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Yasuni e o pós-petróleo: O fim de um sonho?

Apesar de a percentagem da população que apoia a ideia de deixar o petróleo do Parque Yasuni no subsolo ter vindo a aumentar continuamente, atingindo mais de 90% no último estudo de opinião, o governo do Equador virou as costas à população.

Em 2007, Rafael Correa, Presidente do Equador, apresentou na ONU um plano inovador para preservar o Parque Nacional Yasuni, ameaçado pela exploração de petróleo. Se o mundo acedesse doar ao Equador metade das receitas esperadas com a exploração de petróleo neste parque, através de donativos de empresas, indivíduos e estados, o país comprometer-se-ia a deixar o petróleo no subsolo. Mas a meio de agosto deste ano, Correa anunciou o cancelamento do plano, alegando que apenas uma parte ínfima do pedido foi efetivamente doado.

A iniciativa Yasuni ITT, combinação do nome do parque natural situado na Amazónia que concentra uma das maiores riquezas naturais do planeta com o nome dos blocos onde a exploração de petróleo teria lugar (Ishpingo, Tambococha e Tiputini), prometia ser uma saída para o dilema entre o desenvolvimento baseado no extrativismo e a conservação da natureza. Tendo em conta que o indispensável combate às alterações climáticas exige que a maior parte do petróleo seja deixado no subsolo, mas também tendo em consideração a dificuldade que um país menos desenvolvido terá em prescindir das receitas de exploração de petróleo, a ideia parecia ser brilhante. Mas a iniciativa estava ferida de morte desde o início.

A iniciativa Yasuni ITT foi trazida para o recém-eleito governo de Correa pelo então Ministro da Energia e Minas Alberto Acosta, um ecologista que colhia as simpatias de movimentos ecologistas e indígenas, por simpatizar com as ideias “pós-crescimentistas”. Do que se tratava era de dar um primeiro passo para um modelo de desenvolvimento baseado não no crescimento do PIB como um mantra a seguir a qualquer custo mas antes na satisfação das necessidades das pessoas. Um modelo de economia e sociedade que tem no conceito indígena de “bom viver” a sua maior inspiração, prescrevendo a “boa vida” no lugar do “viver melhor” à custa da exploração de pessoas e da natureza.

Com a consagração do “bom viver” e da noção inovadora de “direitos da natureza” na nova constituição do Equador, o país parecia estar a dar, conjuntamente com a Bolívia, uma lição ao mundo sobre como se pode construir uma economia ao serviço das pessoas. Uma economia que rejeita o extrativismo e o produtivismo, tendo em conta o enorme e impagável custo ambiental que implica.

Neste contexto, a iniciativa Yasuni ITT consagrava três princípios importantes relativamente às doações solicitadas. O primeiro é o investimento dos fundos obtidos em projetos que melhorem a vida das pessoas e contribuam para a preservação da natureza. Este princípio é relevante para assegurar que o dinheiro obtido, que é reclamado também com base na dívida climática que os países industrializados devem aos países menos desenvolvidos devido às consequências sofridas pelas alterações climáticas, não é usado para construir autoestradas ou aeroportos.

O segundo princípio é o da rejeição da chantagem. Não querendo ser comparado com o criminoso que, de arma em punho, grita “deem-me diheiro porque senão cometo um crime”, Acosta defendia que a exploração de petróleo não deveria ser aprovada no Yasuni, mesmo que o Equador não recebesse a quantia que considerava adequada como compensação.

O terceiro princípio é o da não financeirização da iniciativa. Os certificados de participação que as entidades doadoras recebessem não poderiam em qualquer caso ser convertidos em créditos de carbono, permitindo a poluidores comprar direitos de poluição e limpar a sua imagem. O desrespeito por este princípio implicaria a ineficácia ambiental da iniciativa, ao determinar que a redução de emissões poluentes inerente à não exploração de petróleo seria compensada por um aumento de emissões noutros pontos do planeta. Por outro lado, transformar a iniciativa Yasuni ITT num projeto financeiro poria o destino de um parque natural nas mãos de mercados especulativos.

O governo de Correa, contudo, escolheu desrespeitar os últimos dois princípios. Depois de Acosta sair do governo, a iniciativa Yasuni foi transformada em mais um investimento especulativo a ser transacionado em mercados financeiros. Quando se tornou claro que os fundos pedidos nunca iriam ser doados, o governo fez tudo o que podia para assegurar que a iniciativa Yasuni não seria bem sucedida, tendo acabado por aprovar a exploração de petróleo.

No meio de um clima de hostilização e até perseguição política dos movimentos sociais que dizia representar e depois de expulsar Acosta, o governo equatoriano deitou para o lixo a constituição que fez aprovar e abriu as portas a mais investimento em megaprojetos com consequências ambientais e sociais dramáticas. Apesar de a percentagem da população que apoia a ideia de deixar o petróleo do Parque Yasuni no subsolo ter vindo a aumentar continuamente, atingindo mais de 90% no último estudo de opinião, o governo de Correa virou as costas à população.

Podemos, então, decretar a morte do projeto de uma economia pós-extrativista e orientada para o “viver bem”? Felizmente, a resposta a esta pergunta é não. Quem faz a história não são os governos que usam o seu mandato como se fosse uma garantia de poder absoluto mas antes as pessoas que, pela sua ação, pelo seu trabalho, pela sua luta diária, constroem o seu futuro. Por todo o mundo, há gente que defende o seu território contra a destruição pelo capitalismo dependente do petróleo, em muitos casos com sucesso. Estas pessoas lutam não só pela sua sobrevivência mas também pela sobrevivência de toda a humanidade e certamente que não interpretarão a capitulação do governo do Equador face ao lobby do petróleo como o fim da história.

Sobre o/a autor(a)

Ricardo Coelho, economista, especializado em Economia Ecológica
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