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O "big bang" de Cohn-Bendit
Para marcar o nascimento de mais um movimento federalista (o Europeans Now), Daniel Cohn-Bendit e Felix Marquardt tiveram acesso a uma página na imprensa internacional desta semana para publicar a sua carta de intenções. Ou melhor, duas cartas: a versão ibérica saiu no Público e no El Pais e intitula-se "Jovens europeus… Uni-vos!", enquanto a versão original, publicada em francês no Libération e no Le Soir, opta pelo mais abrangente "Jovens (e menos jovens) da Europa… Unamo-nos!". Em Lisboa e Madrid, o artigo começa referindo-se às eleições europeias do próximo ano como o momento-chave para confirmar que o Estado-nação está obsoleto. Mas para os leitores de Paris e Bruxelas os autores garantem que esse momento já chegou, pelos vistos com dez meses de antecedência em relação ao Sul.
Será a discrepância geracional no público-alvo do artigo apenas cálculo eleitoral (por razões óbvias, a versão francesa não fala em criar um partido), ou estratégia de comunicação, exatamente um ano após a polémica aberta pelo companheiro de pena de Cohn Bendit? No início de setembro de 2012, o lóbista e consultor de imagem Felix Marquardt publicou um artigo dirigido aos jovens franceses, apelando provocatoriamente a que saíssem do país, por entender que a França está bloqueada entre uma gerontocracia que despreza a juventude desempregada e uma esquerda que se agarra aos seus direitos enquanto milhões vivem no planeta em extrema pobreza. Como destino, propunha a capital da Georgia, de cujo governo era admirador confesso.
Algumas das propostas de Cohn Bendit para uma Europa federal regressam neste texto: reforçar o poder da Comissão Europeia e do Parlamento Europeu, eleger um presidente europeu por sufrágio direto, afirmar a identidade europeia com direito a passaporte, substituindo o do "obsoleto" Estado-nação. O artigo junta-lhe a necessidade de um "big bang" europeu, protagonizado por um "movimento de grassroots europeu, transnacional, transgeracional e não ideológico" para "levar a integração europeia a um outro nível" e fazê-la apanhar "o ritmo da globalização". O movimento de Bendit pode querer afirmar-se como "não ideológico", mas isso não o demove de tentar convencer os jovens portugueses e espanhóis que não há alternativa para além de "uma integração acelerada ou uma prolongada deriva rumo à irrelevância". Talvez por opção "não-ideológica", o artigo nada diz sobre as consequências devastadoras que estes países hoje sofrem com as condições desiguais na integração que já existe, a começar pela moeda única.
E talvez esteja aqui a explicação para termos de esperar mais dez meses que os centro-europeus para desmascararmos "o segredo mais bem guardado dos políticos nacionais". É que numa altura em que milhões de habitantes na Península Ibérica sofrem na pele os efeitos da crise e da receita de austeridade organizada justamente pela Comissão Europeia e o Banco Central Europeu, ninguém consegue avistar essa Europa que Cohn Bendit nos anuncia.
Apoiante de Hollande na intenção de bombardear a Síria, o líder dos Verdes Europeus tentou esta semana convencer o governo de Berlim a acompanhar também os EUA no lançamento de mísseis contra Damasco, mas sem sucesso. Lamentavelmente, perdeu uma boa ocasião neste artigo para mostrar aos jovens (e menos jovens) o outro lado da sua proposta de uma Europa "pós-nacional": a do exército europeu, que não fica refém das hesitações e receios dos diferentes Estados em ir a reboque dos senhores do mundo, sem mandato das Nações Unidas, juntar mais bombas à guerra civil da Síria e incendiar ainda mais toda a região.
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