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Interesses comuns podem ajudar a uma distensão entre Estados Unidos e Irão

Vários factos recentes, que continuaram inclusive quando os Estados Unidos pareciam estar a posicionar-se para atacar a Síria – aliada do Irão – levaram a especulações de que estes adversários históricos podem estar a aproximar-se de conversações diretas, embora a Casa Branca tenha negado que ocorrerão durante a Assembleia Geral da ONU. Por Jasmin Ramsey da IPS.
O ministro iraniano dos Negócios Estrangeiros, Mohammad Javad Zarif, reunirá com o seu colega britânico William Hague na Assembleia Geral da ONU, no final deste mês. Foto: UN Photo/Kate Schafer

Os interesses comuns dos Estados Unidos e do Irão na Ásia podem servir de base para que os dois países trabalhem juntos para superar décadas de hostilidade. “Se o Irão e os Estados Unidos forem capazes de superar as suas diferenças em relação ao programa nuclear iraniano, se começar a haver um certo avanço nesse sentido, então vejo oportunidades de diálogo e cooperação numa gama mais ampla de temas, incluídos os que me dizem respeito, ou seja, o Afeganistão”, disse à IPS o embaixador James F. Dobbins, representante especial dos Estados Unidos para o Afeganistão e Paquistão, numa entrevista coletiva, no dia 16, em Washington.

À eleição do novo presidente do Irão, Hassan Rouhani, um clérigo moderado com um apoio centrista e reformista, bem como com estreitos vínculos com o líder supremo Ali Khamenei, seguiram-se mais sinais de que este país pode estar a posicionar-se para chegar a um acordo sobre o seu controvertido programa nuclear. O facto de Rouhani nomear como seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Mohammad Javad Zarif, encarregado da questão nuclear, foi bem recebido pelas principais elites da política externa de Washington, que o consideram um parceiro valioso para as negociações.

Este ex-embaixador iraniano junto da Organização das Nações Unidas (ONU), educado no Ocidente, prevê encontrar-se com o seu colega britânico, William Hague, na Assembleia Geral da ONU no final deste mês, o que poderia levar ao reinício dos vínculos diplomáticos interrompidos depois de manifestantes terem atacado, em 2011, a embaixada britânica em Teerão.

Dobbins, que trabalhou próximo de Zarif em 2001, após ser designado pelo governo de George W. Bush (2001-2009) para ajudar a estabelecer um governo no Afeganistão depois de os talibãs terem sido desalojados, disse à IPS que “o Irão foi bastante útil” nessa tarefa. “É de lamentar que a nossa cooperação, que penso que em 2001 era genuína e importante, não se tenha mantido”, pontuou.

Os Estados Unidos interromperam os esforços oficiais para uma cooperação maior com o Irão após um discurso feito em 2002 por Bush, no qual categorizou Teerão como parte de um “eixo do mal”, juntamente com Iraque e Coreia do Norte. Embora o discurso “Um Novo Início”, que o presidente Barack Obama fez em 2009 no Cairo, tenha apontado para um afastamento da retórica da era Bush sobre o Médio Oriente, a política dos Estados Unidos sobre o Irão está centrada nas sanções, o que foi um dos principais pontos de controvérsia nas conversações nucleares do ano passado.

Vários factos recentes, que continuaram inclusive quando os Estados Unidos pareciam estar a posicionar-se para atacar a Síria – aliada do Irão – levaram a especulações de que estes adversários históricos podem estar a aproximar-se de conversações diretas, embora a Casa Branca tenha negado que ocorrerão durante a Assembleia Geral da ONU.

No dia 15 deste mês, Obama confirmou as notícias sobre uma troca de cartas com Rouhani. A porta-voz da chancelaria iraniana, Marziyeh Afjam, também confirmou o intercâmbio, mas negou as especulações de que a Síria foi um dos temas. “A carta de Obama foi recebida, mas não era sobre a Síria e sim de cumprimentos (a Ruhani), cuja resposta foi enviada”, disse Afjam a jornalistas em Teerão, em declarações publicadas na semioficial Agência de Notícias Fars.

Os dois líderes reconhecerem publicamente um contacto tão incomum é um facto importante em si mesmo, segundo Robert E. Hunter, que integrou o Conselho de Segurança Nacional no governo de Jimmy Carter (1977-1981). “Este é um esforço, antes de tudo, para testar as águas da política interna norte-americana em relação às conversações diretas quanto à possibilidade de ver se é possível fazer algo mais produtivo do que no passado. E, com exceção dos procedentes de Israel, não vi muitos protestos fortes”, observou.

“Os iranianos já se afastaram do assunto sobre a negação do Holocausto dizendo que foi 'o outro'”, afirmou Hunter à IPS, em alusão ao ex-presidente Mahmoud Ahmadinejad. No entanto, “como diz o ditado, o caminho entre Teerão e Washington passa por Jerusalém”, destacou. Para que Washington e Teerão melhorem as suas relações também é preciso que o Irão acalme a preocupação de Israel sobre o seu programa nuclear e sobre o movimento xiita libanês Hezbolá, acrescentou.

Hunter, que foi embaixador dos Estados Unidos na Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) entre 1993 e 1998, também destacou que os “interesses compatíveis” entre ambos, como a segurança e a estabilidade do Iraque e do Afeganistão, e a liberdade de navegação no estreito de Ormuz, vital rota de transporte de petróleo, também poderiam cimentar o caminho para melhores relações.

Inclusive, Khamenei, que sempre teve profundas suspeitas sobre a política norte-americana para o Irão, autorizou Rouhani a entrar em conversação direta com Washington, segundo um artigo de opinião publicado pelo Project Syndicate e escrito pelo ex-negociador nuclear iraniano Hossein Mousavian. Durante uma reunião realizada no dia 16 com o Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica do Irão, Khamenei também disse que não se opõe “à diplomacia correta” e que acredita numa “flexibilidade heroica”, segundo uma tradução do Al-Monitor.

Noutro comentário surpreendente, Khamenei repercutiu as declarações anteriores de Rouhani sobre a Guarda Revolucionária não precisar de ter uma ingerência direta na política. “Não é necessário que atue como guarda da cena política, mas deveria conhecê-la”, declarou Khamenei, que durante anos cultivou relações próximas com o poderoso ramo das forças armadas do Irão.

No dia 12 deste mês o titular da Organização de Energia Atómica do Irão, Ali Akbar Salehi, anunciou que o país reduziu o seu arsenal de urânio de baixo enriquecimento (20%), convertendo-o em combustível para o Reator de Investigações de Teerão. O Instituto para a Ciência e a Segurança Internacional (Isis) descreveu isso como “enganoso”, com base na pouca quantidade do urânio de baixo enriquecimento que o Irão converteu em combustível. “Assim, esta ação não pode ser vista como medida significativa de geração de confiança”, afirmou o Isis num comunicado de imprensa.

Porém, Paul Pillar, um ex-alto analista da CIA dos Estados Unidos, que entre 2000 e 2005 foi encarregado da segurança nacional para o Médio Oriente e a Ásia austral, afirmou que isto é “um exemplo de uma redução muito estendida, que busca transformar questões políticas e psicológicas em questões técnicas”. E acrescentou que “as medidas de criação de confiança são gestos de boa vontade e intenção. Não são muros contra uma possível rutura futura. Se fossem, não seriam medidas de geração de confiança, mas uma solução para todo o problema”.

Envolverde/IPS

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