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A bomba incendiária dos derivados financeiros e o Titanic do Deutsche Bank

A prática contabilística de mascarar os níveis de risco da banca levaram o Deutsche Bank ao excesso de manter mais de 50 biliões de euros em derivados financeiros, soma equivalente a 75 por cento do produto mundial e a quase 20 vezes o PIB da Alemanha. Por Marco Antonio Moreno
No mundo há mais de 700 biliões de dólares em derivados financeiros (quase 10 vezes o PIB mundial) e grande parte destes derivados correspondem à denominação de ativos tóxicos. A economia voltou à época pré-Lehman, com exceção de que desta vez não terá nenhum tipo de resgate e o sistema prestará uma nova homenagem ao Titanic

As más práticas do Deutsche Bank, como todas as más práticas do sistema financeiro, têm estado sempre no epicentro e na origem da crise atual. O Deutsche Bank é um dos bancos mais alavancados do mundo e é também um dos que acumula mais ativos tóxicos e derivados financeiros. O seu alto nível de dívida pode explodir devido a um esquema que cai em pedaços desde a falência do Lehman. Se pouco ou nada se disse das más práticas deste banco, isso deveu-se à manipulação mediática que colocou a Grécia como a mãe dos problemas. Também a crise grega teve muito que ver com o Deutsche Bank.

Os balanços dos bancos alemães são o mais claro exemplo do alto risco que estes bancos assumiram e que hoje, quando o tsunami começa a tocá-los, podem implicar um aberto recrudescimento da crise financeira. Conquanto este seja um fenómeno não desejado, começa a ganhar força devido à debilidade da economia mundial com dados que dão clara conta de uma desaceleração na China, Estados Unidos, Europa e países emergentes. E isto não serve um sistema financeiro que deve estar sempre a animar bolhas e a manter a economia em movimento. Se o sistema pára, que é para onde vamos, provoca o colapso da dinâmica financeira pelo choque contra o muro das falhas de pagamento.

Os bancos alemães são os mais alavancados do mundo produto dessa enorme confiança que lhes deu o estar entre os maiores do mundo. Mas agora toda essa confiança se vira como um boomerang dado o florescimento dos múltiplos riscos ocultos que a banca alemã mantinha baixo do tapete para serem considerados “fora de perigo”. No entanto, agora que a área de perigo começa a chegar ao núcleo europeu, o temor sobre o futuro da banca alemã gera novos medos. Isto obrigará o Banco Central Europeu a manter por mais tempo a taxa de juro nos seus mínimos históricos para ajudar a que o Deutsche Bank se recapitalize. Também, decidiu dar nova vida aos derivados financeiros sem se importar desta vez com a qualidade que tenham. Algo insólito.

As más práticas do Deutsche Bank

Tal como o Goldman Sachs fez com a Grécia, o Deutsche Bank manteve empréstimos escondidos ao Brasil e à Itália. Entre 2008 e 2011, o Deutsche Bank fez empréstimos ao banco italiano Monte dei Paschi dei Siena e ao brasileiro Banco do Brasil num total de 2.700 milhões de euros. No entanto, não incluiu nenhuma destas operações nos relatórios financeiros enviados aos investidores. E ainda que pareça estranha vinda da Alemanha, esta prática do Deutsche Bank era bastante habitual. Empréstimos semelhantes fez ao Dexia Bank (o falido banco franco-belga), ao Hellenic Postbank da Grécia e ao banco do Qatar AL Khaliji, entre outros. Todos estes empréstimos fazem hoje parte dos quase 350 mil milhões de euros que o Deutsche Bank mantém em passivos e em sério risco de perda.

E isto não é tudo. A prática contabilística de mascarar os níveis de risco da banca levaram o Deutsche Bank ao excesso de manter mais de 50 biliões de euros em derivados financeiros, soma equivalente a 75 por cento do produto mundial e a quase 20 vezes o PIB da Alemanha. Como tenho assinalado noutros textos, no mundo há mais de 700 biliões de dólares em derivados financeiros (quase 10 vezes o PIB mundial) e grande parte destes derivados correspondem à denominação de ativos tóxicos. Ativos incendiários que são recuperados com o dinheiro dos contribuintes e que geram suculentos lucros aos que continuam a jogar nas finanças mundiais. Estes são os excessos do sistema financeiro que hoje passam a fatura a todo o mundo com uma economia estagnada e agónica, em que assistem na primeira fila ao colapso de toda uma falsa maneira de progresso económico.

É por isso que os bancos europeus devem agora reduzir drasticamente os seus balanços para mitigar o impacto de uma nova explosão da crise, algo a que a Europa não pode permitir-se dado que infligiria uma ferida mortal. O setor bancário europeu é considerado o maior do mundo e em termos relativos representa quase quatro vezes o tamanho da economia europeia. Em termos comparativos, a banca do Japão, do Canadá e da Austrália representam o dobro do tamanho das suas economias, enquanto nos Estados Unidos a proporção é de 1:1.

Uma crise bancária na Europa teria uma magnitude desastrosa e, por isso, os bancos têm de reduzir os seus balanços a 2,4 biliões de euros para se situarem num nível sustentável. Esta tarefa pode demorar três anos e ajuda a compreender por que é que a troika dilata para mais tarde as tarefas de abordar a crise europeia. Enquanto a banca continua com este cancro terminal não há maneira de reanimar o paciente e deve-se extirpar os tumores malignos. O problema é que este processo tornou-se mais longo do que se pensou e o desemprego e a estagnação económica estão em níveis de asfixia.

Como consequência da desaceleração económica mundial os bancos centrais têm dado rédea solta aos derivados financeiros. Na semana passada o BCE decidiu aceitar valores suportados por ativos como garantias de novos empréstimos. E desta vez, ao contrário dos anos anteriores à falência do Lehman Brothers, não se exige a estes ativos um “Triplo A”, mas estão a ser aceites valores com baixa qualidade. Tudo isto mostra-nos que a fragilidade do sistema financeiro é muito alta dado que a cadeia de créditos se pode romper em qualquer ponto.

Este relaxamento do sistema torna-se insólito dado que agrava o risco sistémico. Os bancos europeus têm um nível de 220 biliões de dólares em derivados financeiros (CDO e CDs), e o estalar desta bolha aproxima-nos do momento Minsky ou do colapso total do sistema. Como dissemos noutros textos, os derivados são um sistema de apostas semelhante a um casino no qual se hipoteca o futuro. Seja com títulos dos governos, empréstimos ou hipotecas, aposta-se na queda ou no aumento dos preços afetando a rentabilidade dos títulos de dívida soberana e propiciando a volatilidade no prémio de risco. Isto indica que a economia voltou à época pré-Lehman, com exceção de que desta vez não terá nenhum tipo de resgate e o sistema prestará uma nova homenagem ao Titanic.

Artigo de Marco Antonio Moreno, publicado em El Blog Salmón. Tradução de Carlos Santos para esquerda.net

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