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Défice e austericídio mostram o fracasso das políticas da troika

As autoridades continuam a insistir que a recessão ficou para trás. Mas a realidade é que estamos ainda no meio da tempestade, e a frágil situação da banca, origem de todos os problemas, pode provocar um novo golpe. Por Marco Antonio Moreno, El Blog Salmón

O aumento dos défices públicos deu a mais clara demonstração do completo fracasso dos planos de austeridade implantados pela troika. Toda a engenharia destes planos era baseada numa premissa falsa, e a evidência deste erro desastroso já está fora de qualquer dúvida razoável. Os economistas da troika que implantaram a austeridade viviam com o dogma de que o multiplicador fiscal estava em torno de 0,5. Este pressuposto indicava que por cada euro de poupança na despesa pública, o produto real apenas sofreria o impacto de meio euro. Pensava-se que a força do sector privado supriria com folga a retirada do setor público da economia e fá-la-ia voltar a crescer, gerando emprego a maior velocidade que a de destruição. Mas não foi assim. Cada euro que se retira da despesa pública tem um impacto de mais de um euro no produto final. Este erro da troika, ao subestimar os multiplicadores fiscais, como reconheceu o economista chefe do FMI, Olivier Blanchard, está a custar à Europa uma década perdida, e talvez a todo o planeta.

No último relatório da economia grega, diz-se que

“O índice de volume de negócios no comércio retalhista a preços correntes, excluindo combustível de automóveis, registou uma queda de 14,4%, em julho de 2013, em comparação com julho de 2012. O índice em julho de 2012 registou uma redução de 8,5% em relação a julho 2011”, e assim sucessivamente…

Em Espanha, segundo o INE, os dados comparáveis para agosto de 2013 e 2012 são -4,5% e -4,9%. Reduções comparáveis tiveram lugar em 2011 e 2010.

De volta à estaca zero

Estes dados demonstram que a economia ainda não bateu no fundo, mas as autoridades continuam a insistir que a recessão ficou para trás. O certo é que estamos ainda no meio da tempestade, e a frágil situação da banca, origem de todos os problemas, tem a crise pela frente e pode provocar um novo golpe. Se acrescentarmos a precária e sombria perspetiva que vivem os Estados Unidos com o seu abismo fiscal e a sua suspensão de pagamentos à vista, e o declive dos países emergentes, temos a tempestade perfeita para os mercados. Diante deste cenário, a UE deu um passo atrás no seu plano de confisco de depósitos e o falido banco italiano Monte dei Paschi dei Siena não será resgatado (à força) pelos seus próprios investidores e depositantes, como assinalávamos aqui, mas sim diretamente pelo BCE e pelo governo italiano, tal como foram os resgates à banca dos últimos cinco anos. Volta-se à estaca zero.

Segundo a Reuters, a UE sente que não é o momento mais oportuno para confiscar os depósitos, e uma ação deste tipo pode afugentar os investidores. Como a UE sempre observou a crise ao retardador, e atuando depois de ocorrerem os factos, ignora que o investimento está em queda a pique. E que não pode ter nenhum tipo de investimento quando o custo de reposição continua acima do valor real dos ativos. Foi o que disse James Tobin na sua fórmula Q de Tobin para os investimentos. Mas os economistas da troika (e muitos outros) esqueceram-se dela, como se esqueceram da história económica e das crises.

Contração fiscal

O que se viveu nos últimos dois anos é fruto da contração fiscal, que provocou um afundamento maior na economia da eurozona, e um claro aumento do desemprego que a esta altura ninguém pode negar ou considerar transitório. A contração fiscal e a queda do investimento, produto do colapso da maior bolha da história, mantém o investimento em estado de choque. Como além disso a economia se desloca para a produção de serviços que são menos intensivos em capital, não existem opções no curto prazo para um aumento considerável da procura de capital. Esta desaceleração manifesta-se na queda da procura e na queda do comércio mundial. O resultado é que a economia vai de marcha atrás e nem sequer pode financiar a sua reduzida despesa pública. É lógico que os défices aumentem num ambiente desfavorável. Mas, era lógico exigir o cumprimento do défice nos 3 por cento, em plena crise, e ameaçar os países que não o cumprirem?

 

A cinco anos da eclosão da crise e a seis do seu primeiro golpe nos Estados Unidos, a troika cometeu uma cadeia imperdoável de erros por priorizar a dívida em relação à economia real. Por isso ainda não existe um plano estratégico para retirar o mundo do estancamento, e a estratégia de privilegiar a situação do sistema financeiro ampliou todos os desequilíbrios. Os relatórios sobre a distribuição da riqueza, como o Global Wealth Report 2013, dão conta do notório aumento da desigualdade. Se desde o começo da crise o interesse das autoridades se tivesse concentrado na manutenção do emprego e no equilíbrio da procura, e se se tivesse deixado cair o sistema financeiro ou ao menos fragmentá-lo em várias partes, hoje teríamos uma economia em funcionamento que daria inclusive incentivos a essa banca fracionada. Resgatar o sistema financeiro com a chantagem de que “sem sistema financeiro a economia não funciona”, só fez duplicar os níveis de dívida enquanto o produto se reduziu a níveis dos anos 90, e 90 por cento das pessoas está mais pobre que antes.

1 de outubro de 2013

Tradução de Luis Leiria para o Esquerda.net

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