo está a causar dano a alguém'” E eu disse-lhe: “Não, senhora, não. Ele é muito boa pessoa. Nunca prejudicou a ninguém. Poderá, por favor, enviar alguém, ou fazer qualquer coisa? E ela disse que sim”.

A polícia de New Rochelle chegou ao lugar, segundo descreveu Elsa “vestidos para a guerra”: “Tinham escudos, tinham armas, e parecia que iam para a guerra. Eu disse-lhes 'Posso entrar em minha casa? Posso falar com ele? E disseram-me: 'Não. Ninguém pode falar'”.

A polícia entrou no apartamento à força e matou o seu esposo a tiro.

Tanto o Departamento de Polícia de Nova York, no caso de Bah, como a polícia de New Rochelle, no caso de Cruz, afirmam que a pessoa em dificuldade ameaçou os oficiais com uma faca. Outro advogado de Bah e de Cruz, Maio Bartlett, afirmou: “O que chama a atenção neste tipo de casos é o facto de que não se chamou a polícia por causa de um delito. Não há urgência. Não há necessidade de atuar de imediato”.

Aqui é onde entra em cena o “Modelo de Memphis”. O presidente da câmara Sam Cochran é um oficial reformado da polícia de Memphis, Tennessee. Em 1987, a polícia respondeu à chamada de um homem que se estava a aleijar a si próprio e a ameaçar outras pessoas com uma faca. A polícia matou o indivíduo. Os protestos da comunidade levaram o presidente da câmara a exigir uma solução urgente. Foi criada a Equipa de Intervenção em Casos de Crise (CIT, na sigla em inglês). Sam Cochran explicou-me o que são os CIT: “CIT é uma equipa de intervenção em casos de crise. Não se trata de um programa das forças de segurança, mas sim de um programa comunitário que tem três partes: as forças da lei, os serviços médicos de saúde mental e as equipas de defesa”. Perante uma chamada deste tipo, a CIT envia um oficial capacitado ou um profissional da saúde mental ao local para acalmar a situação. Desde a sua criação em Memphis, este modelo de intervenção foi adotado em mais de 2.500 comunidades em 40 estados dos Estados Unidos, e também a nível internacional.

As famílias Cruz e Bah iniciaram processos para exigir aos Departamentos de Polícia de New Rochelle e de Nova York que adotem a política de resposta dos CIT. Como explicou o advogado Randolph McLaughlin: “A polícia sustenta exatamente o mesmo no caso de Bah e no de Cruz: 'Enfrentou-nos com uma faca e matámo-lo'. Então, surgem várias perguntas: Qual era o plano? Tinham um plano quando derrubaram a porta? Por que derrubaram a porta? Por que não acalmaram os ânimos? Por que pioraram a situação? De facto, os polícias que atuaram em todos estes casos não foram treinados para intervir em situações de crise. Foram treinados para usar a força, uma força mortal. E se essa é a única arma que um polícia tem à sua disposição, utilizá-la-á”.

Artigo publicado em Truthdig a 25de setembro de 2013. Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna. Texto em inglês traduzido por Mercedes Camps para espanhol. Tradução para português de Carlos Santos para Esquerda.net

Sobre o/a autor(a)

Co-fundadora da rádio Democracy Now, jornalista norte-americana e escritora.
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