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Índia entre os principais alvos de espionagem da NSA

Na lista completa de todos os países espionados pela NSA, a Índia fica em quinto lugar, com milhares de milhões de trechos de telefonemas e outros dados na internet colhidos em apenas 30 dias. Por Glenn Greenwald e Shobhan Saxena, para o jornal The Hindu, publicado no portal Carta Maior.
A India foi o quinto país com mais telefonemas espiados pela NSA, revelou Edward Snowden ao diário The Hindu. Foto Jeremy Weate/Flickr.

De acordo com documentos confidenciais fornecidos pelo ex-consultor da NSA, Edward Snowden, ao jornal The Hindu, a agência norte-americada conduziu atividades de recolha de dados de inteligência usando pelo menos dois programas: o primeiro é o Boundless Informant, um sistema de recolha de dados que controla quantas chamadas e emails são recolhidos pela agência de segurança; e o segundo é o PRISM, um programa que intercepta e recolhe os dados diretamente da rede. Enquanto o Boundless Informant era usado para monitorar chamadas telefónicas e acesso à internet na Índia, o PRISM reunia dados mais específicos - não relacionados a terrorismo - através de Google, Microsoft, Facebook, Yahoo, Apple, YouTube e diversos outros serviços baseados na rede.
Perguntado pelo The Hindu por que um país aliado como a Índia era submetida a tanta vigilância pelos EUA, um porta-voz do gabinete do chefe da Inteligência Nacional disse: "O governo dos EUA responderá aos nossos aliados e parceiros por canais diplomáticos. Nós não vamos comentar cada alegação específica de atividades de inteligência em outros países, e nós deixamos claro que os EUA têm a política de recolher informação estrangeira da mesma forma que todos os outros países. Nós valorizamos a nossa cooperação com todos os países em assuntos de interesse mútuo." O porta-voz preferiu não dar declarações sobre como a NSA conseguiu tantos dados na Índia - 13,5 mil milhões de elementos de informação em apenas um mês - especialmente da rede de telefonia, e sobre se eles tinham recebido a cooperação das companhias de telefone da Índia.
Apesar de altos dirigentes indianos terem demonstrado dar pouca importância a estas fugas, com o ministro de Assuntos Externos, Salman Kurshid, chegando a defender o programa de vigilância dos EUA dizendo que “não é bem espionagem...”, os documentos da NSA que o The Hindu obteve mostram que o Boundless Informant não regista apenas os emails e chamadas, ele também usa a agência para gerir sumários de toda a informação recolhida no mundo, perfazendo, portanto, o pilar fundamental dos programas de vigilância globais da maior e mais secreta agência de inteligência do mundo.

Esse sistema de SIGINT (signal intelligence) recolhe registos eletrónicos ou dados de internet (DNI) e meta-dados de registos de chamadas telefónicas (DNR), e tudo é armazenado na NSA, em um arquivo chamado GM-PLACE. Segundo os documentos, o Boundless Informant categoriza registos de dados de 504 fontes diferentes de recolha de DNI e DNR chamadas de SIGADs.

A recolha de meta-dados é um negócio sério. Vários especialistas em tecnologia da informação com quem o The Hindu conversou dizem que grande parte da vida e uma pessoa pode ser reconstruída a partir dos meta-dados, que é, na realidade, o registo do número de telefone de toda chamada feita e recebida; os números de série, que são únicos, dos telefones envolvidos; o horário e duração de cada chamada; e potencialmente a localização de quem chamou e de quem recebeu o telefonema na hora da chamada. O mesmo pode ser dito de emails e outras atividades na internet. O grande volume de meta-dados recolhidos na Índia – 6,2 mil milhões em apenas um mês – mostra que a agência norte-americana recolheu dados de milhões de chamadas telefónicas, mensagens e emails todos os dias, dentro da Índia ou entre a Índia e algum ponto fora do país.

A informação recolhida é parte de um programa muito maior de vigilância.

De acordo com um memorando de Questões Mais Perguntadas (FAQs), um documento não confidencial mas destinado apenas a uso oficial, obtido pelo The Hindu, o Boundless Informant é uma ferramenta do programa Global Access Operations (GAO) da NSA, que tem como slogan a frase “a missão nunca dorme”. A ferramenta, diz o memorando, “dá condições para se descrever as capacidades de recolha do GAO (pela contagem de recolha de meta-dados) sem nenhuma intervenção humana e dispõe a informação graficamente, num mapa, gráfico de barras ou de pizza”. O memorando até descreve como “ao extrair informação de cada registo de meta-dados DNI e DNR, a ferramenta é capaz de criar quase que uma fotografia, em tempo real, das capacidades de recolha da dados do GAO a qualquer momento”.

