You are here
Divagações sobre Swaps

Talvez que o facto de ser dita em inglês – swaps – acrescentasse à dificuldade. Afinal, poder-se-ia dizer, em português, “permuta” – mas não será que, por trás da expressão “contratos swap”, há mais do que na versão “contrato permuta”?
O cidadão comum não sabe. Pagas a casa – renda ou empréstimo – a eletricidade, a água, a prestação do carro, retiradas as verbas para comida, transportes, farmácia, não lhe sobejam euros para investir, sequer para poupar. Permuta ou swap, os contratos que enchem os noticiários são-lhe tão alheios como a possibilidade de teleportação ou a exploração do espaço sideral.
O cidadão comum não sabe. Espera, por isso, que os jornalistas lhe expliquem. Que traduzam a palavra, e o jogo por trás dela, e o seu significado em termos da vida corrente de todos os cidadãos que compõem o Estado.
E os jornalistas tentam. Mas são também cidadãos comuns, as escolas de Comunicação onde estudaram ensinaram-lhes muitas coisas, mas esqueceram-se de abordar os contratos swap. E, como os outros cidadãos, confrontados com a precariedade, os baixos salários, o desemprego, nunca pensaram que aquela publicidade bancária a propor-lhes a troca de uma taxa variável para o empréstimo à habitação por uma taxa fixa fosse um contrato swap. Por isso têm também dificuldade em explicar, num português claro, aquilo que lhes chega na linguagem anglófila dos economistas.
Mas nem todos os jornalistas vêm de escolas de Comunicação. Se toda a sociedade se financeirizou, também as empresas de Comunicação Social apostam agora em jornalistas saídos das escolas de Economia e Gestão. Esses devem ser, então, capazes de explicar... o quê? “Swaps? Bom, é isso, são contratos swap!” Como querem que percam o tempo que não lhes é dado a explicar algo para que já há uma palavra, aceite em toda a comunidade que de facto lida com eles? Tomara terem tempo para cultivar fontes, pesquisar, ler os documentos que lhes chegam às mãos. Traduzir de forma compreensível? Não há tempo. “Aquele que tiver ouvidos para ouvir, oiça.”
Aliás, até é melhor que sejam poucos a perceber. Quando começam a perceber, fazem perguntas, Muitas perguntas. Muitas dúvidas. Não compreendem a beleza das operações financeiras. Querem ter segurança, quando a beleza está no risco, quando é saber arriscar bem que garante o êxito e a fama – e a carreira, e o salário, e a instituição internacional – a quem os faz. Querem taxá-las, como se se pudesse comparar uma grande operação financeira à compra de um pacote de leite, ou de bolachas, numa mercearia de esquina... Pobres ignaros!
Não vale a pena, no entanto, matar o mensageiro. Não foram os jornalistas quem criou esta sociedade de ocultação, em que muito se disfarça sob o manto diáfano da incompreensão: “Pobre povo, tem dificuldade em compreender que é diminuindo-lhe o salário e aumentando os impostos que o tornamos mais rico.” Então, como nas antigas famílias, em que os pais falavam francês para não serem compreendidos pelos filhos, apela-se ao economês, às palavras estrangeiras.
E os jornalistas? Sim, cabe-lhes traduzir. Mas vigiados, de rédea bem curta. Ou, se preferirem, com pouco tempo e poucos caracteres (“o público gosta de ver infografias”). Não ouvimos tantas vezes dizer que “tradutor”, “traidor”? E se, precários, mal pagos, forçados a um ritmo que não admite pesquisa nem crítica, ainda assim se lembram de trair o discurso dominante?
Ná! “Há que impedi-los de comentar. Para isso, temos os nossos próprios especialistas.” “Um pouco monocórdicos, talvez?” “Mas a diversidade ia confundir o povo.” “Noticiar?” “Pois, lá terá de ser. Mas com palavras escolhidas por nós. Sem lhes dar tempo de procurarem outras.”
“E se, ainda assim?” “Trocam a ousadia pelo desemprego. É apenas mais um processo swap.”
Artigo de Diana Andringa, jornalista.
Add new comment