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Depois de Gezi, a repressão sobre os media e as universidades

A Turquia já detém o título do país que mais persegue jornalistas, ultrapassando a China ou o Irão. A vaga repressiva dos últimos meses levou também dezenas de jornalistas que cobriram os protestos do Parque Gezi a perderem o emprego. Artigo de Asil Tunc no portal The Conversation.
Os principais media turcos tentaram esconder os protestos de junho. Os que não o fizeram, acabaram punidos pelo governo de Erdoğan. Foto Ruben Diaz.

Com o aproximar do outono, o espírito do Parque Gezi ainda paira no ar. Após meses de manifestações de massas contra o governo, o único consenso é que o clima político nunca voltará a ser o que era antes.

O governo do AKP está pronto a tomar decisões duras contra a mínima possibilidade de protesto. O Parque Gezi encerra logo que surge um apelo a uma concentração ou outro protesto no Twitter. Com o início do novo ano letivo, as forças policiais - em vez dos seguranças privados - serão colocadas nos campus universitários. Parece que o governo treme até com grafittis nas paredes das ruas mais escondidas. Num deles pode ler-se "Voltaremos em setembro, preparem o vosso gás-pimenta!"

Enquanto a sociedade se tornou ainda mais polarizada pelos protestos do Parque Gezi e até pelo fracasso da candidatura de Istambul a acolher os Jogos Olímpicos de 2020, as autoridades já dominam as formas mais subtis de alvejar jornalistas. Os jornalistas mais conhecidos, colunistas e figuras mediáticas que dão voz à crítica têm sido obrigadas a demitir-se e são substituídas pelos seus pares mais leais. Esta remoção da oposição foi rápida, vigorosa e descarada. O sindicato dos jornalistas (TGS) anunciou que 59 jornalistas foram despedidos numa aparente retaliação pela sua cobertura dos protestos do Parque Gezi.

As empresas de media põem as suas finanças em jogo, em resultado de investimentos em muitos outros setores, como a construção, energia, banca e telecomunicações – por isso preferem olhar para outro lado quando o assunto é direitos humanos, liberdade de imprensa ou ética profissional.

Ao mesmo tempo que cada vez mais jornalistas recorrem à autocensura para sobreviver, a Turquia tem o título humilhante de "maior prisão do mundo para jornalistas", graças aos Repórteres Sem Fronteiras. O número de jornalistas presos na Turquia varia dependendo dos números revelados por cada associação internacional de liberdade de imprensa. Mas a média dos dados do Instituto Internacional de Imprensa, Comité para a Proteção dos Jornalistas e Repórteres Sen Fronteiras é de cerca de 50. Segundo o Partido Republicano do Povo (CHP), são 64 e outros 123 enfrentam julgamentos sob acusação de terrorismo.

A 5 de agosto, pelo menos 12 jornalistas acusados de conluio com uma conspiração antigovernamental conhecida por Ergenekom estavam entre os que receberam as maiores penas de prisão no tribunal de Istambul que julgou o caso. O Ergenekom é conhecido como o "julgamento do século" na imprensa turca. Embora haja muitos acusados com cadastro, tem aumentado na opinião pública a ideia de que muita gente, incluindo jornalistas, foram punidos por causa das suas opiniões conotadas com a linha dura do secularismo e ultranacionalismo.

Mustafa Balbay, antigo repórter para o popular diário secularista Cumhuriyet e deputado da oposição pelo CHP, foi condenado a 34 anos e oito meses de prisão, enquanto o jornalista, político e antigo dono da Biz TV, Tuncay Özkan, acabou condenado a prisão perpétua (sem direito a comutação de pena). Balbay está preso há quatro anos, Özkan há cinco.

No dia 11 de setembro terá lugar outro julgamento, desta vez da Oda TV, um portal de notícias conhecido pelas suas críticas ao governo. Este julgamento envolve 12 jornalistas, incluindo os repórteres de investigação Ahmet Sik e Nedim Sener. As acusações aos jornalistas são de "ajuda a organização terrorista armada", "incitamento ao ódio e hostilidade" e "obtenção de documentos confidenciais da segurança do Estado". Mas apesar das autoridades terem afirmado que tinham provas contundentes confirmando estas acusações, até ao momento não chegaram ao tribunal. Todos os acusados negam as acusações que lhes são feitas.

Em dezembro passado, o vice-primeiro-ministro Bülent Arinç prometeu reformas em relação às violações da liberdade de imprensa, que iriam levar à libertação dos jornalistas presos. Infelizmente, até agora o pacote de reformas não teve nenhum impacto positivo nesta matéria.

Os jornalistas curdos sofrem mais com o Código Penal e as leis antiterroristas que fazem equivaler a cobertura das atividades do PKK - organização ilegalizada sob acusações de terrorismo - ao próprio terrorismo. Parece que está cada vez mais difícil manter o equilíbrio entre prevenir o elogio da violência e a liberdade de expressão. Por outro lado, os governantes negam por completo todas as queixas de falta de liberdade de imprensa, ora apelidando-as de grande conspiração estrangeira ou de jogada política injusta contra o governo. Na versão do governo, a maior parte dos jornalistas presos estão a ser acusados de crimes graves, como o de fazerem parte de uma organização terrorista armada, que nada têm a ver com jornalismo.

Mas infelizmente, as detenções no país, que já ultrapassaram a de muitas nações opressoras, como o Irão e a China, põem a Turquia entre os países menos hospitaleiros para os jornalistas na Europa.


Asil Tunc é professora e diretora da Escola de Media na Universidade Bilgi de Istambul.

The Conversation

Artigo publicado em The Conversation. Tradução de Luís Branco. Ler artigo original.

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