You are here
Microsoft-Nokia: um choque de culturas difícil de vencer

Entre as nações ocidentais será difícil encontrar duas culturas tão diferentes quanto a dos EUA e Finlândia. Os norte-americanos são em geral confiantes e extrovertidos; os finlandeses são bastante mais reservados. Isso até se reflete nas economias de ambos os países: os EUA são a casa do mercado livre capitalista; a Finlândia é o protótipo da social democracia europeia.
Claro que isto são apenas estereótipos, mas dão-nos pistas sobre alguns dos verdadeiros desafios que a Microsoft irá provavelmente enfrentar ao integrar o departamento de telemóveis da Nokia, que acaba de adquirir por 5,4 mil milhões de euros.
A compra foi anunciada com pompa e circunstância tanto pela administração da Microsoft como da Nokia. Para a Nokia, o negócio é visto como uma porta de saída do mercado de telemóveis. Apesar de já terem dominado esse setor no passado, hoje estão muito atrás dos líderes de mercado, a Apple e a Samsung. Para a Microsoft, esta compra é uma forma de ficarem com um componente de hardware móvel que lhe permita competir em pé de igualdade com a Apple e a Google.
Embora a retórica em torno do negócio soe bem, a realidade será mais complicada. Os estudos indicam que a maior parte das fusões e aquisições tendem a destruir em vez de criar valor.
De facto, a história da Microsoft na última década é um bom objeto de estudo desta regra básica. Quando o agora ex-presidente executivo (CEO), Steve Ballmer, tomou posse em 2000, a empresa tinha o domínio absoluto na sua área de intervenção e o preço das ações batia recordes. Durante o mandato de Ballmer assistimos a uma série de aquisições, inovações duvidosas e estagnação da cotação em bolsa. Há pouco tempo, um jornalista nova-iorquino ironizava dizendo que Ballmer finalmente encontrara maneira de fazer algum dinheiro – demitiu-se.
Talvez não devamos olhar tanto para a aquisição da Nokia como uma jogada estratégica perspicaz, mas mais como um dos últimos grandes decretos do regime de Ballmer. De facto, há estudos que sugerem que os CEOs tendem a ficar viciados em fusões e aquisições, apesar da sua rentabilidade estar em queda.
A arrogância dos CEOs tem aqui um papel importante. A mania das grandezas leva-os muitas vezes a desenhar cenários cor-de-rosa sobre as aquisições de empresas. E tornam-se mais suscetíveis a negligenciar os riscos significativos que advêm de qualquer aquisição. Tudo isto são notícias pouco animadoras para os acionistas da Microsoft - a acreditar nos estudos nesta área, é pouco provável que ganhem alguma coisa que se veja desta compra da Nokia. Na verdade, é bem provável que sofram perdas.
Mas os acionistas não serão os únicos a perder. O futuro ameaça tornar-se relativamente sombrio para os trabalhadores do setor de telefones da Nokia. Já existem relatos na imprensa finlandesa de que muitos estão preocupados com perder o seu emprego. Isto surge no seguimento de uma vaga de despedimentos nos últimos anos.
Mesmo para quem consiga manter o emprego, viver sob o regime da Microsoft será provavelmente difícil. A fusão das culturas após uma aquisição é quase sempre difícil, senão impossível. Uma consequência comum é a saída dos profissionais cujo talento é crucial para o sucesso da empresa. Os que ficam, muitas vezes tornam-se relativamente cínicos. Isto normalmente dá origem à perda da sua vantagem na inovação - que fora muitas vezes o motivo que levou a comprá-la. Trata-se um um mau prenúncio para o setor de telemóveis da Nokia. A seguir ao negócio da Microsoft, tornar-se-á provavelmente numa zona morta de inovação, empregando cínicos amargurados.
O público em geral é o último perdedor deste negócio. Apesar de toda a conversa sobre a grande competitividade do negócio dos telemóveis, na verdade ele é dominado por poucos operadores. A integração crescente de hardware e software significou que uma pequena mão-cheia de empresas como a Apple, Google e agora a Microsoft estão em todos os bolsos.
Isso levanta grandes preocupações sobre quem detém, controla e vigia os nossos dados pessoais. Afinal de contas, muitos destes operadores não são apenas empresas tecnológicas que estão na berra, são também empresas de vigilância sobre os consumidores. A compra da Nokia pela Microsoft representa mais um passo na consolidação deste mercado. Mas também pode representar um novo passo para a consolidação do controlo dos nossos dados pessoais por parte de poucas empresas.
Se este negócio pode criar tantos perdedores, porque é que avançou? Bom, também haverá certamente grandes vencedores. Para começar, parece que os acionistas da Nokia já ganharam com um enorme salto no preço das ações, logo a seguir ao anúncio da aquisição. Os administradores de topo que fizeram o negócio também ficam a ganhar com isso. Um estudo sugere que quando os CEO's vão às compras - mesmo as mal sucedidas - acabam por ter um chuto nos prémios remuneratórios, bem como uma agradável massagem no ego.
O último vencedor escondido à espreita é o exército de assessores, consultores e afins, que irão ganhar um naco significativo dos custos da transação que dizem respeito ao trabalho de unir os dois negócios - e a varrer tudo no fim.
André Spicer é professor de Comportamento Organizacional na Cass Business School da City University London.
Artigo publicado no portal The Conversation. Tradução de Luís Branco.
Comments
É toda uma nova teoria do
É toda uma nova teoria do valor o que aqui é apresentado . bolas!
Discordo em absoluto. O que
Discordo em absoluto. O que está em jogo são produto e não culturas. A Microsoft comprou tecnologia e patentes não adquiriu um status quo. A Nokia tem uma área de investigação em novas tecnologias muito interessante. Em termos de filosofia é um gigante uma multinacional, tal como a Microsoft, quer, pode e manda. Os novos produtos miniaturizados são a área que a Microsoft não tem desenvolvida.
É um mercado em grande crescimento, rapidíssimo ou se está na frente ou não consegue e é ultrapassado. O que no caso da Microsoft seria um erro crasso. Falamos de produtos que são usados por todos os utilizadores e que vão colhendo informação das suas actividades 24 horas por dia. Estes "gadgets" modulares podem ser associados a telemóveis, pulseiras, relógios inteligentes e usados como porta chaves, colares ou de outra forma.
O BigBrother vai-se tornar monstruoso, isso sim!
Add new comment