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Abstenção não tem nada de revolução!

Contrariamente ao que muitos pensam, a abstenção não tem nada de revolução.

Transferiram o dinheiro dos contribuintes para o BPN. Favoreceram a banca privada. Obrigaram-nos a pagar os submarinos, os negócios de risco dos especuladores financeiros, as más gestões dos dinheiros públicos e privados, as más escolhas que se foram fazendo nas câmaras, com acordos com os setores privados ruinosos para as contas públicas. Atacaram a Segurança Social – ordenados, pensões, subsídios de desemprego, RSI. Fizeram do SNS um alvo a abater: fecharam Centros de Saúde e hospitais, despediram médicos, enfermeiros e pessoal auxiliar. Deseducaram a Educação – mandaram professores e funcionários para o desemprego, encerraram turmas e cursos, cortaram bolsas de estudo, aumentaram propinas. Bloquearam os transportes públicos – encerraram carreiras, despediram maquinistas, reduziram os horários dos transportes, aumentaram os preços dos passes, acabaram com descontos para estudantes e idosos. Privatizaram empresas públicas que davam dinheiro aos cofres do Estado, entregaram setores estratégicos da economia a monopólios privados. Puseram e continuam a por em causa a Constituição da República e desmembram o Estado Social. Bem-vindos ao projeto da direita mais cruel e devastadora que Portugal já conheceu em Democracia.

Desengane-se quem acha que os candidatos da direita a estas eleições autárquicas discordam no essencial com a política do governo. Não só concordam, como apoiam o plano de austeridade que Passos Coelho e Paulo Portas têm imposto ao país, ao longos dos dois últimos anos, pela mão da Troika.

Carlos Abreu Amorim, Guilherme Aguiar, Luís Filipe Menezes, Manuel Pizarro, Eduardo Vítor Rodrigues, Guilherme Pinto, Rui Moreira, Fernando Paulo, Marco Martins, António Parada, Pedro da Vinha Costa, Manuel Maio: todos estes candidatos do PS, PSD e CDS (alguns independentes com ligações partidárias a estes partidos) têm uma coisa em comum – foram a favor da entrada do FMI em Portugal, do programa de “ajustamento” imposto aos portugueses, da reorganização da administração local que extinguiu freguesias, do corte das verbas para as autarquias no orçamento de Estado, do corte nos salários e pensões, do fim do apoio aos desempregados, dos estágios não remunerados, do encerramento de centros de saúde e escolas.

O distrito do Porto é a zona do país com o maior número de desempregados. É também o distrito onde o setor da indústria mais foi afetado, com centenas de empresas a fecharem durante a governação de Passos-Portas.

E merecem eles o nosso voto?

O discurso defensor da tese que “nas autarquias o que interessa é o carácter do candidato e não o partido” invadiu a opinião pública; até setores mais à esquerda na sociedade portuguesa defendem esta ideia. Mas não é só a honestidade, a responsabilidade e o rigor que se discute na disputa do poder local. É urgente virar à esquerda, garantir uma política de esquerda nas autarquias e perceber a importância que o poder local tem na resposta à emergência social que esta crise nos impôs.

Dia 29 vale a pena votar, sim. A direita agradece a abstenção e governará na mesma, com ou sem grandes percentagens de abstencionismo. Levará o seu projeto avante e terá ainda mais espaço para manter a sua carteira de favores e caciques, com concessões e PPP. As autarquias são o espelho dessa realidade e nenhuma viragem à esquerda poderá esquecer uma grande mobilização popular até às urnas neste próximo domingo.

Contrariamente ao que muitos pensam, a abstenção não tem nada de revolução. O discurso anti-partidos e anti-política - ensaiado exatamente por uma direita que nos diz que não precisamos de escolhas ideológicas porque o que interessa é gente altamente capaz de fazer as contas que são necessárias - só travou uma onda de indignação, que será realmente perigosa para a direita que nos governa se as pessoas tomarem posição e partido por escolhas que realmente podem mudar a vida delas para melhor. Uma revolução cidadã, em Gaia como no Porto, Maia e Gondomar, Valongo como Matosinhos, é agora a resposta que podemos dar este domingo a quem quer fazer dos espaços onde vivemos “Disneylandias” e condomínios de luxo. No 25 de Abril de 1974, conquistámos o direito ao voto e a revolução que hoje todos queremos só poderá querer reforçar o que a conquista da Democracia nos trouxe.

Sobre o/a autor(a)

Museólogo. Investigador no Centro de Estudos Transdisciplinares “Cultura, Espaço e Memória”, Universidade do Porto
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