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Grécia: “Há uma corrida entre as alternativas progressistas e soluções autoritárias”

Para o professor de filosofia política grego Stathis Kouvelakis, ouvido pelo Esquerda.net, o resultado das terapias de choque aplicadas no país é o colapso do velho sistema político, com uma profunda desintegração do Estado e o surgimento de situações explosivas, em que o Syriza é a única esperança de alternativa progressista contra as soluções autoritárias das forças políticas dominantes.
Stathis Kouvelakis: um governo progressista de esquerda enfrentará uma enorme reação tanto interna quanto internacionalmente, e sem mobilização popular não conseguirá implementar o seu programa.

Na Grécia está em curso uma corrida entre as alternativas progressistas, como a do Syriza, e soluções autoritárias como as defendidas não só pelos fascistas, mas também por todo um setor do Estado e das forças políticas dominantes, disse ao Esquerda.net o filósofo e dirigente político grego Stathis Kouvelakis. “Desesperadas pelo beco sem saída a que chegou a situação que criaram, estas forças são tentadas a seguir um caminho radicalizado e autoritário”, alerta o professor do King's College.

Stathis Kouvelakis esteve neste sábado no II Congresso Internacional Karl Marx, onde falou no painel “Marxismo e a Grande Depressão de 2008”. Mas, inevitavelmente, a conversa com o repórter do Esquerda.net giraria em torno da situação política grega. Não é para menos: nenhum país europeu que foi alvo das terapias da troika teve, como a Grécia, uma contração de 27% desde o início da atual crise, nem viu reduzidos em 40% os custos do trabalho. “A Grécia tornou-se num laboratório para a aplicação da terapia de choque nos países europeus ocidentais avançados”, define Kouvelakis, ressalvando que o que há de novo é justamente o novo cenário de aplicação, já que “o que está a acontecer na Grécia é muito bem conhecido por alguém que venha da América Latina, por exemplo. A diferença é ser a primeira vez que são postas em prática no contexto europeu ocidental”.

Para o também dirigente do Syriza, o que está a acontecer na Grécia revela “o verdadeiro papel das instituições europeias e da União Europeia, a função do euro e da Zona Euro no contexto atual da financeirização, e também a forma como a democracia e os direitos sociais básicos estão a ser completamente negados”.

Todo o antigo sistema político desapareceu”

As consequências políticas são devastadoras, adverte o professor de filosofia política. “Todo o antigo sistema político desapareceu, e há fenómenos de profunda desintegração do Estado, tanto na sua dimensão social e dos serviços públicos, como também no núcleo do Estado, incluindo o aparelho repressivo, o próprio Exército, que também foi atingido pelo atual processo de contração da atividade e também pelos cortes orçamentais”.

No meio de uma atmosfera geral de que a autoridade do Estado já não se sustenta, ocorrem situações absolutamente explosivas e muito contraditórias. “Há uma radicalização política tanto na esquerda quanto na direita, e a ascensão pela primeira vez, no contexto da Europa ocidental, de um movimento fascista, com apoio real em certos setores da sociedade, e também com a capacidade de infiltrar-se em certos setores do Estado, e até da polícia, como vimos recentemente”, aponta Kouvelakis.

O Syriza é a única esperança de alternativa progressista

Do lado da esquerda, o Syriza tem sido a força política onde vem desembocar todo este processo de revolta popular e de recusa da política de austeridade. “É a única esperança de alternativa progressista que, como sabe, perdeu por pouco as eleições do ano passado”. Esta derrota eleitoral pode ser vista de duas formas, analisa o professor: por um lado, “é a primeira vez na Europa do pós-guerra que uma força da esquerda radical aparece em posição de chegar ao governo”. Por outro lado, a derrota, apesar de por pouco, “teve um efeito desmoralizador em todos os que achavam que tinha chegado o momento de romper com a situação atual”.

Um ano e meio depois, a sociedade está ainda mais traumatizada, devido à continuidade das terapias de choque, e os fascistas tornaram-se a terceira força política do país. “Penso que, no laboratório grego, existe uma corrida entre as alternativas progressistas, como a do Syriza, e soluções extremamente perigosas e autoritárias como as defendidas não só pelos fascistas, mas também por todo um setor do Estado e das forças políticas dominantes”, adverte.

Soluções autoritárias

Stathis Kouvelakis não acredita na ocorrência próxima de um golpe de Estado, porque não vê que o problema na Grécia seja o Exército. “Creio que o que provavelmente chega mais perto disso é uma estratégia de tensão, na qual setores linha-dura do Estado – mais na polícia e nas forças de segurança que no Exército – e setores da elite política, implementem a sua solução autoritária, provavelmente mantendo a fachada do regime parlamentar, eleições, etc. Mas esse regime seria uma espécie de concha vazia, e no seu lugar ficaria um Estado muito controlado e autoritário, claramente muito diferente do tipo de coisas que vimos até há pouco”.

Quanto à política do Syriza, considera que a prioridade é derrubar o atual governo, sem esperar pelo processo parlamentar normal. “Usamos todas as nossas forças para reforçar a resistência e os movimentos populares, queremos reforçar o espírito de resistência, oferecendo uma alternativa e provocando, o mais cedo possível, novas eleições com a esperança de que se elas chegarem no contexto de um ascenso do movimento popular”.

Se isto ocorrer, abrir-se-á uma nova possibilidade de constituir-se um governo progressista de esquerda. “Porque, evidentemente, enfrentaremos uma enorme reação tanto interna quanto internacionalmente, e sem mobilização popular não conseguiremos implementar o nosso programa”, conclui.

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Jornalista do Esquerda.net
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