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Cada cavadela... minhoca

Salta à vista desarmada que a confiança entre os dois braços financeiros de Passos Coelho vem dos tempos, bem recentes, em que um propunha SWAPs e a outra dizia compro.

Como se diz quando se cava em terreno lamacento e pútrido.

Há um provérbio iydish que nos lembra que “uma meia -verdade, é uma mentira inteira”.

I

Perante uma verdade inteira que nos legou um improvável Vítor Gaspar, numa carta que se incrustou na pele escamosa do governo e dali não sairá, saltaram autênticos gladiadores em defesa da honra da meia-verdade ainda que não passe de mentira inteira.

A recém promovida ministra das finanças assegura que a sua mentira é uma verdade na esperança que os gramáticos lhe confiram o benefício da dúvida da meia-verdade.

Entre outros que não tiveram direito ao mesmo benefício e foram rapidamente corridos antes de aquecerem o lugar,dado não contarem para o totoloto e não ser conveniente permitir demasiado a mostra da sucata que é a base material social e política do governo, segue-se o Secretário de Estado do Tesouro, o braço direito da ministra.

A sua importância deve medir-se exatamente por isso: permanece apesar de comprometer o ministério já de si descredibilizado pela própria ministra.

Homem de confiança do Citibank para as jogadas com que se escondem os sarilhos financeiros dos governos governados pelos banqueiros, o novel secretário tentou aliciar o governo anterior para usar o contorcionismo que os bancos fornecem para aldrabar as normas e as regras da boa governança e iludir a exigência cidadã de transparência.

Tendo em atenção o curriculum de ambos, salta à vista desarmada que a confiança entre os dois braços financeiros de Passos Coelho vem dos tempos, bem recentes, em que um propunha SWAPs e a outra dizia compro.

Uma relação profícua que, mantendo-se, só pode dar força a um governo de aldrabões e manipuladores, abusadores da confiança que numa noite de tormenta os eleitores neles depositaram.

Mas eis que os exploradores de “águas passadas” e “casos requentados”, os tipos e tipas do tipo “não apaguem a memória”, querem vasculhar a vida e enxovalhar as pessoas decentes e capazes, com currículo avalizado pela banca.

E quem mais capaz para gerir as finanças do país do que o pessoal que ousa arriscar nessa imensa roleta dos produtos derivados com que a banca enriqueceu o universo de fazer e ganhar dinheiro sem nada produzir tendo a certeza de que, perdendo, há um imenso saco azul, alimentado pelos zés e marias obrigados ao “paga e não bufes”, os milhões sem a criatividade necessária e suficiente para viver à custa do Estado , apenas conhecendo o risco do que é tentar trabalhar à sombra generosa da nova União Nacional em construção, o calceteiro de braço dado com o Ricardo Espírito Santo, o torneiro abraçado ao Ulrich, a moça de caixa enlevada com a amizade do Soares dos Santos.

As finanças e o tesouro em boas mãos: as meias verdades, verdadeiras mentiras, com que Maria Luís Albuquerque e Pais Jorge tentaram iludir o seu trabalho ilustre de vigarice legal em prol da banca – uma disponibilizando o erário público, o outro sob a forma de diplomático assédio – revelam como se inscrevem na teoria geral, posta em vigor pela cultura do regime, de que a política é um jogo de enganos e malabarismos, quando não de ilusionismo, em que quem melhor fintar e aldrabar merece ser o vencedor.

II

Mas ia ficando esquecido o alfobre cavaquista chamado BPN. Banco de e para empenhados servidores públicos à frente dos ministérios de Cavaco.

Também dali ganhámos um ministro nesta fase de reforma do Estado: Rui Machete, logo ele!, queixando-se da “podridão a que chegou o discurso político”porque lhe foi questionado o sentido ético dos seus procedimentos por, sendo conselheiro da SLN/BPN, achar natural ter ganho 150 por cento no negócio de compra de ações e venda das mesmas a quem lhas vendeu a preço bem inferior ao seu valor, a tal SLN/BPN.

E até parece que tem razão porque Cavaco Silva fez exatamente o mesmo. Se o supremo magistrado da nação tem esta sorte ao jogo (sim, bem sabemos, ainda não era supremo magistrado só tinha sido primeiro ministro) por que razão Rui Machete não pode arriscar... e ter a mesma sorte? Tudo certo, tudo legal.

