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O erro do Jerónimo e o despertador dos socialistas

A esquerda apresenta a suas propostas e batalha pela clarificação do pântano, junta gente no caminho, não desiste do milhão e meio de pessoas que votaram no Partido Socialista e de tantas outras que nele viam um fator de esperança e que começam agora a acertar o despertador.

Ao afogado qualquer palha flutuante serve para alimentar a ilusão do salvamento. A aceleração dos acontecimentos nas últimas semanas moveu convicções e acordou defuntos – o Eanes respira ainda e o Ricardo Costa luta contra os calendários de vento. O decalque grego ganha contornos de um cavaquismo bafiento, cansado de si e impróprio para o consumo de uma democracia madura. De tudo isto ficará pouco para contar. O ganho está em ajustar a lente e focar os acontecimentos. A primeira visão é a de uma estirpe de democratas de lapela que se aflige com os meios de fazer a democracia. É vê-los atacar a moção de censura dos Verdes, classificando-a de tábua salvadora de um governo que está morto, para se perceber o quanto este tipo de reacionarismo tem uma base matemática, contabilística e oca.

Por isso, os ataques aos Verdes ou a deferência burocrática ao número de moções de censura ao dispor de cada partido interessa pouco. A novidade está em o PS anunciar o seu voto favorável à moção no mesmo momento em que inicia conversações com o PSD e CDS. O Jerónimo de Sousa disse que a moção de censura iria acabar com o troca-tintismo do PS. Errou. O PS escolheu o Governo de Salvação Nacional, mas quer integrá-lo com a mesma face com que foi adormecendo boa parte dos socialistas no último ano. E não adianta convocar a semântica para resolver o que já foi resolvido, não há negociação que não comece em diálogo, por mais crispado que seja.

Mas erra também quem acha que a disputa política se faz por autoproclamação. Esta mecânica não é invisível – a direção do PS não precisa de ministérios e honrarias para integrar um Governo desse tipo, pode assumi-lo e segurá-lo desde o Largo do Rato (foi essa a história desta semana) - mas achar que ela se torna tangível apenas através das posições parlamentares do PS ou das declarações circunstâncias de um Alberto Martins é não compreender a tragédia política dos últimos dois anos. A esquerda disputa o poder, não o define, apresenta um programa e vai à luta por ele. Romper o memorando, nacionalizar a banca e repor os cortes são pontos para uma base de entendimento à esquerda. Uma base que é minoritária na sociedade portuguesa, mas à qual se juntou uma quarta exigência, decisiva em todos os planos: eleições antecipadas.

A anunciada unificação da direita portuguesa confirma a alteração de maior provocada pela troika, a alternância do centro acabou: ou vence a polarização em torno da troika e da austeridade ou soçobraremos ao peso da ameaça bonapartista engendrada por Cavaco. Nessa disputa das nossas vidas, a esquerda apresenta a suas propostas e batalha pela clarificação do pântano, junta gente no caminho, não desiste do milhão e meio de pessoas que votaram no Partido Socialista e de tantas outras que nele viam um fator de esperança e que começam agora a acertar o despertador.

Sobre o/a autor(a)

Sociólogo, dirigente do Bloco de Esquerda e ativista contra a precariedade.
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