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A Europa encontra-se a meio do caminho de uma década perdida

Não existe a chamada recuperação económica da Europa e dos Estados Unidos. As autoridades abusaram do otimismo quando assinalaram que a recessão na zona euro tinha acabado. Há recuperação, mas só para a banca. Por Marco Antonio Moreno, El Blog Salmón

Pouco durou a alegria do Dow Jones. A resposta dos mercados na quinta-feira aos anúncios de Ben Bernanke no dia anterior durou 24 horas. Logo na sexta-feira, os mercados cambalearam e o Dow Jones perdeu 1,19%. Várias bolsas europeias anteciparam-se na queda e só o Ibex manteve a posição. Tudo pelo temor de que o Fed comece a cortar os estímulos em outubro, mesmo que seja de forma gradual. Outubro é um mês historicamente caótico para as bolsas. Os principais crash das bolsas: 1929, 1987 e 2008, entre outros, ocorreram em outubro. E desta vez sobram os motivos para que o pesadelo se repita.

Isto demonstra que não existe a chamada recuperação económica da Europa e dos Estados Unidos. As autoridades abusaram do otimismo quando assinalaram que a recessão na zona euro tinha acabado. Isto está longe da realidade, dado que o produto da eurozona encontra-se bastante abaixo do registado há dois anos, quando se discutia o primeiro resgate da Grécia. Há recuperação, mas só para a banca. Não se pode falar de recuperação ou de fim da crise quando o desemprego continua a bater recordes e os atrasos dos pagamentos de créditos atingem máximos históricos. A única coisa que tem experimentado queda nestes dois anos é o valor do prémio de risco, o que tem sido um grande negócio para a banca. Se a crise bateu no fundo, é porque nos encontramos na metade do caminho do que será uma década perdida para Europa.

As grandes injeções de liquidez e a compra de bónus dos governos marcaram a mudança das políticas do BCE desde o primeiro dia do mandato de Mário Draghi. Mas estes planos, tal como os de Ben Bernanke do outro lado do Atlântico, não podem ser por tempo indefinido. Foram estes planos que mantiveram o sistema a flutuar de forma aparente, artificial, sem conseguir injetar vida na economia real. E tal como Bernanke, Mario Draghi também pode começar a cortar os estímulos à banca depois das eleições na Alemanha. Tanto o Fed como o BCE têm ido demasiado longe na reanimação da banca zombi.

Negócio lucrativo para a banca

Nesta tarefa de reanimação, os estímulos monetários foram um lucrativo negócio para os banqueiros, dado que recebem dinheiro a 1 por cento de custo e o aplicam em bónus de dívida soberana a 5 por cento. É uma forma camuflada de subsidiar a banca, cujos encargos são pagos pelos contribuintes, para que a banca limpe os seus ativos tóxicos e melhore os balanços. É um subsídio cujo custo é pago pelo contribuinte e que o deixa mais pobre que antes, e em muitos casos sem emprego. É também um abuso generalizado que demonstra os nexos hegemónicos entre o sistema financeiro e o poder político, dado que aquele nada faz pela economia real e pela criação de emprego.

O gráfico mostra dois momentos chave na crise da zona euro: por um lado a quebra inicial depois do colapso financeiro que implicou a queda de Lehman Brothers em setembro de 2008, e por outro a forte contração económica provocada pelos planos de austeridade dois anos mais tarde. As insólitas medidas da troika só favoreceram o setor financeiro, fazendo definhar a economia produtiva. A moderação da queda no segundo trimestre deste ano, é mais um resultado da flexibilização permitida aos planos de ajuste dos governos, depois de detetar que a excessiva austeridade foi nefasta para a economia. Se o impulso mais forte do segundo trimestre veio de Alemanha, isto deveu-se ao aumento do consumo interno e aos gastos de campanha de Angela Merkel.

Mesmo que o resultado destas eleições não traga surpresas, a economia europeia apresenta grande fragilidade em matéria de emprego e de dívida pública. Esta fraqueza torna muito difícil conseguir nos próximos dois ou três anos taxas de crescimento que permitam uma recuperação vigorosa que ajude a gerar emprego e a amortecer os encargos da dívida. A economia mundial encontra-se num processo de forte contração, e os dados da queda do comércio confirmam a desaceleração global. A China, a Índia e os países emergentes estão a reduzir o ritmo das suas economias.

Por isso, uma coisa é a recessão ter chegado ao fim (tema discutível) e outra muito diferente é a economia atingir taxas de crescimento que gerem emprego. Se a economia se mover a taxas de 1-1,5 por cento, não vai atingir a velocidade que lhe permita sair da crise. Isto demonstra que a recessão na Europa está longe de terminar, como têm dito várias autoridades europeias. E uma recaída é perfeitamente possível. Para dizer a verdade, a cinco anos do início da crise, a Europa encontra-se na metade do caminho de uma década perdida.

21 de setembro de 2013

Tradução de Luis Leiria para o Esquerda.net

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