Só que, tendo o BPN sido criado para dar dinheiro aos mafiosos demiurgos e seus amigos próximos, com um plano geral de abuso e esbulho dos dinheiros de quem neles confiou, provocando um buracão de milhares de milhões de euros que os portugueses estão a pagar mais as centenas que agora ainda vão pagar ao BIC graças ao esmero e eficácia da ministra Maria Luís Albuquerque, esta gente e a que espera pela sua hora prestando provas práticas nas grandes empresas e na banca, não pode ocupar cargos decorrentes do funcionamento democrático da instituições mesmo tratando-se de um governo desclassificado e caracterizado pela podridão e falta de ética dos seus membros, servindo apenas como predador ao serviço dos donos de Portugal e dos donos dos donos de Portugal.

Cavaco e Machete, Maria Luís e Pais Jorge, por motivos diferentes mas integrados na mesma ausência de ética exigida pelo serviço público, não têm condições para ocuparem os lugares que ocupam. O primeiro, a salvo, por enquanto, pela sanção do voto direto popular continua a servir de cobertura a toda a espécie de meliantes.

A democracia não pode contemporizar e quem, em nome dela, o faça é cúmplice da degradação protofascista que se vai insinuando em tom festivo.

III

Bem, mas partindo de uma base materialista temos que concluir que aos partidos da direita não resta outra alternativa: a sua base de recrutamento é mesmo essa e o que têm à mão, começando por si próprios, é a elite da sociedade atual, da cultura dominante, da economia atual, da finança eterna, parte do luxuoso lixo produzido pela história da luta de classes, num monturo que abafa e empesta o labor milenar da humanidade na procura e na realização, superando todos os escolhos, das mais ousadas e improváveis utopias construindo um acervo de normas éticas que os seus mais descarados violadores são obrigados a dizer que veneram para ascenderem ao poder

Quando falamos em partidos da direita estamos já a fazer uma concessão ao sistema capitalista que, sempre tentando disfarçar a sua caminhada para o estouro entrópico, vai endrominando o pessoal com a alternância mínima garantida.

O capital já só tem uma arquitetura viável: o imperialismo mais boçal e a sua guerra infinita que o terrorismo jihadista, por ele gerado e usado com pouca discrição, aliás, se estivermos atentos aos sinais da nova era, se vai encarregando de lembrar aos descuidados passeantes da “democracia ocidental”. Umas vezes em brutais ações de retaliação outras vezes em articulação com os serviços secretos imperiais cada vez mais vulneráveis graças ao heroísmo dos novos combatentes da liberdade: Julian Assange, Bradley Manning, Edward Snowden.

Hoje, o Estado de Direito Democrático está cercado e tem apenas um flanco de resistência, chamemos-lhe a “Ala dos Namorados”, o nome é giro e satisfaz os amantes da história contada aos pequeninos: a luta dos trabalhadores contra a violência da exploração direta e indireta, contra a violência económica e social corporizada pelo Estado... democrático.

A ideia geral de que a globalização e o poder empresarial multinacional retiraram papel ao Estado não corresponde à verdade e apenas servirá para iludir as boas almas: o Estado democrático atual refinou como instrumento do imperialismo para a transferência direta dos rendimentos do trabalho para o capital e para sustentar a indústria de guerra e a repressão em geral.

O Estado moderno está vocacionado para alijar as responsabilidades sociais que a luta do Trabalho lhe atribuiu durante o século XX e, dizendo-o de uma forma simples e direta, para ser o Leviatã que assegure as privatizações e a repressão.

À esquerda real, ou seja aquela que não transige com a patranha dos bons modos e da boa vontade dos marionetas e lacaios do capital que se espanejam pelas instituições democráticas, à esquerda anti-capitalista, compete não descurar a inspiração libertária que deve estar presente na luta política e económica anti-capitalista.

Na sua relação com a cidadania em geral, a esquerda anti-capitalista, de facto não há outra, está convocada, sempre esteve, para a defesa do Estado de Direito Democrático – de facto uma conquista da luta dos trabalhadores espoliados, contra os que dele sempre fizeram, agora com mais descaramento que nunca, uma plataforma de esbulho.

O Estado de Direito Democrático é a plataforma mínima para a luta atual contra o capitalismo e sua superação revolucionária.

Sobre o/a autor(a)

Coronel na reforma. Militar de Abril. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
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