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“Lei Contra a Precariedade nasceu da mobilização e acompanhou a mobilização da sociedade portuguesa nos últimos anos”

Em entrevista ao esquerda.net, Tiago Gillot, um dos promotores da Iniciativa Legislativa de Cidadãos – Lei Contra a Precariedade, e membro da Associação de Combate à Precariedade – Precários Inflexíveis, falou sobre o processo de entrega da Iniciativa Legislativa de Cidadãos – Lei Contra a Precariedade, sobre as implicações da lei aprovada esta quinta feira e sobre o que ainda fica por fazer no que respeita ao combate à precariedade.
Foto de Paulete Matos.

Como avalias o processo de entrega da Iniciativa Legislativa de Cidadãos – Lei Contra a Precariedade?

A Lei Contra a Precariedade nasceu da mobilização e acompanhou a mobilização da sociedade portuguesa nos últimos anos. Depois da manifestação de 12 de março de 2011, as pessoas que a convocaram e os movimentos de precários tomaram a iniciativa de dar corpo à exigência popular por medidas concretas contra a precariedade. O processo de recolha de assinaturas e toda a batalha pelas propostas da Iniciativa Legislativa de Cidadãos é inseparável das lutas que entretanto travámos. Foi essa a principal força da Lei Contra a Precariedade.

Foi a força da mobilização popular que assustou a maioria alargada que sempre bloqueou medidas contra a precariedade e sempre se pôs de acordo para, como dizem na sua linguagem, flexibilizar a legislação laboral. A subscrição por mais de 40 mil pessoas, num processo que é propositadamente difícil e excessivamente exigente, foi em si mesmo uma grande campanha de contacto e adesão à iniciativa, feita em vários pontos do país.

As propostas eram claras e centradas na ideia de mudar rapidamente a vida das pessoas que sofrem com a precariedade. Sabemos que as leis não mudam tudo, mas que é um campo de batalha importante no mundo do trabalho. Por isso, a proposta cidadã propunha novos mecanismos e regras simples destinadas às principais vertentes da precariedade: os falsos recibos verdes, a contratação a prazo para funções permanentes e o roubo do salário e direitos na intermediação por empresas de trabalho temporário.

Esta iniciativa foi uma força popular, num momento muito duro na sociedade portuguesa. Foi uma iniciativa cidadã contra a precariedade, contra o desemprego, por trabalho e trabalho com direitos. Ou seja, a Lei Contra a Precariedade foi uma alternativa clara ao rumo de destruição e roubo generalizado que ameaça o conjunto da população.

Que efeitos práticos terá a nova lei aprovada esta quarta feira na vida dos falsos recibos verdes?

Apesar de ter persistido uma maioria alargada que chumbou a Lei Contra a Precariedade e bloqueou alterações mais profundas, a legislação que a força dos cidadãos conseguiu impor é um passo muito importante. O que foi aprovado é, no essencial, o que Iniciativa pedia no ponto sobre os falsos recibos verdes.

Foi criado um novo processo em que, detectada pela Autoridade para as Condições de Trabalho uma situação de falso recibo verde, é dado um prazo muito curto, de 10 dias, para que a entidade empregadora celebre o devido contrato de trabalho, com a data do início da relação laboral. Se o patrão não o fizer, o processo é encaminhado para o Ministério Público, que inicia esta nova acção. O processo é rápido e dispensa a iniciativa do trabalhador, o que é crucial para impedir a chantagem do patrão. No final, o processo garante a celebração do contrato de trabalho em falta, com reconhecimento dos devidos direitos desde que a relação laboral se iniciou.

Consideras que a Autoridade para as Condições do Trabalho terá os meios necessários para fazer cumprir a nova legislação?

A ACT tem muito menos recursos do que o necessário, como sabemos. O número de inspectores está muito abaixo da referência para o seu funcionamento normal, por exemplo. Mas, com esta nova lei, muda, e muito, a utilidade das inspecções e o efeito das irregularidades detectadas. A pressão sobre os patrões que recorrem aos falsos recibos verdes passou a ser real, porque sabem que se vai seguir um processo rápido e sem a necessidade da iniciativa do trabalhador, que reconhece a relação laboral e determina a celebração do contrato de trabalho à data que começou a fraude. E este novo mecanismo permite até à ACT forçar os patrões a aceitarem logo a celebração do contrato de trabalho e a regularização dos direitos em falta, sem ter de haver processo judicial. 

O que fica, no teu entender, por fazer no que respeita ao combate à precariedade?

Sabemos que nenhuma alteração à legislação altera, por si só, uma realidade social tão profunda como a precariedade. A precarização tornou-se a estratégia de exploração para impor menos salário, menos direitos, mais trabalho gratuito, menor capacidade de organização. Ao contrário do que nos querem convencer, a precariedade não é o “mal menor” duma época em que o desemprego aumenta para níveis explosivos. A precariedade é uma ferramenta essencial para implementar um regime social baseado nos baixos salários, no desemprego massivo e no recurso a mão-de-obra obediente e sem capacidade reivindicativa.

A crise que vivemos será decidida, em grande parte, no campo do trabalho. A precariedade total é o futuro imaginado pelas classes dominantes, em Portugal e na Europa. O combate à precariedade é por isso hoje mais central que nunca.

Os movimentos de precários, os cidadãos e cidadãs que se mobilizaram para esta iniciativa, sabem que fica muito por fazer. Desde logo, lutar para que a lei aprovada tenha consequências reais, o que requer a força de movimento e associação que esteve na origem desta alteração. E sabemos também como a contratação a prazo e o negócio das empresas de trabalho temporário, que foram deixados intocados pela maioria alargada que bloqueou alterações à lei, são cada vez mais o recurso do patronato e o incentivo que vem do poder. Todo este combate se cruza com as lutas gerais contra a austeridade e os direitos que estão a ser roubados ao conjunto dos trabalhadores e da população. E, em particular, a aproximação ainda maior dos fenómenos do desemprego e da precariedade, hoje variáveis quase inseparáveis para perceber as novas formas de exploração.

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