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Um mar pequeno demais faz-se grande para tanta sepultura

O Mediterrâneo, mar que terá de servir para unir e para juntar, continua a ser a sepultura dos povos a quem destroem o ecossistema e recusam depois a entrada noutras realidades económicas.

Centro de civilizações, de impérios e de religiões , em seu redor se movimentaram populações, exércitos, armadas, amantes, aspirações, sonhos, democracias e ditaduras.

O que me leva a escrever sobre este importante centro , berço da filosofia, da democracia e do humanismo, é a sua recente mudança de paradigma. Um mundo com uma economia globalizada pelas regras de um mercado numérico, desumanizado e cumulativamente monetarizado, é incapaz de absorver os impactos decorrentes de um injusto desenvolvimento multipolar, onde só as garantias de um baixo salário e de nenhuns direitos estão asseguradas…

Num mundo global, com ilhas localizadas de super-exploração garantida, que animam o mercado mundial, neste estádio de um capitalismo cada vez mais disfuncional na sua vertente desenvolvimentista, as vítimas continuam a somar-se em milhares e milhões.

Assistimos ao renascer de uma espécie de guerras púnicas, que de 264 a 146 a.C. passaram para o século XXI, já não entre a República Romana e a República de Cartago, mas como que numa sequência migratória, ou numa quarta “guerra púnica”, com milhares de mortos, dentro de uma Europa cada vez mais fortaleza, fechada no seu espaço.

Europa que “espolia”, mercantilmente, as riquezas naturais de outras partes do mundo, designadamente de África, favorecendo as elites aí reinantes, em desfavorecimento dos povos e das economias ancestrais aí existentes, criando desequilíbrios não sustentáveis do ponto de vista económico e humano, dando, como única fuga a uma morte certa, a migração para outras regiões do planeta, onde a garantia de vida parece ser maior. Surge o Mediterrâneo como o último obstáculo a esse mundo, onde toda a horda de traficantes, oportunistas e assassinos se aproveitam das populações esfomeadas para lhes cobrarem fortunas na promessa de uma travessia, já clássica para a história, deste mar. Mar que terá de servir para unir e para juntar, mas que continua a ser a sepultura dos povos a quem destroem o ecossistema e recusam depois a entrada noutras realidades económicas, a dos destruidores… A ironia desta hipocrisia humanitária é que, depois de mortos, se lhes atribui a nacionalidade tão pretendida pelas vítimas, para se efetuar um enterro “legal”, mas enquanto vivos e sobreviventes, espera-os um “campo de concentração”, antes da expulsão para os países de origem.

Tiveram, Durão Barroso e o governante italiano, a resposta por parte das populações de Lampedusa, a essa hipocrisia institucional. Mais de trezentos, de uma só vez, mereceram a sua visita e atenção… porque mortos. Receberam, pois, das populações os epítetos de “assassinos”. Os povos nem sempre se enganam, os seus dirigentes, bastantes vezes…

E torna-se urgente a refundação democrática da União Europeia... assim como a mudança de políticas, que os atropelos aos direitos humanos, e as vítimas provocadas já são demais...

Sobre o/a autor(a)

Membro do Grupo de Trabalho para a América Latina do Partido da Esquerda Europeia. Dirigente do Bloco de Esquerda. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
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