São os mapas, feitos com as “fotografias” do Boundless Informant, que mostram como a Índia foi intensamente alvejada pela NSA. De acordo com um “mapa de atividades global” a que o The Hindu teve acesso, apenas em março de 2013, a agência norte-americana recolheu 6,3 mil milhões de pedaços de informação da internet na Índia. Outro mapa de atividade da NSA mostra que a agência recolheu 6,2 mil milhões de pedaços de informação da rede de telefonia no mesmo período.

Três mapas de atividade global, que dá uma cor para cada país de acordo com a quantidade de operações de vigilância nele, mostra claramente que a Índia foi um dos alvos preferidos de vigilância para a inteligência dos EUA. Com o sistema de cores indo de verde (menos vigilância), passando pelo amarelo, laranja e vermelho (mais vigilância), o mapa de atividades na Índia mostra o país em tons de laranja escuro e vermelho, mesmo que os outros países membros do BRICS como Brasil, Rússia e China – todos extensivamente monitorados – estejam na zona entre o verde e o amarelo.

No primeiro mapa de atividade, que mostra a somatória dos dados analisados pelo Boundless Informant em março de 2013, que teve 14 mil milhões de peças, o Irão foi onde os EUA mais recolheram dados de inteligência. É seguido pelo Paquistão com 13,5 mil milhões. A Jordânia vem em terceiro com 12,7 mil milhões, o Egito em quarto com 7,6 mil milhões e a Índia em quinto, com 6,3 mil milhões.

No mapa de atividades que dá uma visão panorâmica da vigilância na internet (DNI), com 6,3 mil milhões de pedaços de informação recolhidos de sua rede, a Índia está entre Irão e Paquistão (ambos em vermelho) e China e EUA (ambos laranja claro). Tanto Brasil quanto Rússia aparecem em verde claro nesse mapa, enquanto a China fica em laranja claro.

No terceiro mapa, que mostra a recolha de dados de telefones (DNR), a Índia aparece em laranja escuro, com 6,2 mil milhões de pedaços de informação recolhidos de seu sistema telefónico. No caso da recolha de DNR, a Índia é o único país BRICS que é tão monitorada quanto outros países que têm intensa vigilância, como Arábia Saudita, Iraque e Venezuela; os outros quatro membros estão na área verde nesse mapa.

Apesar de a Índia ter levantado a questão da vigilância da NSA quando o secretário de Estado dos EUA, John Kerry, visitou Nova Delhi em 24 de junho para do evento India-US Strategic Dialogue, Nova Delhi parece ter acreditado na versão oficial dos EUA sobre a história. “Tivemos um problema, que foi discutido quando o secretário John Kerry esteve na Índia”, disse o sr. Kurshid em 2 de julho. “Ele [Kerry] deu uma explicação muito clara de que nenhum conteúdo foi visto ou procurado em nenhum email... Então, no que nos concerne, não há nenhum problema”, disse o ministro indiano.

É verdade que o Boundless Informant não intercepta nada de conteúdo, mas os documentos altamente secretos obtidos pelo The Hindu mostram que essa ferramenta interna da NSA se foca em contar e categorizar as chamadas telefónicas e registos de internet, bem como recolher e armazenar, que poderia dar aos agentes de inteligência os registos de horários de chamadas e mensagens, identidades, endereços e outras informações necessárias para rastrear pessoas ou conteúdo.

Como esses meta-dados são lidos por máquinas, e portanto podem aparecer em uma busca, isso possibilita que haja intensa vigilância, já que os registos de email, de telefonemas e de navegação na internet de uma pessoa ficam disponíveis para a NSA, sem mandado ou ordem judicial. Grupos de defesa da cidadania têm visto isso como séria violação da privacidade e de dados pessoais. “Pelo acesso aos meta-dados, pode-se saber muito sobre uma pessoa. Com os telefones celulares, a localização foi adicionada aos meta-dados. Com a internet, você ainda pode cruzar a informação da localização com a rede social dela em um alto nível de detalhamento, bem como a rede social dela se relaciona com outras redes. Se você coloca tudo isso junto, você obtém um mapa muito detalhado da movimentação de uma pessoa, com quem ela anda e o que acontece na vida dela”, disse Anja Kovacs, diretora de projeto na Internet Democracy Project, um grupo de Nova Delhi que luta pela liberdade de expressão.

Num exemplo recente de como os meta-dados podem ter um mau uso pelo governo, dois repórteres da Associated Press foram intimados a comparecer em tribunal como testemunhas pelo Departamento de Justiça em um caso envolvendo segurança nacional. Os jornalistas foram notificados depois de o departamento ter analisado dados que davam detalhes de ligações telefónicas dos jornalistas com suas fontes, o que gerou um conflito entre os media e a Casa Branca por causa da liberdade de imprensa.


Publicado no jornal The Hindu e traduzido por Rodrigo Mendes para o portal Carta Maior.

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