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Dessuburbanizar

Dessuburbanizar é o nome que se propõe aglomerar os vários projetos e formas de resgatar a vida face à cidade da anti-estética que nos rouba o prazer de viver e da cidade das desigualdades que nos retira o direito à qualidade de vida.

Suburbanizam-nos a vida. Já eram as tradicionais cidades-dormitório e é agora também todo um degradar a cidade e degredar os/as cidadãos/ãs que vai avançando para o interior dos centros urbanos e para o exterior do que eram outrora espaços rurais. Com a exceção de pequenas ilhas de condomínios privados, avança o mar de betão.

No mar de betão luta-se para se manter à tona. Por entre tantos caminhos, a suburbanização faz cidade traçando um sentido obrigatório que ora pendula para o trabalho, ora regressa para um vazio cheio, e sempre confina o desempregado.

No mar de betão afoga-se a diversidade. Por entre tantas cores, a suburbanização faz cidade acinzentando os horizontes.

No mar de betão afoga-se a comunidade. Por entre tanta gente, a suburbanização faz cidade amontando vidas sem criar encontros.

O mar de betão parece inundar-nos de sentimentos. De vagas de inseguranças. De solidão e individualismo encaixotados em dispositivos de impedir vizinhanças. De luto de uma outra vida possível face ao recolher obrigatório nos transportes públicos que corta acesso à cultura e ao lazer. De impotência face à pena perpétua do empréstimo de uma habitação “fast food” feita para parecer agradável à primeira vista mas rapidamente degradável e acompanhada de espaços comuns desqualificados. De angústia de chegar ao momento da exclusão em que já nem essa pena perpétua se pode cumprir.

A suburbanização é a exploração urbanizada. Uma lógica totalitária que enfrenta resistências. É a isso que o verbo-ação dessuburbanizar se pretende referir e não a qualquer sentido técnico. Dessuburbanizar é o nome que se propõe aglomerar os vários projetos e formas de resgatar a vida face à cidade da anti-estética que nos rouba o prazer de viver e da cidade das desigualdades que nos retira o direito à qualidade de vida.

Dessuburbanizar é, entre tantas outras coisas, redesenhar subversivamente a cidade por entre os seus traços duros. Criar praças, lugares de encontro e formas de democracia participativa. Reinventar os espaços, equipamentos e serviços públicos. Rasgar barreiras, melhorar acessos, criar novas proximidades.

Dessuburbanizar significará intervir a vários níveis. Por exemplo, a um nível macro, das políticas de ordenamento do território, implica intervir sobre os desequilíbrios estruturais entre litoral/interior não através da penalização fiscal de quem foi obrigado a viver nos grandes centros urbanos mas através dos incentivos à fixação em zonas rurais e de criação de outras condições para que quem quer regressar à terra não seja obrigado a viver uma utopia de pobreza franciscana. Implicará também intervir sobre a qualidade da construção através da legislação e da fiscalização e sobre a promoção da reabilitação urbana em vez da cedência à lógica insana de mercado de construir cada vez mais casas para ficarem devolutas.

Ou, por exemplo, a nível meso, das políticas regionais e de cidade, implica desenvolver estratégias de desenvolvimento sustentável criativas e participada numa lógica não concorrencial com os territórios vizinhos. Implicará também criar comunidade através da cultura, do desporto, da história local. E implicará certamente muito mais que aqui não se trata de apresentar um catálogo apenas de indicar alguns exemplos a complementar.

Para além destes dois níveis mais dependentes da intervenção do aparelho do Estado central ou local, é necessário um outro feito pela ação coletiva ou até individual. Assim, por exemplo, a um nível micro, das políticas de rua ou de bairro, implicará ações de “sabotagem criativa” tão simples como plantar um canteiro ou pintar um muro ou ações de coletividades e grupos de cidadãos que vão desde campanhas várias à construção de espaços de uso coletivo.

Ainda que o verbo-ação dessuburbanizar não consiga transmitir aquilo para que foi proposto, a urgência de dessuburbanizar sente-se na pele. Com mais veemência agora que a desqualificação urbana se agrava e o investimento público desaparece com a crise. Conjunturalmente, dessuburbanizar será não aceitar que a austeridade se entranhe ainda mais na cidade. Enquanto que, estruturalmente, será ter a ousadia de, na expressão feliz de Daniel Bensaïd, pentear história a contrapelo. Não adorando uma utopia verde inatingível mas despoletando processos multicolores variados.

Publicado originalmente no Jornal “O Sul”

Sobre o/a autor(a)

Professor.
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